Discriminação Racial na Estrutura Social: é Sobre Pessoas, História e Vidas
O dicionário define discriminação como a adoção de falas ou comportamentos desiguais que compreendem a marginalização e exclusão de uma pessoa ou de um grupo, tendo por base determinados preconceitos relativamente a alguns aspetos característicos dos mesmos (origem, religião, sexualidade, entre outros).
No que diz respeito à discriminação racial, ou ao racismo (que não são inteiramente sinónimos), as componentes que circunscrevem o termo são um pouco mais complexas e profundas do que a sua origem ou a sua ação aparente nas sociedades. Mas, para apreender bem toda esta informação é necessário, primeiramente, distinguir alguns conceitos importantes.
Discriminação Racial, Racismo e Preconceito
O preconceito caracteriza-se pela formulação inconsciente de opiniões ou conceções superficiais sobre determinado objeto/assunto, sem conhecimento de causa (experiência real ou informação), e está associado à afixação de estereótipos – generalizações de grupos de pessoas segundo determinados preconceitos.
O racismo assume já um caráter diferente, sendo demarcado pela crença, consciente ou inconsciente, de uma superioridade étnica, ou seja, uma conjetura antagónica de preconceitos, movidos a ódio e repulsa, que diminuem determinadas etnias em virtude da exaltação de uma superior às demais.
Por fim, a discriminação racial contém um caráter de ação, ao contrário dos outros conceitos, que se manifestam por crenças e visões próprias. A discriminação racial refere-se ao tratamento diferenciado, conotado negativamente, perante indivíduo(s) de etnias diferentes. Assim, define-se como uma manifestação comportamental (ação) do preconceito e do racismo.
Racismo Sistémico, Discriminação Racial Intencional e Não Intencional
A discriminação racial pode tomar imensas formas e proporções no âmbito social. O conjunto dos comportamentos que se leem dessa pauta segue uma tipologia característica, tendencialmente sistémica (enraizada no quotidiano). A violência física, a aversão pública, ou assédio, e a limitação de acesso a bens, serviços, direitos e atividades são alguns comportamentos que se exaltam juridicamente contra a discriminação. Contudo, o facto de o racismo se encontrar intrinsecamente ligado à conduta social deturpa o julgamento do caráter dessas ações maliciosas.
Além da creditação jurídica, a desvalorização da cultura (trajes, tradições, aspetos linguísticos, crenças, etc) e dos princípios queridos aos indivíduos são também entendidos como discriminação.
A verdade é que o racismo, como foi mencionado antes, pode ser uma crença consciente ou inconsciente, e, apesar de isto parecer um pouco controverso ou no mínimo discutível, não é de todo improvável, tendo em conta a herança histórica associada.
Recuando alguns séculos, é possível tentar situar o início da discriminação racial nos movimentos de conquista territorial e de escravatura. Os povos eurocêntricos generalizaram a crença de uma superioridade étnica ao deparar-se com discrepâncias abismais entre a sua cultura e a dos povos indígenas, caracteristicamente negros – sendo também por isso o racismo associado apenas a negros, quando, na verdade, se posiciona face a qualquer outra etnia, como os asiáticos.
Assim, foi fácil para os europeus julgar os costumes dos outros povos como “selvagens”, de modo a inferir que apenas eles eram dotados de inteligência e aptidões, capazes de liderar e governar forças e potências, subjugando por isso os demais à escravidão (trabalho forçado), privando-os de todos os seus direitos – ou seja, retirando-lhes não só a humanidade, como também as suas vidas, como se de meros brinquedos se tratassem.
Com base nesta breve contextualização refere-se que, desde estes tempos, valores e manifestações racistas se entranharam na conduta social, banalizando-se dessa mesma forma, até chegar aos dias de hoje. E por isso se fala de racismo sistémico ou racismo estrutural, por conta dessa herança histórica que induziu anos de marginalização no desenvolvimento dos modelos sociais, e que para um indivíduo em formação torna fácil desenvolver linhas de pensamento e atitudes inconscientemente racistas, se crescer numa sociedade tendenciosamente e sistematicamente racista, mesmo tendo em conta as várias formas de combate à discriminação. É, portanto, algo que foge ao controlo de muitos, por ser uma conjetura interna com anos de propagação.
Exemplos da presença do racismo na estrutura da sociedade atual passam pela utilização, no discurso, de termos e expressões como “denegrir” (tornar negro), “humor negro” ou “olhos em bico ou rasgados”, que dizem respeito a preconceitos formulados, mas que não caíram em desuso.
Existe Racismo Inverso?
Outra questão altamente discutível diz também respeito à conceção de racismo inverso, ou seja, a discriminação da etnia “dita superior”, que, na minha opinião, não existe.
Para admitir que o racismo inverso é de facto um conceito verídico, seria necessário assumir que apenas existiria como resposta ao racismo tradicional, que oprimiu e segregou (afastou da sociedade) indivíduos durante séculos, e, por isso, é altamente confundido com o ódio ou o rancor sentido por parte desses mesmos grupos discriminados.
“Segundo a historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano Luciana Brito, seria preciso que a população branca tivesse sido submetida ao mesmo período de privações e condições para defender a existência de um suposto “racismo inverso””.
Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/10/06/racismo-reverso-existe-entenda-por-que-a-pergunta-e-absurda.htm
No seguinte vídeo, distinguem-se alguns testemunhos face à presença e experiência da discriminação racial atualmente.
Concluindo, embora sabendo que há inúmeros aspetos para debater e inferir no que diz respeito à temática, algo muito mais importante do que confirmar estatísticas, casos verídicos (testemunhos) e discutir sem fundamento o assunto (não desfazendo da relevância de nenhum destes aspetos) é, de facto, compreender e informar-se sobre a história e os aspetos que envolvem este grande tema, que é alvo constante de conversas a nível global.
Trata-se de uma longa conversa que aborda séculos de preconceito e de sofrimento inerente e é algo que requer uma consciência intelectual e um “ponderamento” maduro. É muito complicado perceber como é que sistemas discriminatórios se apegaram tão bem e tão profundamente às sociedades de hoje em dia, mas se o fizeram e se há possibilidade de o combater então é necessário transformar o tópico num propósito constante e comum a muitos mais indivíduos afim de obter uma comunidade mais ampla e uma civilização que priva pelos seus valores, pela sua ética e pela sua união.
“Nem tudo que se enfrenta pode ser mudado, mas nada pode ser mudado até que seja enfrentado”
James Baldwin
Fonte da capa: roche
Artigo revisto por Matilde Gil
AUTORIA
Apesar de ser Pedro todos lhe chamam Alexandre, embora ele assine sempre com os três nomes (“porque é mais chique”).
Ingressou no curso de RPCE, porém a paixão pela escrita despertou-lhe o interesse em áreas como o Jornalismo, querendo manter desta forma um vasto leque de opções profissionais para o seu futuro, sobre o qual ainda não se decidiu concretamente. A sua personalidade extrovertida e a sua ambição são aspetos que o caracterizam e o impulsionam diariamente a dar o melhor de si em tudo, sonhando com um futuro promissor. Quando confrontado com a oportunidade que a ESCS Magazine lhe providenciou, não pensou duas vezes antes de se inscrever e tenciona tirar o melhor partido possível deste novo desafio.