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A 4 Mãos: Carrilho versus Bárbara – o legitimar da violência doméstica?

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Marcos Melo (MM): Manuel Maria Carrilho, antigo Ministro da Cultura nos XIII e XIV Governos Constitucionais, ambos encabeçados por António Guterres, foi condenado a uma pena de prisão de quatro anos e meio pelos crimes cometidos contra a ex-mulher, Bárbara Guimarães, apresentadora de televisão. Violência doméstica, ameaças, ofensas à integridade física, injúrias e denúncia caluniosa foram os crimes julgados em tribunal, no passado dia 31 de Outubro. Contudo, falta referir um pormenor que faz toda a diferença: a pena foi suspensa, que é como quem diz: és culpado, levas um puxão-de-orelhas, mas podes sair em liberdade.

Maria, o que tens a dizer acerca deste veredito?

 

Maria Moreira Rato (MMR): Antes de mais, é necessário que pensemos no passado de Manuel Maria Carrilho. Um homem licenciado em Filosofia, detentor de uma aclamada carreira académica, militante de um partido e cronista em variados jornais e canais televisivos, para além de condecorado com a Medalha Picasso-Miró ou a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Civil de Espanha, foi acusado, para além dos crimes cometidos contra Bárbara Guimarães: de ameaça agravada a uma amiga da ex-mulher, de ter agredido o pedopsiquiatra dos filhos em pleno julgamento e ainda a meia-irmã de Bárbara.
Não sei, mas cada vez mais tenho a impressão de que a justiça é tudo menos imparcial. Porque na leitura do acórdão, na última terça-feira, o coletivo de juízes constatou que Carrilho havia agredido, ameaçado, difamado e injuriado Bárbara, mas que decisão tomou? Nem a consigo expressar de forma respeitosa, porque sinto que aquilo que aconteceu foi o seguinte: “Ah e tal, ele que não contacte a ex-mulher e que fique afastado da residência dela. Já agora, para não parecer mal, pode frequentar uma formação contra a violência doméstica para ver se fica bonzinho!”.
Marcos, para mim, a pena suspensa significa literalmente que nem a sentença e, consecutivamente, a justiça, produzirão efeito em nenhuma das partes durante determinado período de tempo. E para ti?

 

MM: Para mim, a decisão de suspender a pena de prisão transmite uma mensagem para a opinião pública que, aos meus olhos, me parece gravíssima: tratem mal as vossas mulheres, batam-lhes sem preocupações, porque nada de mal vos acontecerá. Esta decisão legitima a violência doméstica (e os outros crimes que aqui estão em causa). Portanto, uma vez mais, a Justiça desaponta e, pior, é conivente com o culpado, dando-lhe uma palmadinha nas costas. Ora, se Manuel Maria Carrilho não demonstrou qualquer arrependimento, como é referido no Acórdão, o cenário parece-me ainda mais bizarro. Então, porquê suspender uma pena de prisão quando os factos foram inequivocamente provados, pelo tribunal, e admitidos, pelo ex-ministro? Terá sido porque o condenado é quem é, uma figura pública? Terá sido porque o condenado é homem e, pelos vistos, o homem pode arrear na mulher?

 

MMR: Mencionaste uma noção que me parece essencial neste caso: opinião pública. Para uns, é apenas o “senso comum”, para outros, e talvez seja esta a definição mais autêntica, corresponde às considerações da população, generalizadas ou acerca de determinado tema. E o que ocorre se pensarmos no somatório do discurso dos media com o das pessoas é o discurso circulante, isto é, a tentativa de definir personalidades, acontecimentos, atos, etc. Existem três perigos principais: a instituição de um poder – será que a voz dos media se torna superior à dos cidadãos e das cidadãs comuns?; a tentativa de regularização do quotidiano – nunca vimos aquilo que se passava entre Bárbara Guimarães e Manuel Maria Carrilho, mas assumimos que aquilo que nos é transmitido corresponde aos comportamentos que eles tinham; a dramatização – quantas vezes as queixas de Bárbara foram menosprezadas e/ou as supostas agressões de Carrilho encaradas como invenções da apresentadora?
A meu ver, os media têm esta capacidade incrível de revelar assuntos que passariam despercebidos caso não existissem, mas muitos órgãos de comunicação acabam por não exercer da melhor forma as suas funções de “quarto poder”. O que achas, Marcos?

 

MM: Os media acabam por ser coniventes com o tal discurso de legitimação da violência doméstica – do homem em relação à mulher, leia-se – e, consequentemente, pela apatia da opinião pública relativamente a temas que, infelizmente, são – e continuarão a ser – tabu. Como referes, Maria, o discurso de vitimização da mulher – a coitadinha –  institui-se nos pilares da sociedade. Portanto, sim, os órgãos de comunicação social são, também, atores desta novela, encarnando personagens que são cúmplices do vilão. Bárbara Guimarães é uma figura mediática, mas, neste caso, foi tão menosprezada quanto uma mulher anónima. É verdade que os media lhe ofereceram um palco – um circo (mediático), diria –; contudo, não lhe ofereceram algo essencial à defesa da sua integridade: uma voz. Por sua vez, os golpes de Manuel Maria Carrilho foram aparados, como o povo costuma dizer. Desfecho da história? Simples: por ser homem, Manuel Maria Carrilho leva um puxãozinho-de-orelhas e, daqui a uns tempos, quando já ninguém se lembrar do sucedido, é vê-lo a ocupar um qualquer cargo político; por ser mulher, Bárbara Guimarães sente-se injustiçada pela Justiça e, dificilmente, regressará ao estrelato da televisão portuguesa (não foi por acaso que a afastaram da apresentação da última edição da gala “Globos de Ouro”, da SIC).
E a vida prossegue neste Portugal-dos-Pequeninos…

 

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