Cinema e Televisão

LEFFEST – China Girl: um arquétipo do amor juvenil

 “Eles são amantes secretos… apanhados no fogo cruzado” – este poderia ser um excerto de Romeu e Julieta de Shakespeare, mas trata-se da sinopse do filme China Girl, realizado por Abel Ferrara, onde dois adolescentes sentem que o seu amor é proibido. Mas como o fruto proibido é o mais apetecido, nem os confrontos entre a sua família e amigos impediram que se juntassem.
 A ESCS MAGAZINE traz-te uma crítica à obra que une a tragédia de Romeu e Julieta ao romance de West Side Story.

 

 Nova Iorque é habitualmente a cidade que funciona como cenário dos filmes de Ferrara, não tivesse ele nascido e crescido no Bronx – que também é considerado um dos lugares mais diversos em termos culturais nos EUA. Talvez não tenha sido em vão que o realizador juntou Tony, de descendência italiana e residente em Little Italy, a Tye, que vive em Chinatown. O mote para a sua paixão? Compulsion, de Fonzi Thornton, que dançam entusiasticamente numa pista de dança improvisada, logo nos primeiros minutos.

 Infelizmente, a tensão entre italianos e chineses é notória mal Yung Gan, irmão de Tye e aspirante a membro da Tríade (conhecida por máfia chinesa), entra no clube e ameaça Tony. A partir desse momento, a perseguição é permanente e bem trabalhada através do plano americano, em que conseguimos observar a expressão facial, bem como os movimentos dos intervenientes, mas também do plano detalhe – por exemplo, quando Tony escapa dos seus rivais através de uma rede de metal nada segura e vemos o seu pé falhar, conseguimos sentir o medo e a imprevisibilidade daquilo que se seguirá.

 

 

 Muito mais do que a representação de rixas individuais, esta narrativa de um romance tumultuoso representa a tensão entre a máfia italiana e duas fações da Tríade (organização étnica, geográfica e cultural, sendo que apenas uma parcela de seus membros estão envolvidos na criminalidade): a tong, a que pertence o irmão de Tye, e a designada por dai-lo, onde estão integrados familiares poderosos da personagem principal, que inclusivamente abrem o restaurante Canton Garden em Little Italy para ocultar as suas atividades criminosas.

 

 

 Não deixa de ser importante referir que como extensão da não aceitação da multirracialidade, encontram-se adversidades igualmente perturbadoras, como o machismo de que Tye é vítima (“Eu sou teu irmão, pertences-me e tens de me obedecer… mas só quero o teu bem!” – ouve-se Yung afirmar quando exige que a irmã não saia de casa durante dias) e um sentimento de pertença quase de cariz tribal que Tony não possui e até se questiona se estará errado por ser o único “diferente” (“Por que raio estás tão preocupado com os chineses!? Nunca te vi assim! Nós somos italianos!” – diz Alby num tom preocupado, enquanto abraça o irmão mais novo).

 

 

 Em Romeu e Julieta, o suicídio foi a solução encontrada pelos amados para colocar um fim à guerra entre as famílias Capuleto e Montecchio; em West Side Story, Chino matou cruelmente Tony e o futuro de Maria é desconhecido, mas na 11.ª produção cinematográfica de Ferrara, Tony e Tye são assassinados a sangue frio por Yung Gan, caindo ao chão de mãos entrelaçadas. Parece que tal como Pedro e Inês, nem a morte os separou.
 Podem ser estabelecidos variados paralelismos entre esta e outras obras, mas uma coisa é certa: nunca a violência coreografada nem a reprodução das divergências geracionais foram tão bem concretizadas!

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