Opinião

A 4 Mãos: Cobertura jornalística? Só quando convém!

Uma rubrica de Opinião escrita a quatro mãos por Maria Moreira Rato e Marcos Melo

Maria Moreira Rato (MMR): Na semana passada, Portugal viveu dois atentados à liberdade de imprensa. O primeiro na política e o segundo no desporto. Creio que não é muito difícil adivinhar a proveniência deste desrespeito pela comunicação e, sobretudo, pelos jornalistas: o 37.º Congresso do PSD e a Assembleia Geral do SCP.
No Centro de Congressos de Lisboa, assistiu-se a agressões a fotojornalistas, à seleção dos órgãos de comunicação que podem (ou não) privar com o atual e antigos líderes do partido, e determinados profissionais foram impedidos de fotografar alguns momentos marcantes. No Pavilhão João Rocha, ouviram-se frases como “a partir de hoje, não comprem nenhum jornal desportivo nem aquele outro que vocês sabem” ou “não vejam nenhum canal português de televisão a não ser a Sporting TV”, que não deviam ser sequer proferidas. Contudo, para Bruno de Carvalho, parecem totalmente plausíveis.

 O Sindicato dos Jornalistas já se manifestou, mas hoje chegou a nossa vez. Marcos, que opinião tens acerca deste boicote aos media?

 

Marcos Melo (MM): É verdade, Maria. No Sábado, dia 17 de Fevereiro, assistimos a duas situações dignas do Lápis Azul. Afinal, parece que a censura sobreviveu à era salazarista. No caso do 37.º Congresso do PSD, os fotojornalistas foram condicionados pelos seguranças. O Sindicato dos Jornalistas (SJ) reagiu, de imediato, veiculando um comunicado de imprensa, no qual se fala de um “comportamento abusivo e restrição à liberdade de imprensa em relação ao trabalho dos repórteres”. Quanto à Assembleia Geral do Sporting, Bruno de Carvalho apelou a que os sportinguistas boicotassem os jornais desportivos e os programas de televisão de comentário futebolístico. O SJ também já se manifestou, pela voz da sua presidente, Sofia Branco, que, em entrevista ao Expresso, referiu que as palavras do dirigente leonino são um “incitamento à violência”. No Editorial de 20 de Fevereiro, David Dinis, director do Público, fala num Sporting Clube de Pyongyang, uma clara alusão — aliás, comparação — entre Bruno de Carvalho e o ditador Kim Jong-un, presidente da Coreia do Norte.

 Maria, estamos a assistir a um regresso descarado da censura? Como aluna de Jornalismo e futura jornalista, como encaras estes atentados à Liberdade de Imprensa?

 

 

MMR: Quando um jornalista tem acesso livre à informação e pode divulgá-la, existe liberdade de imprensa. Neste caso, assistimos ao retrocesso na liberdade de imprensa e de expressão porque indivíduos que, ainda por cima, deviam ter plena consciência de artigos simples (compreensíveis por qualquer pessoa e que constam na Constituição da República Portuguesa) como o 38.º, onde se pode ler: “A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores” ou “A liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de informação” agiram como acéfalos.
Em abril do ano passado, um relatório dos Repórteres Sem Fronteiras demonstrava que Portugal se encontrava no 18.º lugar no Ranking da Liberdade de Imprensa 2017 — baseado nos ataques diretos realizados aos jornalistas e noutras fontes de pressão — sendo que “entre janeiro de 2005 e janeiro de 2007, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou 21 vezes Portugal por ter violado o artigo 10.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem”.

 Pois bem, podemos encarar este panorama de forma positiva, no entanto, no artigo mencionado, encontramos as seguintes alíneas: “Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras” e “O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem (…)”.
Em 12 anos, 21 violações da liberdade de expressão? Mesmo que não existissem outras que não nos são transmitidas (nem nunca serão), o nosso país já vai em 23, tendo em conta os últimos acontecimentos, e isso não me assusta somente — entristece-me, porque sempre sonhei em fazer um jornalismo honesto e justo, mas desejava também que a minha profissão fosse respeitada.

 “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Tudo o resto é publicidade” — esta é uma citação de George Orwell que encaixa às mil maravilhas neste contexto, na medida em que tanto o SCP como o PSD pareceram querer tornar o jornalismo num aparelho repressor não do Estado, mas sim do clube e do partido, como se nos encontrássemos num regime fascista.
Marcos, o que tens a acrescentar?

 

 

MM: Maria, antes de terminar, gostaria de partilhar um comentário de um anónimo que, por estes dias, li num dos inúmeros posts sobre o boicote do Sporting aos media portugueses. “A comunicação social criou o monstrinho”. Desde já, quero deixar bem claro que não estou — de todo! — a crucificar os jornalistas portugueses. Esta afirmação vale o que vale. Contudo, sempre reparei numa certa atitude de subserviência dos media relativamente aos clubes de futebol, uma vez que alguns jornais e programas televisivos dão eco às baboseiras que todos os dias enchem a agenda mediática com assuntos que não interessam a ninguém. Quero, apenas, com isto dizer que se, por um lado, estamos perante uma clara violação dos direitos de liberdades de imprensa e de expressão, por outro, considero que os órgãos de comunicação social portugueses deveriam assumir uma tomada de posição concertada perante esta censura descarada, de forma a não continuarem a alimentar o monstrinho, pois o monstrinho desdenha mas quer comprar. Faço-me entender?

 

MMR: A agenda dos media não existe por acaso: a maioria dos jornais, canais televisivos, estações de rádio, etc., tende a trabalhar afincadamente em x assuntos por achar que a população os consumirá em detrimento de y temas. Mas o agendamento não pode condicionar a prática jornalística – porque aí, o monstrinho é criado tanto pelos media como por quem quer ser notícia e alimentado por ambos.

 Na minha opinião, o maior problema com que nos deparamos nem é propriamente o do agendamento, mas sim o do agendamento reverso: atualmente, a relação público-media é tão estreita que alguns cidadãos e cidadãs acabam por “exigir” a abordagem e exploração excessiva de certas notícias que, no fundo, não consistem nenhuma novidade – apenas vão ao encontro dos seus interesses.

 “O bom jornalismo será sempre bem-vindo a Alvalade”, afirmou Bruno de Carvalho, enquanto os jornalistas observavam de longe o decorrer do Congresso do PSD, quando se encontravam tão perto. Será este o jornalismo que pretendemos? Será este o cenário que criámos?

 No dia em que ser bom jornalista significar andar de mãos dadas com o poder (seja ele qual for) e servir de megafone a indivíduo a, b ou c, esta profissão deixará de fazer sentido.

 

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