Cinema e Televisão

The Disappearance of Eleanor Rigby: Them, a anatomia de uma dor partilhada

The Disappearance of Eleanor Rigby podia ser mais uma comédia romântica previsível, mas não o é. Simplesmente, porque, para além de ser um drama, não há nada para se prever. Não há um segredo para ser revelado. Não há nada que vire o nosso posicionamento frente ao desenrolar do guião. A não ser, claro, a sua própria divisão.

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O filme de três horas e vinte minutos conta o ponto final da história de Conor e Eleanor e divide-se em duas perspectivas. O que até aqui podia parecer banal é de facto uma proposta ambiciosa, que, se bem conseguida, responde a uma pergunta ainda hoje presente: até que ponto é humanamente possível delinear o que separa a base emocional de um homem e de uma mulher? E, mais importante até, caso seja possível, estará o espectador interessado em não descobrir o objectivo, mas sim a motivação?

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São estas as premissas que deram luz ao filme de Ned Benson, que conta a mesma história sob pontos de vistas diferentes, o dele e o dela. No entanto, após ter alcançado o seu auge de sucesso no Festival de Cannes, a sua distribuidora, Weinstein Company, decidiu lançá-lo novamente numa versão mais abreviada e — infelizmente — conjugada.

O lado “infeliz” desta recente narrativa — agora com apenas duas horas — é fugir ao seu propósito e, ao entrar numa vertente mais comercial, tornar-se inevitavelmente próxima do convencional. Apesar de todas as personagens e acções fulcrais sobreviverem intactas a esta transição, o peso da sua descoberta acaba por ser subvalorizado inconscientemente.

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À medida que a cortina sobe, ficamos a perceber que Conor e Eleanor são dois jovens amantes, que vivem ao rubro uma paixão inquestionável. A cena é cortada e, momentos depois, Eleanor pula de uma ponte, numa tentativa de suicídio, e sobrevive. Cercada pela depressão, recusa o contacto com Conor de todas as formas e meios possíveis sem lhe atribuir culpa, o que suscita a dúvida sobre qual a razão dos seus comportamentos tão distintos num tão “curto” espaço de tempo. Razão essa que nunca vai ser respondida, apesar da expectativa em cada fala e gesto mais revelador.

A pouco e pouco, é-nos dado o contexto e ficamos com o conhecimento de que, por alguma razão, Eleanor e Connor perderam o filho, ainda bebé. Desde essa altura, o seu casamento entrou no abismo. Nunca se chega a saber como e em que circunstâncias aconteceu, pois na verdade era irrelevante para a compreensão da dor. Podendo ainda desviar a atenção do filme do seu principal propósito: a noção de quão curvo é o caminho da reconstrução de um amor dado por perdido.

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Jessica Chastain (Eleanor) e James McAvoy (Conor) brilharam no ecrã com todas as suas falhas e limitações, num filme que pedia não menos do que isso, por apelar precisamente ao lado mais irracionalmente humano. São eles que encarnam a verdadeira essência de como a dor pode ser digerida de formas tão distintas sem por isso perder a sua magnitude. Nenhuma das suas reacções à tragédia prevalece; a urgência proativa de Conor contra a passividade do andar à deriva de Eleanor são o exemplo disso: uma personificação incomparável de uma dor partilhada.

The Disappearance of Eleanor Rigby: Them, por muito que se tenha tornado apenas parcialmente convincente, não deixa de ser uma visão daquilo que é a profunda anatomia da dor e até que ponto esta nos consegue cercar, cegar e arrasar.

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