Cinema e Televisão

Boyhood: ano por ano, experiência por vivência

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Pela primeira vez na história do cinema, foi realizada a ideia que a maioria dos filmes ignora ou acerca da qual nos tentam iludir: a passagem do tempo real, ano por ano, experiência por vivência.

Filmado durante doze anos consecutivos, Boyhood dá-nos o testemunho de Mason (Ellar Coltrane), uma criança de braços delgados que tenta, com todas as suas forças e medos, abraçar o mundo que constantemente o desafia. A história começa nos seus seis anos de idade e termina nos seus dezoito. Ao início é-nos logo dada a conhecer a separação dos seus pais, que de uma forma honesta nos situa não num contexto de “felizes para sempre” mas nos leva, sim, para a vida real, repleta de feridas abertas, momentos de graça e felicidade ocasional.

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Uma dúzia de anos foi suficiente para fazer emergir uma série de cenas meticulosamente estruturadas num registo distintamente quotidiano: o filme avança ao mesmo tempo que intercala placas de sinalização temporais como uma canção da Britney Spears, o ano em que a Nitendo Wii estava no auge, ou até mesmo transições quase imperceptíveis.

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Já o realismo é-nos muitas vezes dado aos solavancos, mas acaba por ser realizado de forma brilhante por Richard Linklater, já conhecido pela facilidade com que consegue transmitir quase poeticamente a esfera íntima das suas personagens, focando-se essencialmente no diálogo e na expressão com que as personagens habitam o espaço e, neste caso, o plano.

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Conforme os anos passam, a criança que outrora foi inocente nas suas expectativas e que dizia ao pai que precisava de jogar bowling com barreiras, transforma-se num adolescente capaz de entender que nem tudo na vida nos pode amparar os fracassos. Quem partilha o plano e a transformação com Mason é a sua irmã mais velha (Lorelei Linklater, filha do realizador), e os seus pais (Patricia Arquette e Ethan Hawke) que durante toda a narrativa suportam as mudanças de vida que a separação implicou. É com esta situação que são abordados temas como a monoparentalidade e o que esta implica para ambos os lados, traumas, a transformação psicológica que uma pessoa pode sofrer e uma violência doméstica bem presente à qual tantas vezes se fecha os olhos.

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O filme que, por um lado, é radical na sua vaidade de não existir outro igual e, por outro lado, também nos é familiar nos seus detalhes do dia-a-dia, surge na junção do clássico com a arte moderna, sem ter em si obrigação de seguir qualquer tradição ou direcção. Uma obra-prima que não tem em si o desejo de lutar contra a passagem do tempo, mas sim de demonstrar toda a sua beleza que para tantos nostálgicos se torna dolorosamente fugaz.

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