Código Postal

Amiais de Baixo: uma vila no coração do Ribatejo

Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir”. 

É com base nesta ilustre frase de Fernando Pessoa que me proponho a dar a conhecer aquele que é o meu “código postal”, a minha essência, a minha identidade. 

É sempre um desafio encontrar palavras que façam jus a algo que se distingue pelo seu esplendor. Há quem diga que são as pessoas que tornam um lugar aparentemente comum em algo extraordinário. Se assim o for, Amiais de Baixo supera, por excelência, a condição de extraordinário.

A natureza como cartão de visita 

Localizada no concelho de Santarém, com a Serra dos Candeeiros a poente e a Serra D’Aire a norte, as manchas verdes que envolvem a vila pintam uma paisagem digna de contemplação. Ao presentear-nos com as mais belas vistas, únicas na sua calma e translúcidas de pureza e venustidade, os trilhos pelas redondezas são um verdadeiro caminho para a sublimidade. 

Foto: Sabine Koopmans (@saudalicious)
Foto: Blogue Viajar entre Viagens

História

Amiais de Baixo data o século XV. Acredita-se que o topónimo se deve à vasta existência de amieiros nas margens da ribeira de Amiais, considerada um dos fenómenos flúviocársicos mais interessantes do nosso país.

Terra de lenhadores, madeireiros, serradores ou pequenos proprietários florestais, estes ausentavam-se por largas temporadas, deixando as suas esposas e filhos. A dinamização da vila passou ainda pela implantação de fábricas de tijolo, conferindo “características de meio industrial”, segundo Luís Eugénio Ferreira, no seu livro de estudo monográfico sobre Amiais de Baixo.

O brasão, que orgulhosamente se ergue, congrega em si aqueles que são os elementos que remetem para a génese da vila: o amieiro, a serra, o machado e a bigorna.

Fonte: Câmara Municipal de Santarém

Gentes como não há igual

O povo é, sobretudo, inteligente, ativo e desembaraçado e à sua frente raramente surgem dificuldades que não possam resolver” (Prof. Albertino Henriques Barata, em Correio do Ribatejo, 1976).

Facilmente se denota a vincada identidade do povo amiense. A sua hospitalidade é rara nos tempos que correm. Sobressai a dedicação à terra, o contributo mediante as instituições, o orgulho com que se defende o nome. A distinção eleva-o. E o povo sabe-o.

Da tradição ao recorde

As grandiosas festas religiosas são o acontecimento anual mais emblemático. Realizadas desde 1847, na semana que antecede o Carnaval, os amienses contam incessantemente os dias para esta festividade.

De sábado a terça-feira, a vila renasce, e os habitantes renascem com ela. Estes dias acabam por se instituir como uma pausa da vida frenética que levam, em que o tempo comanda e a rotina acata. Vivem verdadeiramente.

Em honra de Mártir São Sebastião, a romaria é parte da essência das gentes da terra. Com tradições que ditam toda a rotina festiva, os amienses, espalhados pelos mais diversos pontos do globo, retornam para junto das suas famílias e amigos.

A euforia da população é acompanhada pela chegada da Orquestra Filarmónica 12 de Abril. As ruas, vestidas de arcos de luz, ganham vida própria.

Fonte: Eduardo Saraiva
Fonte: Sabine Koopmans (@saudalicious)

No sábado à noite, o céu ilumina-se com um magnífico e singular espetáculo de fogo de artifício. Antes, uma procissão de archotes alumia a rua principal em direção ao cemitério, na qual se vai buscar a imagem do Arcanjo São Miguel, para que passe duas noites e dois dias na igreja junto das outras imagens religiosas. A grandiosidade deste momento foi reconhecida à escala internacional, tornando-se na maior procissão de archotes ao longo de uma milha terrestre. Foram precisos 624 archotes para que, a 6 de fevereiro de 2010, Amiais de Baixo entrasse para o livro do Guinness World Records.

Fonte: Mais Ribatejo
Fonte: Sabine Koopmans (@saudalicious)

Nas procissões de domingo e segunda-feira prevalece uma atmosfera serena e respeitável, associada à história da população. Segundo uma ordem toda ela muito bem definida desde há muito, crianças vestidas a rigor e andores percorrem a vila. No seio da comunidade, acredita-se que este é um momento carregado de vultoso simbolismo por se mostrar ao Arcanjo São Miguel as obras realizadas durante o ano.

À chegada ao portão do cemitério, na segunda-feira, os sons uníssonos dos instrumentos ecoam. Nada mais se ouve, mas tudo se sente. A passo lento, o Arcanjo despede-se das restantes imagens até à festa do ano seguinte, num adeus ainda mais sorumbático e desgostoso à Padroeira, Nossa Senhora da Graça, que muitos creem ser sua mulher.

Reunidos num espaço geográfico que nos confronta com a dor e a saudade, debruçamo-nos sobre a preciosidade que é a vida. Agradecemos estarmos ali naquele instante. Lamentamos os que não estão. Sente-se uma energia com a qual nem mesmo os mais agnósticos ficam indiferentes. No fundo, não se trata daquilo em que acreditamos, mas sim daquilo que nos une.

Foto: Eduardo Saraiva
Foto: Festas de Amiais de Baixo

No final do dia, a cerimónia de entrega da bandeira à nova comissão, que toma lugar na casa do futuro juiz, simboliza a passagem do testemunho. As insignes capas vermelhas vão ao encontro de novos amienses – de nascimento ou de coração -, que se comprometem “com amor e devoção te servimos sem igual”. Gratificam-se os esforços na preparação da festa e faz-se a promessa de continuação do bom trabalho.

É neste seguimento que na terça-feira de manhã a nova comissão se apresenta à população. Com o cair da noite, a vila prepara-se para se despedir da Orquestra Filarmónica 12 de Abril. As tochas flamejantes são acompanhadas por uma multidão vivaz que em harmonia vai cantando “Viva Amiais/ Num brando ardente/ Cantem todos com alegria/ Viva Amiais/ Eternamente/ Cantem, cantem noite e dia”. O fogo de artifício ilumina o estrelado céu uma última vez. Os três foguetes finais, lançados com um intervalo de tempo entre si quase que perfeitamente pensado, marcam o fim.

Retorna-se à realidade, gratos pela sorte de se poder experienciar algo tão único e excecional como é ser amiense.

Foto: Eduardo Saraiva

Artigo revisto por Madalena Ribeiro

AUTORIA

Mariana Nobre
+ artigos