Artes Visuais e Performativas

Evento Ignite transformers – Nós fomos transformadas

Quando eu e a Inês Monteiro chegámos ao Museu da Electricidade, num fim de tarde frio de Março, não sabíamos aquilo que nos esperava. À porta do Museu havia apenas uma placa que nos indicava o evento pelo qual até lá tinhamos ido: o Ignite Transformers.

Fundada em Agosto de 2010, a Transformers é uma Associação sem fins lucrativos que se dedica a ensinar inúmeros jovens actividades que vão do futebol à pintura, para que estes possam intervir de forma positiva nas suas comunidades. Já a Ignite Portugal é um conjunto de eventos abertos à participação de todos e que gira em torno de apresentações sobre temas como inovação, criatividade ou empreendedorismo, nos quais os oradores têm apenas 5 minutos para falar. A Ignite Transformers é a junção deste tipo de eventos a uma Associação que acabaria por nos transformar às duas também.

Um espaço um pouco improvisado no Museu deu lugar a todos aqueles que lá foram para conhecer ou partilhar a sua história. O palco, uma pequena palete de madeira, por onde já passaram centenas de pessoas, como nos dizem os apresentadores, é um dos primeiros sinais de que com pouco se consegue fazer muito. “O que é preciso é haver paixão”, diz Diogo, um dos apresentadores, que nos explica brevemente como funciona a Associação: todo o processo dura um ano lectivo e no site há candidaturas para se ser transformer ou mentor, “aqueles que ensinam”; depois são escolhidas as instituições onde a Transformers vai actuar e  pergunta-se aos jovens que lá estão o que é que gostavam de aprender. “O melhor deste projecto dá-se no mês de Maio e em Junho, no festival TNT (Todos Nós Transformamos)”; isto porque Maio é o mês em que os mentores definem um problema na comunidade dos jovens e o modo como podem actuar sobre ele, e o festival é o momento em que os T-Kids passam a Transformer e podem confraternizar uns com os outros. “Vejo-me na transformers para sempre. O voluntariado não é sempre grátis e num projecto destes é difícil conciliar a nossa vida profissional com isto. Estes projectos têm de ser sustentáveis e servir de sustento às pessoas que os organizam. Embora eu esteja mais distanciado do projecto, eu vejo-me aqui por muitos e bons anos”.

Posto isto, e num ambiente simples mas familiar, os oradores começam a revelar-nos as suas histórias e sobretudo o que os levou a ir para esta associação. Um dos primeiros a falar é António Mesquita, cofundador do Projeto Transformers e estudante de medicina. Depois de se apresentar com uma divertida ficha clinica, “como os pacientes quando vão ao médico se apresentam”, explica o porquê de ter co-fundado o projecto. Tudo começou quando descobriu que um velho amigo seu andava a viajar pelo mundo ao abrigo do projecto que queria fundar e para ajudar as comunidades com as quais ia vivendo temporariamente. “A 31 de agosto de 2010 fomos registar a nossa associação. Tivemos logo a sorte de ter o apoio da EDP”. Além disto, confessa que as razões pelos quais toda a gente devia ser um Transformer são simples: “sejam transformers sendo aquilo que mais gostam de fazer, se a vossa paixão for jogar à bola organizem uns jogos e ajudem quem precisa; sejam empreendedores porque aquilo que não falta por aí são problemas por resolver e todos nós podemos ajudar e, fundamentalmente, todos nós devemos ser os líderes de hoje e não do futuro, porque devemos fazer a diferença agora e não adiar sempre para depois”. Diz ainda ter aprendido muito com tudo o que já fez e sobretudo com quem já conheceu.

Seguiram-se os oradores Fábio Pimentel, Sónia Gouveia, Catarina Beringuilho, Luis Neves e Lin Sut Ni. Esta última oradora, tutora do Projecto Transformers no CED Santa Clara da Casa Pia de Lisboa, trouxe um dos discursos mais emocionados ao evento. Esta foi a sua primeira vez a falar em público. “Quando ouvi falar do projecto fiquei fascinada e quis saber mais”. Habituada a lidar com crianças, disse que este não é um papel fácil de cumprir.  “Uma criança faz com que o adulto saiba que é adulto por tomar conta dele, faz com o professor saiba que é professor por ensiná-lo” e para ela a missão mais importante deste projecto é fazer com que as crianças brinquem e aprendam ao mesmo tempo para no futuro serem sempre melhores. “Ser bom é ser bom agora e não amanhã”.

