Editorias, Opinião

“Não era uma mulher, era uma transexual!”

“Não era uma mulher, era uma transexual!”

“Se ela fosse transexual, teria a obrigação de dizer. Imagina eu dormir com uma mulher e no dia seguinte descobrir que na verdade era um homem?”

E bastou o meu amigo Gustavo proferir estas frases para que a paz que reinava naquela mesa de bar fosse destruída.

Porém, antes de tudo, recuemos na história para duas horas antes do fatídico momento. Estávamos todos a dissertar sobre a arte de fazer o amorzinho gostoso: falávamos sobre fetiches pessoais, sobre desejos incomuns e de histórias vergonhosas que só eram compartilhadas pela certeza de que na manhã seguinte ninguém se recordaria de nada do que tinha sido dito na noite anterior.

Em um determinado momento, uma das nossas amigas começou a relembrar de algumas ex-namoradas do Gustavo e como todas costumavam ter alguns traços masculinos, em particular a sua última namorada, que todos nós costumávamos sugerir que talvez fosse um homem.

Naquele momento começámos a conversar sobre transexuais, travestis, genética, orientações sexuais e todos os assuntos que deixariam aquele tio homofóbico extremamente orgulhoso.

Ficámos, literalmente, horas a falar sobre homens que nasceram com um corpo de mulher e de mulheres que nasceram com um corpo de homem, mas que agora querem ser um guaxinim. Enfim, todas as possibilidades da sexualidade humana foram apresentadas em debate e foi então que meu amigo Gustavo colocou em pauta se uma mulher transexual deveria ou não revelar seu pequeno segredo (no caso dos travestis asiáticos).

Depois de boas horas de conversa, chegámos a algumas concessões e estes são os highlights da conversa:

Travestis e transexuais são coisas diferentes. Ela ainda tem o pepino? É travesti. Cortou com uma faca a sua banana de carne? É transexual;

Um transexual não é necessariamente homossexual. A transexualidade está relacionada com a identidade de género. Então um homem transexual (que nasceu num corpo feminino) que namora com uma mulher está na verdade numa relação heterossexual;

Se uma transexual é uma mulher de facto e não apenas uma pessoa que “acredita que é uma mulher”, ela deveria ter os mesmos direitos que uma mulher que não é transexual, ou seja, deveria ter a possibilidade legal de adotar uma criança ou então casar, afinal, devemos ter o direito de tomarmos decisões erradas na vida;

Por serem mulheres e não “acreditarem que são mulheres”, as transexuais não têm a obrigação de assumirem a ninguém que um dia já tiveram o nome Ricardo no Cartão do Cidadão;

Logo, vários homens já devem ter dormido com uma transexual sem terem o conhecimento desse facto. E não há nada de errado nisso;

Mesmo assim, eu e o Gustavo ainda imaginamos qual reação teríamos se passássemos por uma situação dessas, porque a verdade é que não importa o que defendemos, seremos sempre extremamente hipócritas quando as situações acontecem connosco;

No meio de todas essas conclusões, a sangria fez com que começássemos a considerar se era masturbação, coito gay ou pedofilia, o facto de construíres uma máquina do tempo para fazeres sexo contigo próprio quando tinhas 16 anos.

Enfim, a realidade é que a transexualidade ainda é um assunto que me traz vários questionamentos, mas em contrapartida, nenhuma conclusão de jeito. No entanto, depois daquela conversa no bar, todos nós passámos a ter uma visão mais tolerante e esclarecida sobre a transexualidade e a complexidade do comportamento humano.

Considerámos ainda a possibilidade de criarmos um vídeo que passasse a ideia da importância de aceitarmos as diferenças e de abrir mão dos nossos preconceitos, mas chegámos a conclusão de que isto já seria paneleiro demais.