13 Reasons Why – Uma série necessária
“Acho que me fiz entender perfeitamente. Ninguém tentou impedir-me. Alguns de vocês importaram-se. Nenhum de vocês se importou o suficiente. E eu também não. E peço desculpa. Então, este é o final da cassete 13. Não há mais nada a dizer” – estas foram as últimas palavras proferidas pela jovem Hannah Baker, antes de ter tomado a decisão de por fim à sua vida.
Este é o ato que está no centro de 13 Reasons Why ou Por Treze Razões, em português. A adaptação do romance Thirteen Reasons Why, de Jay Asher, seria inicialmente lançada como um filme pela Universal Pictures, com Selena Gomez no papel de Hannah. No entanto, a adaptação foi transformada numa série de televisão pela Netflix, no final de 2015. Com Selena Gomez como produtora executiva, a série estreou na plataforma de streaming no dia 31 de março e foi um sucesso tremendo, sendo, até ao momento, a série mais procurada e comentada do ano nas redes sociais, com mais de 3,5 milhões de tweets só entre os dias 31 de março e 7 de abril.
Antes de passar a uma análise mais profunda da série e de tentar explicar os fatores que levaram ao seu enorme e instantâneo sucesso, é necessário fazer uma pequena sinopse, criar algum contexto.
Se és uma das poucas pessoas que ainda não viu esta série ou das raríssimas que nem sequer ouviu falar dela, 13 Reasons Why conta a história do suicídio de Hannah Baker (Katherine Lanford), uma jovem estudante do Liceu Libery High. Antes de se suicidar, a jovem gravou 7 cassetes onde enumera e explica as 13 razões (e pessoas) que a levaram a terminar a sua vida. Alguns dias após a morte de Hannah, Clay Jensen (Dylan Minnette) regressa das aulas num dia aparentemente banal e depara-se com uma encomenda à porta de sua casa: as cassetes. A partir desse momento, o jovem parte connosco numa jornada em busca da verdade e de compreender o porquê da decisão de Hannah Baker, por quem tinha uma paixoneta secreta.
São imensas as razões que servem para explicar o tremendo impacto que a série teve. Em primeiro lugar, temos de olhar para o behind the scenes e para a equipa presente atrás das câmaras. A adaptação foi feita por Brian Yorkey, que já venceu um Pulitzer e um Tony. Na cadeira de realizador sentaram-se muitos nomes, como Gregg Araki, que tem dedicado grande parte da sua carreira aos problemas dos adolescentes, e, especialmente, Tom McCarthy, realizador de Spotlight. Com uma equipa de peso como esta, estava construída uma base sólida para que a série tivesse o melhor rumo.
Quase que em contraste, o elenco da série é praticamente composto por caras novas e jovens, que ainda não tiveram nenhum papel marcante nas suas carreiras, talvez à exceção de Dylan Minnette, que gerou alguma atenção com a sua presença na adaptação cinematográfica da coletânea Goosebumps. Embora possa parecer meio irrelevante, a verdade é que isto também veio contribuir para o sucesso da série. O facto de desconhecermos os seus rostos e de não os conseguirmos associar a outros filmes ou séries facilita o processo de identificação com as personagens e a criação de empatia para com elas. Parece que estamos a assistir a uma situação completamente real, onde acompanhamos a vida de adolescentes normais, que vão lidando com os seus próprios problemas e isso acaba por acrescentar uma maior credibilidade à mensagem e temática que a série pretende transmitir e abordar.
Por outro lado, a série é acompanhada por uma soundtrack fantástica. Ficamos com a sensação de que todas as músicas foram compostas exclusivamente para a série. Nenhum espaço é deixado em branco. Em todos os momentos de silêncio é encaixada uma banda sonora que parece ter sido criada especialmente e unicamente para aquele momento. Somos confrontados com vários momentos de maior intimidade entre Clay e Hannah e torna-se quase impossível manter uma postura indiferente face a este duo. E esta relação é resumida pela música The Night We Met, de Lord Huron, escolhida como “a” música deles. “I don’t know what I’m supposed to do / Haunted by the ghost of you/ Take me back to the night we met”, estes são apenas alguns versos da música e que poderiam ter sido perfeitamente frases do diálogo do Clay.
Mas a maior e principal razão que explica o sucesso e impacto da série é mesmo a mensagem que transporta. São três as principais temáticas abordadas por 13 Reasons Why: o bullying/cyberbullying, o assédio e abuso sexual e, por fim, o suicídio. Apesar de vivermos num mundo e sociedade bem mais modernos e evoluídos, estes continuam a ser ainda temas muito delicados. Para começar, o termo “bullying” tornou-se um pouco mainstream e algo overrated. É tão utilizado, que acabou por perder alguma força e impacto. Por outro lado, temos o cyberbullying, que é um problema mais recente: nasce com o enraizamento da internet e o surgimento das redes sociais, e, sendo uma das primeiras gerações nascida já mergulhada no mundo informático, não sabemos bem como lidar com este problema e até os adultos, pouco informados sobre este novo mundo, mostram-se incapazes de apresentar soluções viáveis e eficazes.