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Depois destes testemunhos emocionados era altura de mostrar aquilo em que os jovens tanto trabalhavam. Seguiu-se um momento musical onde um dos jovens cantava e duas raparigas dançavam ao som de um rap que facilmente identificava como a história de vida daquele que o cantava. Com isto, era tempo do Beer Brake, porque “coffee já não está na moda e aqui até temos pizza”, como disse Diogo, um dos apresentadores.Cerca de meia hora depois todos se voltam a juntar. A vontade de ouvir mais parece ser consensual, até por parte de um rapazito que desde o início do evento olhava para o meu gravador e microfone mas sempre se recusou a deixar-me algumas palavras.

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Neste segunda parte conhecemos uma mentora que se considera “bailarina de coração” e cujo sonho é espalhar sorrisos através do movimento: Orquídea Ribeiro. Chegou à Transformers através de uma das coordenadoras e confessa que foi amor à primeira vista e que o voluntariado era mesmo aquilo que queria fazer. “Para mim transformar é saber que todos juntos vamos mais longe. Aprendi a importância de respeitar o erro do outro e a reconhecer o que o outro tem de bom. Aprendi que nunca se deve desistir, por muitas dificuldades que tenhamos, vamos até ao fim”. Ainda sobre a dança ouvimos Daniel Tavares, um pequeno grande mestre do Rap, como é conhecido. Além do rap encontrou na dança um motivo para querer sempre ser melhor, até porque aquando da sua entrada no projecto nem era dos jovens mais coordenados, o que o levou a ficar um pouco frustrado. “Faltei a algumas aulas e depois voltei a ir às aulas dos mentores. Senti uma ligação muito grande com as pessoas que ia conhecendo e disse a mim mesmo que devia treinar ate conseguir”.

Seguiram-se outras histórias. A dada altura, é uma senhora pequenina mas cheia de garra a pisar o palco. Chama-se Marta Pires, é coordenadora do Projeto Transformers em Coimbra e mentora de Teatro, e conta a sua história na terceira pessoa. “Era uma vez uma menina que fugia de alguém. Tinha daquelas dores por que nenhuma mulher deseja passar (…). A certa altura encontrou o grupo dos Transformers que fez com que olhasse para a vida de forma diferente”. No projecto confessa ter encontrado pessoas com garra e com força para lutar e que se revelaram amigos para a vida. “Os Transformers fizeram com que eu acreditasse em mim mesma. E se eu não tive um passado fácil e fui capaz de o vencer qualquer pessoa o pode fazer também”.

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O evento foi dado como terminado quando mais nenhum orador ou T-Kid subiram ao palco e só os apresentadores prestaram um último agradecimento a quem os continua ajudar enquanto instituição não lucrativa. Eu e a Inês fomos arrumando as coisas, mas faltava qualquer coisa: era preciso também o testemunho de um T-Kid, e conseguimo-lo. “Nunca tinha vindo a nenhum evento destes e adorei. Na Tansformers podemos fazer coisas de que realmente gostamos e que nos dá gosto aprender”, confessou um dos jovens, já com alguma pressa de ir embora.

Para terminar igualmente a nossa presença no evento ainda foi possível falar com um dos coordenadores de actividades do projecto. Num tom mais formal, este disse-nos que um dos problemas que o projecto enfrenta são os mentores que depois de se comprometerem com algumas actividades são os primeiros a desistir. Por outro lado, há que lembrar que a Transformers lida com lares de infância, juventude e com crianças que estão presas, cujas histórias de vida são, em muitos casos, bastante delicadas. “A verdade é que mesmo as crianças que cumprem penas judiciais se empenham com muita dedicação nas actividades que são propostas. Lembro-me de no ano passado algumas dessas crianças não terem conseguido ir ao festival TNT e de nós termos tido o cuidado de criar um só para eles”.

 

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