Editorias, Opinião

Ontem. Hoje. Amanhã

A vida é um conjunto de escolhas. Esta é, à partida, uma premissa relativamente passiva de ser aceite sem grandes contestações. No entanto, muitas pessoas não abarcam o real significado desta frase. No universo estudantil em que me vejo atualmente rodeado, poucas perguntas se colocam mais que a infame e sempre temida: O que é que eu vou fazer com a minha vida?

Esta sorrateira e sempre matreira pergunta arrasta-se connosco como uma mosca, viscosa e repelente, tornando-se impossível de sacudir por mais de dez segundos. Persegue-nos, silenciosamente, mostrando-se constantemente nos nossos momentos menos corajosos, empurrando-nos para o canto da nossa mente, em que somos prisioneiros e reféns dos nossos próprios demónios. Como superar este medo que nos assalta, como ultrapassar a inegável incerteza da nossa vida, do facto de estar a acabar a faculdade e carregar mais dúvidas do que aquando a nossa entrada? A ansiosa e aparentemente impossível resposta encontra-se no presente, na escolha!

O meu pai disse-me uma vez que a vida se compara muito ao xadrez. O xeque-mate, ou seja, o objetivo/destino não é pensado pelos jogadores na primeira, nem na segunda, e, caso ainda tenham dúvidas, jamais na terceira e muito menos na quarta jogada. Tendo em conta a multiplicidade quase inesgotável de possibilidades de acontecimentos, o estratega faz uma coisa e uma coisa apenas: planeia no momento a sua melhor opção; vê o que, naquele exato instante, é a melhor estratégia, de forma a colocar-se numa posição mais favorável que a da jogada anterior. Isto não parece ser muito elucidativo; afinal o que raio é que um jogo de xadrez e as suas estratégias têm a ver com esta teia indecifrável de caminhos e recuos que é a vida? Pois bem, a tentação de qualquer pessoa é tentar vislumbrar-se dentro de dez/vinte anos. Onde te vês daqui a uma década? Que carreira? Que família te acompanhará?

Apesar de ser obviamente impossível prever o que vai acontecer no futuro, nós todos inferimos instintivamente um caminho ou uma série deles; “vou estudar marketing e publicidade e serei um criativo ou um gestor de produto numa multinacional.”. Criarmos caminhos definidos para o amanhã é como estarmos à espera de que um barco à vela vá sempre em linha reta ignorando a vontade do mar.

Não se deixem de questionar e refletir sobre a vossa vida, pois é fundamental e crucial que o façam. Acredito, por outro lado, ser significativamente mais produtivo não estar constantemente a imaginar o que eu vou ser, mas como o hoje vai afetar positivamente o amanhã!

Quando estou perante uma indecisão pergunto a mim mesmo: será positiva para mim a nível pessoal? E a nível profissional, serei prejudicado de alguma forma? E perante isto, além de construir sustentadamente um caminho, consigo saborear as vitórias do dia a dia, lutando contra uma construção utópica de uma necessidade quase biológica de sucesso; ter de ser isto, ou só me sentir profunda e irremediavelmente realizado se for aquilo.

Não vos pretendo de forma alguma passar a ideia de paternalismo ou de que eu sei melhor como se lida com a vida, bem pelo contrário! Acho que todos somos atirados para este mundo quase totalmente desamparados, cabendo-nos decifrar a melhor maneira de existir. A verdade é que estas ferramentas me ajudam a retirar uma pressão colocada por mim e pela própria sociedade, e acredito que vocês também a sintam.

Se forem dos raros casos de predisposição quase genética para uma determinada área – aquele menino/menina que nasceu para ser cantor(a) ou astronauta – então ignorem quase tudo o que eu disse. Se sempre sentiram em vocês um caminho pelo qual estavam dispostos a receber de sorriso aberto todos os ventos do destino em sentido contrário ao que vão percorrer; se aceitaram que os sacrifícios seriam enterrados e esquecidos no momento em que a vossa vida vos desse aquilo que sempre souberam ter direito, não por nascença, mas sim por uma vontade inquebrável e invejável, de quem chega com olhos num mundo de cegos à espera de apalpar o seu caminho.

Se mesmo assim ainda sentirem um qualquer vestígio de paternalismo, não estão errados, foi o meu pai que mo passou, e eu agradeço.

“O João Garrido escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico”