Opinião

O pequeno ditador

Este artigo é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

Não gosto de falar de futebol; considero o “desporto-rei” um assunto relativamente aborrecido. Já a minha namorada é uma Sportinguista doente. São estas idiossincrasias que nos unem.

É verdade que no passado tive um ódio escarlate a tudo o que o futebol representa: o fanatismo, a irracionalidade, a corrupção, o esbanjamento financeiro, etc. Mas a idade amolece o espírito e acalma a raiva, e as pequenas coisas que nos irritavam tornam-se irrelevantes. Acaba por dar mais trabalho odiá-las ativamente. Neste momento o futebol é-me indiferente.

Não obstante, este festival das últimas semanas tem sido assustadoramente delicioso. Admito o meu voyeurismo e declaro a minha envergonhada paixão por este circo. A situação que reina no Sporting Clube de Portugal ultrapassa o plano do futebol de tal forma que os orgãos de soberania da República Portuguesa viram-se obrigados a vir a público comentar.

O mundo Sportinguista divide-se entre o apoio doentio ao atual Presidente, Bruno de Carvalho, e a exigência fervorosa por um pedido de demissão da parte da atual presidência. Isto é que vai para aqui uma açorda, hein?

Quem mais se não eu para pôr alguma ordem nisto? Literalmente qualquer outra pessoa, mas enfim, não tenho nada para fazer.

Bruno de Carvalho, apesar daquilo que me dizem ter sido um bom primeiro ano de mandato, acaba por se revelar como um perigo que ultrapassa a esfera do futebol nacional. É um ativo tóxico português. Não acreditam? Vou, então, aqui enunciar os traços que representam a personalidade ditatorial cada vez mais evidente do ainda líder do Sporting Clube de Portugal, Bruno de Carvalho.

Comecemos com a mais simples de todas: a descridibilização da imprensa.

O nível democrático de um país é diretamente proporcional ao grau de liberdade dos seus meios de comunicação social. Qualquer ditador que se prese começa por tentar censurar a imprensa. Nos tempos do Sócrates tínhamos uns media vergonhosamente “vigiados”: em termos de ranking internacional estávamos colados à Costa Rica e ao Mali – desculpem-me o aparte absolutamente descontextualizado. Ordenar aos súbditos para só ver as notícias do próprio canal é, no mínimo, Orwelliano.

Bruno de Carvalho utiliza táticas de intimidação e de incitação ao ódio. Ofende os ativos financeiros do clube em público, ataca o treinador, os adeptos e os próprios orgãos internos do Sporting. Com tudo isto somado, não me admiraria que o que se passou em Alcochete fosse uma encomenda do próprio. Uma encomenda estúpida e contraprodutiva, mas nunca fiando.

Os oponentes de Bruno de Carvalho são inimigos do Sporting; os famosos “Sportingados”. Não são pessoas com discordâncias ideológicas mas sim pessoas que querem fazer mal à própria marca, diz-nos ele. São inimigos do Estado e representam uma afronta ao atual regime.

Também a sua tendência para processar toda e qualquer coisa que respire tem algo que se lhe diga, mas é o menor dos males. Revela outro tipo de insegurança, quiçá.

Das cinzas do velho Sporting, economicamente destroçado, emergiu Bruno de Carvalho, tal messias de Alvalade. Caricata esta situação que se assemelha à Alemanha pós-Tratado de Versalhes, sabem. Aquela que fez chegar ao poder um senhor com um bigode engraçado.

Obviamente querer comparar as repercussões de um verdadeiro ditador às de Bruno de Carvalho é meio ridículo, mas trata-se de uma questão de grau: os métodos e a forma são semelhantes. A sua relutância em largar um cargo para o qual é evidente já não ter condições para exercer acaba por ser assustador.

O mais triste disto tudo é que Bruno de Carvalho é, e carinhosamente o digo, um pequeno ditador muito pouco original. É um homem by the book. As regras de como construir um regime totalitário são de tal forma copiadas, que qualquer dia o Presidente do Sporting começa a utilizar outras secções da cultura popular para exercer poder. Vão ver que o pobre do Bas Dost ainda vai acordar um dia com uma cabeça de cavalo em cima da mesinha de cabeceira.

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