Editorias, Literatura

Quem tem unhas é que escreve

Desenhador de palavras sobre Alves Redol

Longas jornas de trabalho debaixo do sol quente, trabalhadores agrícolas famintos, desorganizados e explorados. Uma luta entre mentalidades desiguais. Pobreza material mas também de espírito. Estas são as linhas principais do romance “Gaibéus”, de Alves Redol. O escritor neo-realista dotado de um espírito jornalístico chegou mesmo a viver junto de quem trabalhava nos arrozais das Lezírias, nos campos ribatejanos, aproveitando para preencher blocos de notas sobre o quotidiano dos trabalhadores.

“À memória de Venâncio Alves e João Redol, ao ferreiro e ao campino” pode ler-se nas primeiras páginas de “Gaibéus”, publicado em 1939. O primeiro livro do escritor foi um marco na história da literatura portuguesa, sendo considerado o primeiro romance neo-realista escrito em Portugal.

Foi atrás do balcão da loja do seu pai, António Redol da Cruz, que o escritor vila-franquense começou a ter contacto com as vidas dos gaibéus, dos camponeses e dos pescadores da região. Tinha apenas 15 anos quando publicou um artigo no semanário local “Vida Ribatejana”, onde faz uma reflexão sobre a vida destes trabalhadores.

Muitos outros artigos se seguiram; entre 1927 e 1934 escreveu regularmente para a “Vida Ribatejana”. Quando cessa a colaboração com este jornal, passa a publicar durante seis anos no “Mensageiro do Ribatejo”. Nestas edições, Alves Redol ponderava acerca do papel da arte e da literatura.

As letras correm-lhe nas veias. Por isso, escreve mais do que apenas para jornais. Escreve romances, peças de teatro, contos, livros infantis, elabora estudos e dá conferências. Tudo aquilo que escreve tem um objetivo superior: a luta contra as desigualdades – batalha esta que o levou a ser preso em 1944. Na prisão, o maior castigo que recebeu foi precisamente a ausência total de material de escrita. O que não o impediu de se exprimir. Alves Redol registou os seus pensamentos nas paredes da cela com as unhas.

Em 1945, é libertado por causa da pressão feita pela Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática (M.U.D.). Alves Redol foi um participante muito ativo nas campanhas de oposição democráticas contra o regime do Estado Novo, o que fez com que a censura estivesse especialmente atenta às suas obras. Para além disto, as vigílias da PIDE foram uma constante na sua vida.

António de Alves Redol nasceu no dia 29 de dezembro de 1911 em Vila Franca de Xira e morreu a 29 de novembro de 1969 em Lisboa. Durante a sua vida, contrariou a ideia do escritor sentado à secretária, isolado do mundo. Alves Redol escreveu sobre aquilo que os seus olhos viam, descreveu uma realidade que conhecia e que queria transformar, denunciando. Foi isto que o tornou num dos nomes mais proeminentes do neo-realismo português.