A Dor Inerente à Arte
“A insanidade vem de Deus, enquanto que o senso comum é meramente humano (…) Se um homem vem à porta da poesia sem qualquer toque de insanidade divina, acreditando que apenas a técnica o fará um bom poeta, ele e as suas composições sanas nunca alcançarão a perfeição, e serão ofuscadas por completo pela performance do maluco”
— Phaedrus, Plato
A habilidade do artista de criar é há muito um objeto de fascínio por parte de quem o observa e consome o seu trabalho. Sendo uma das criaturas mais próximas dos deuses, a performance e existência do artista é exaltada e romantizada por “comuns” que, inspirados pelo seu horizonte, batalham a ideia de que tal obra possa ser criada por uma mente ajustada ao nosso mundo. Na sua obra, o espectador vê e romantiza o que acredita serem as crenças e dores do artista, num momento único de espelho entre ambos.
Vincent Van Gogh, Sylvia Plath e Kurt Cobain são apenas alguns dos nomes já muito conotados com o arquétipo do artista torturado. Responsáveis por algumas das maiores contribuições artísticas nos seus respectivos meios, estes nomes fazem-se também acompanhar do sofrimento e dor que envolviam as suas vidas pessoais, assim como do seu fim trágico, marcando de uma cor mais escura os projetos deixados.
O artista torturado assombra os “comuns” e dá-lhes uma razão para nunca alcançarem a perfeição artística ou, por vezes, uma razão para questionarem o contrário. Ele está nas linhas de Pollock, nas palavras mais tristes de Plath e na tinta amarela de Van Gogh, mas será ele e a sua tormenta, uma necessidade pura para a obra?
A excentricidade da loucura
A palavra “loucura”, sinónimo de insanidade, está definida no dicionário como uma forma de alienação mental, enquanto que a palavra “artista” se encontra definida, numa das suas vertentes, como sendo uma pessoa que se dedica às artes, livre das pressões burguesas.
Apesar de não diretamente interligadas em significado, estas palavras pressupõem uma certa ligação. Um criativo, livre das pressões sociais, só poderá ser observado por outros como um indivíduo alienado socialmente com uma mente característica. Na verdade, pode-se dizer que talvez seja esse um dos grandes desafios do artista, o de ser mentalmente alienado mas ágil o suficiente na expressão, para atingir a compreensão e aceitação do público. Não obstante a isso, esta possível conexão conceitual não deve ser tomada como uma obrigação, até porque a insanidade muitas vezes pressupõe um detrimento da saúde mental.
Contudo, o padrão verifica-se de forma insistente ao longo da História. Em todas as eras, encontramos mais um conjunto de génios cujas mentes os “torturam” e muitas vezes nos alimentam. Socialmente, agrupamo-los e estudamos as suas obras numa busca incessante pela sua compreensão e talvez um pequeno desejo de algum conforto. Um exemplo disto é o conhecido clube dos 27, constituído por artistas musicais cujas mortes vieram em tão tenra idade.
Num ponto de vista científico, já vários estudos foram efetuados para perceber a conotação entre a criatividade e a “loucura”, mas até agora, os resultados obtidos não nos conseguiram dar objetividade suficiente para considerar esta ligação como um facto. Olhando para casos de artistas do século passado, muitas vezes podemos pressupor a existência de um certo desequilíbrio neurológico, mas pouco mais temos para além do que nos deixaram, para proceder a qualquer tipo de diagnóstico oficial. As conclusões obtidas em vários destes estudos são inconclusivas.
Mas um argumento pode ser feito a partir de uma observação superficial do caso. Podemos efetivamente considerar o facto de que muitas condições neurológicas nos levam ao exagero sensorial, podendo dar origem a novos pontos de vista e a uma sensibilidade muitas vezes essencial na conceptualização artística. Para além disso, a arte é também muitas vezes utilizada como meio terapêutico para descarregar as emoções.
A romantização da loucura
Numa perspetiva mais clínica, a criatividade envolve vários domínios e funções cerebrais, nomeadamente no que diz respeito à atenção, imaginação e saliência. Com isto, é necessário considerarmos os efeitos que o detrimento da saúde mental pode ter nestes aspetos. Facilmente, distúrbios neurológicos complicam o bom funcionamento cerebral e limitam a quantidade de neurotransmissores.
A habilidade de persistir no meio artístico, principalmente quando este se torna na única fonte financeira do criativo, requer consistência, foco e o mínimo de estabilidade para o momento de criação.
O quadro acima é uma das criações mais conhecidas de Van Gogh, e foi concebido enquanto estava em tratamento na instituição psiquiátrica de Saint-Paul. Numa das suas últimas cartas antes do suicídio, o artista reflete relativamente às possibilidades das suas criações caso não tivesse sido vítima de doença.
“Se pudesse ter trabalhado sem esta doença, as outras coisas que poderia ter feito…”
— Van Gogh.
Numa tentativa de tratamento, o artista criou um dos pináculos da arte moderna. Não podemos ignorar o tormento interno que claramente o consumia, mas os momentos mais críticos raramente levavam à criação, quanto muito, contribuíram para uma futura análise introspectiva.
A dor e o artista estão intimamente ligados, mas não de uma forma tão longínqua como a ligação que existe entre a emoção e o ser humano. O artista cria, não por causa da dor, mas porque vive e inevitavelmente a sente, como qualquer pessoa, e não porque é uma necessidade à sua criação. Nele, apenas conseguimos destacar a habilidade de o expressar, mas também ele merece os momentos de estabilidade para o fazer.
Fonte da Capa: Enciclopédia Humanidades
Revisto por Miguel Nascimento
AUTORIA
A Mariana está no último ano da licenciatura de publicidade e marketing, mas o seu “bichinho” da escrita parece não a querer abandonar. Abençoada por vários hobbies e interesses, ocupa o seu tempo na ESCS Magazine com um pequeno aprofundamento de “factos interessantes” que os amigos já estão fartos de a ouvir contar.