Manifesto Panfletário
Acho que é seguro afirmar que todos já nos deparámos com uma situação em que, à saída do metro/comboio/autocarro, ou enquanto estamos numa esplanada, ou até a andar na rua, nos é dado um panfleto. Um panfleto do que quer que seja; o tema não é relevante.
Algo que me faz imensa confusão é ver as pessoas a rejeitar esses panfletos ou, ainda mais, a recebê-los e, de seguida, a machucá-los e a atirá-los para o chão. Não, os meus pais não me educaram de forma a que eu tenha sempre de aceitar os panfletos, mas acabei por desenvolver esse hábito.
Em 19 anos de vida, nunca experimentei distribuir panfletos. O máximo que fiz foi andar a prendê-los aos para-brisas dos carros, numa tentativa de divulgar o trabalho do meu pai. Assim, não tive de lidar com olhares repreendedores nem com “Não, obrigado” (ou, na pior das hipóteses, desprezo total. Daquele desprezo em que fingem que somos invisíveis, sabem?).
Mesmo não tendo passado por isso na primeira pessoa, tento sempre pôr-me no lugar do outro. Se alguma circunstância da minha vida me levasse a ir distribuir panfletos, eu não me sentiria bem se toda a gente se recusasse a receber um. Por alguma razão eu estaria naquele local àquela hora, e de certeza que não seria por não ter mais nada para fazer. Talvez para ganhar uns trocos ou para espalhar alguma mensagem, lá estaria eu, só a querer despachar uns quantos papéis para seguir com a minha vidinha.
Deduzo que quem o faz tenha um x número de flyers para entregar até poder dar a tarefa por concluída. Assim, o que é que nos custa estender a mão? Já nem digo que temos de agradecer, mas, no mínimo, aceitar o raio do papel. Por norma, digo “Obrigada!”, ou, se estiver menos faladora, limito-me a sorrir.
Talvez seja estranho estar a escrever acerca de algo aparentemente tão insignificante, um assunto sobre o qual a maioria das pessoas não pensa duas vezes. Só que isto deixa-me mesmo a pensar. “Ah, se eu não sou da Vodafone, porque é que vou aceitar aquilo?”; “Ah, eu quero lá saber do ginásio que abriu ali na esquina” (…). O assunto de que o panfleto trata é irrelevante.
No outro dia, à saída do metro de Alvalade, aceitei um panfleto que dizia “Fique livre da depressão em 3 minutos”. Se estou com depressão? Acho que não. Por acaso aquilo até tinha um teste para fazermos e descobrirmos se temos (metíamos cruzinhas e, com quatro ou mais assinaladas, o diagnóstico não tinha dúvidas de que necessitaríamos de seguir os passos do folheto).
Percebem onde quero chegar? Até podem nem se dar ao trabalho de ler o que lá diz, podem nem sequer olhar para ele. Contudo, não vos custa nada abrir a mão para facilitar o dia à pessoa que vo-lo oferece. Agarrar nele e atirá-lo para o chão é só execrável. Metê-lo no caixote do lixo que está a um metro de distância é menos mau, mas não deixa de roçar o gozar com a cara da pessoa.
O meu método é aceitar, agradecer, sorrir e pôr-me no meu caminho. Quando deixar de estar ao alcance da vista da pessoa que mo deu e quando chegar a um caixote do lixo, lá o coloco. Simples e eficaz. Não falto ao respeito a quem mo deu, não menosprezo e não me cai um dedo à pala disto.
Hoje, quando vinha no comboio em direção a Lisboa-Oriente, uma palhaça (não é no sentido pejorativo) deu-me um panfleto. A fala da senhora era o único som que se ouvia naquele comboio. O que é certo é que vinha toda arrebitada, a fazer barulhos de palhaço (se é que isso é um termo) e a alegrar o dia aos pequenitos que se encontravam no comboio. O dever dela era só entregar o papel. No entanto, decidiu fazê-lo com um nariz vermelho (aqueles em espuma), com a cara pintada e com todo um outfit carnavalesco. Esta senhora conseguiu tornar algo tão banal como distribuir panfletos em algo muito mais divertido, único e marcante. Perdi a conta aos sorrisos que provocou. Nem sequer tive coragem de deitar fora. Ainda o tenho dentro do meu caderno. Tudo porque uma coisa tão simples como receber um panfleto vermelho acerca de artes performativas conseguiu melhorar o meu regresso a casa.
São estas pequenas coisas que fazem a diferença. Se calhar o moço que se levantou às sete da manhã para ir para o frio levar com as caras carrancudas da população portuguesa também preferia estar enroscado na cama no seu sétimo sono, mas algo fez com que ele tivesse de estar ali. Um pouco mais de compaixão pode fazer a diferença.
Aceitem todos os flyers e façam-nos voar da mão de quem os distribui!
Revisto por Gonçalo Taborda
AUTORIA
Depois de integrar a maioria das secções da revista, a Mariana ficou encarregue de incumbir esta paixão aos restantes membros. O gosto pela escrita esteve desde sempre presente no seu percurso e a licenciatura em Jornalismo veio exacerbar isso mesmo. Enquanto descobre aquilo que quer para o futuro, vai experimentando de tudo um pouco.