A sexualidade é, facilmente, o assunto mais complicado e complexo que os jovens têm de enfrentar durante a adolescência. É um assunto delicado mas que nunca é devidamente tratado pelos estabelecimentos de ensino ou até mesmo pelos nossos pais. Todos mostram maior preocupação em falar sobre as doenças associadas às relações sexuais, mas nenhum deles se centra nos restantes problemas que daí podem advir, como o constante assédio sexual a que a larga maioria das adolescentes estão sujeitas, a pressão social a que todos estão submetidos e o balanço que é preciso ter, ou criar, aquando a exploração da nossa sexualidade. E, se aliarmos todos esses problemas ao suicídio juvenil, então aí chegamos a terreno praticamente inexplorado. E é isto que 13 Reasons Why faz de forma quase exímia. A série compreende o que é ser um adolescente. E, melhor, faz os outros compreender o que é ser um adolescente no século XXI. É uma abordarem inédita, feita de forma cuidadosa. Não é vendida violência de forma gratuita. O maior foco encontra-se no espaço psicológico dos personagens. Os temas são tratados de forma direta, fria e crua. Um excelente exemplo disso é mesmo o momento em que Hannah se suicida: depois de toda a jornada a que estivemos sujeitos, ter de ver aquele momento é algo extraordinariamente pesado. É uma das cenas mais fortes a que alguma vez tive de assistir.
(Spoiler alert)
Depois de ter decidido que ia acabar com a sua vida, Hannah entrega o uniforme ao cinema em que trabalhava, envia as cassetes ao primeiro destinatário, vai para casa, faz cama e arruma o quarto, muda-se para uma vestes mais velhas, enche a banheira com água, tira umas lâminas de barbear e corta os pulsos quando está já dentro de água. Nessa altura, não há flashbacks da vida dela, não há memórias, não há nada. Há apenas Hannah a chorar, em sofrimento, a tentar combater a dor que sente e a sucumbir à vida. E depois há “nós”: os espetadores. A assistir, impotentes. É uma cena verdadeiramente brutal, no sentido literal da palavra.
Uma das principais críticas apontadas à série é mesmo essa: a forma demasiado violenta com que apresenta o tema. Nalguns países, nomeadamente na Nova Zelândia, que apresenta a maior taxa de suicídio juvenil do mundo, a série foi proibida de ser exibida a crianças com menos de 18 anos, sendo que a série foi classificada pela Netflix como para maiores de 13. Se por um lado concordo quando dizem que a série não é para maiores de 13, a verdade é que também não deve ser escondida desse público, visto que é dos principais públicos da série. Deve ser vista na companhia de um adulto, preferencialmente os pais dos jovens porque quem acha que por esta série ser feita por adolescente e que, portanto, é para adolescentes, pode desenganar-se.
Outra perspetiva que é apresentada na série é a do adulto. À semelhança dos jovens, embora de forma mais subtil, também é demonstrada a fragilidade dos adultos. Eles também sofrem. Também têm os seus problemas. E aqui tenho de destacar a personagem Olivia Baker, interpretada por Kate Walsh, mais conhecida por Dr. Addison Montgomery da célebre série Anatomia de Grey. A cada episódio que ia vendo, mais impressionado ficava com esta personagem. Não era necessário qualquer diálogo. Bastava olharmos para Olivia para perceber que ela era um ser humano quebrado, destruído, perdido, desprovido de qualquer razão e desesperado para descobrir e perceber a razão que levou a sua filha a suicidar-se. Tenta transmitir-nos a inimaginável dor que deverá ser a de perder um filho/a, ainda por cima desconhecendo a causa da sua morte.
Além disso, a série reforça o enorme distanciamento que existe entre os pais e os filhos nos dias de hoje. Apesar de todos os problemas que os jovens têm de enfrentar durante toda a série, praticamente tudo isso passa ao lado dos pais, que mostram, na larga maioria dos casos, nem sequer conseguir imaginar o que se estará a passar na vida dos seus filhos.
Por outro lado, também é feita uma crítica à forma como os estabelecimentos de ensino lidam com o suicídio e à ineficácia das soluções que são apresentadas como, por exemplo, a contratação de um psicólogo, que tem como principal função ajudar os estudantes com qualquer problema de teor psicológico, mas que, tal como acontece com os pais dos jovens, também se mostra incapaz de se conseguir ligar aos jovens e de criar aquela base de suporte emocional. Aliás, Hannah chegou mesmo a consultar o psicólogo da escola, Kevin Porter (Derek Luke), em último recurso. “Se não me podes dizer o nome da pessoa que te magoou, então não te poderei ajudar e o melhor que tens a fazer é avançar com a tua vida.” – Estas palavras proferidas pelo psicólogo são a última gota de água para Hannah e o derradeiro momento em que a jovem decide que já não há razões para continuar.
(Continua no artigo “13 Reasons Why – Por Detrás das Cassetes”)
AUTORIA
Num universo tão vasto como o nosso, quantas são as pessoas que são açorianas (micaelenses), ouvem música todos os dias, não falham um jogo do Sporting, leem livros e veem wrestling? Algumas, reconheço. Mas a pessoa que está a redigir este pequeno texto introdutório chama-se André Medina, tem 20 anos e, há dois anos, embarcou na maior aventura da sua vida.
Sair de casa nunca é fácil, e fazê-lo quando não se sabe cozinhar nem dobrar roupa é ainda mais complicado. Mas, muitas saladas de atum, pizzas do Pingo Doce e noodles depois, aqui estou eu: vivo e no último ano do curso de Jornalismo.
E, em jeito de recompensa por ter sobrevivido a estes duros anos, tive o privilégio de poder ser o primeiro editor da secção de Deporto na MAGAZINE. Eu, uma pessoa que ainda não sabe dobrar uma t-shirt como deve ser.
De qualquer forma, espero poder retribuir a confiança depositada em mim e quero que todos se sintam bem-vindos a esta escola e a este magnífico projeto, que é a nossa querida ESCS MAGAZINE.