Literatura

Reeditar livros antigos de acordo com as mentalidades modernas: sim ou não?

Os livros de Roald Dahl – autor de Charlie e a Fábrica de Chocolate e Matilda, só para nomear alguns dos seus grandes êxitos infantis – estão a ser revistos e alterados. Termos potencialmente ofensivos estão a ser substituídos por expressões que respeitem a linguagem atual e as sensibilidades modernas. Por exemplo, a expressão “gordo” é substituída pela expressão “enorme”. 

Por um lado, para alguns isto significa pegar em temas sensíveis como o peso, a saúde mental, o género e a raça, de modo a transformar conceitos retrógrados em conceitos modernos, que têm em conta os avanços sociais que tiveram palco entretanto. Por outro lado, para outros significa uma restrição da liberdade de expressão. 

Salman Rushdie, por exemplo – escritor vencedor do Booker Prize, em 1980, e do Booker of Bookers, de 1993 – reagiu com irritação no seu Twitter à decisão da editora Puffin Books de reeditar os livros, considerando que se trata de uma “censura absurda”. Laura Hackett – editora literária adjunta do The Sunday Times – por sua vez, defendeu, como podemos ler no The Guardian, que se trata de uma “cirurgia mal feita” a “algumas das melhores obras de literatura infantil do Reino Unido”, e ainda acrescentou que, quanto a ela, guardará as cópias originais para que um dia os filhos as possam ler. Suzanne Nossel, CEO da PEN America, também se expressou no Twitter, tomando uma posição contra estas reedições e acreditando que os leitores devem ter liberdade para reagir aos livros como eles foram escritos. 

Mas a reedição de livros antigos não ficou por aqui. As obras de Ian Fleming, autor que deu vida ao famoso James Bond, também estão a ser relidas com o objetivo de retirar expressões potencialmente racistas, lemos no The Guardian. “Negro”, por exemplo, será substituído por “pessoa negra” ou “homem negro”. O objetivo é, mais uma vez, fazendo o mínimo de alterações possível, adaptar clássicos à linguagem e às perspetivas modernas. 

Vai-se ainda mais longe ao incluir uma advertência nas novas edições para novos leitores confrontados com certas situações e elementos de uma época em que certas atitudes, que hoje são ofensivas, eram toleradas. 

A linha entre a liberdade de expressão e a censura é difícil de definir. A linha do que deve ser respeitado e entendido à luz da época, e o que deve ser adequado para as gerações futuras, também. O debate divide-se entre aqueles que sonham com uma geração que respeita os direitos humanos, a igualdade e o respeito pelo qual há muito lutamos, e aqueles que confiam no leitor para fazer os seus próprios julgamentos.  

O que é certo é que a editora Puffin Books, depois de toda a polémica gerada, decidiu dar um passo atrás e lançar não uma, mas duas versões dos livros de Roald Dahl, como podemos ler no The Guardian. Uma das versões contempla as tão faladas alterações, a termos potencialmente ofensivos, e a outra versão será publicada sem qualquer alteração. O objetivo é deixar os leitores escolher qual preferem ler porque, no final de contas, se considerou que é nele que deve estar o poder. Como defendeu Suzanne Nossel, “corremos o risco de distorcer o trabalho de grandes autores e de ofuscar as lentes essenciais que a literatura oferece à sociedade”.

Foto de capa: New York Post

Artigo revisto por Madalena Ribeiro

AUTORIA

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A Raquel sempre gostou de ler e escrever. Apaixonada por livros de distopias, decidiu tirar Filosofia, onde passou 3 anos a refletir sobre ética e questões, na maioria das vezes, sem resposta. A vida trouxe-a ao Jornalismo, um interesse que já tinha há muito tempo, e a sua permanente paixão por livros fê-la entrar em Literatura na ESCS Magazine.