A Liberdade em Palco – “25 de Abril, O Musical”
Os cinquenta anos do 25 de Abril comemoram-se em cima do palco no Teatro Independente de Oeiras. Um espetáculo encantador onde a liberdade é personificada, a discussão é aberta e a emoção toma conta da plateia.
“Abril, Mudanças Mil”: além de ser uma expressão que ficou para sempre conhecida pelos portugueses, é o mote do espetáculo do Teatro Independente de Oeiras, em exibição de 6 de abril a 2 de junho, aos sábados e domingos. De forma a lembrar e celebrar uma data decisiva e crucial para o nosso país, o 25 de Abril, o Musical pretende trazer à memória a ideia de que a liberdade se conquista todos os dias.
João, uma criança a quem lhe foi roubada a mãe
Com texto de Pedro Almeida Ribeiro e encenação de Carlos d’Almeida Ribeiro, 25 de Abril, O Musical conta a história de João, uma criança que volta a viver a emoção do dia em que a sua vida mudou. Para muitos, era o dia em que voltavam a ser livres, o dia em que voltava a democracia, o dia em que a revolta dos militares dava lugar à sensação de dever cumprido de todo um povo. Para João era apenas o dia em que iria reencontrar a sua mãe, que tinha sido presa apenas por lutar pelos seus direitos.
João desdobra-se em duas personagens no Musical: Gonçalo Lima interpreta o João em criança, enquanto Miguel Miguéis interpreta o João adulto. Apesar da história e da personagem em comum, ainda que representada em duas gerações diferentes, os dois contracenam juntos, o que confere uma dinâmica irreverente e emotiva ao espetáculo. Gonçalo Lima é protagonista de inúmeros momentos comoventes durante o Musical do Teatro Independente de Oeiras. “O João tem uma mágoa que o torna diferente de todas as personagens que tenho feito. É uma busca por recordações de quando era criança, por uma certa simplicidade e inocência”, esclarece o ator.
Miguel Miguéis (João em adulto) e Gonçalo Lima (João em criança), na peça 25 de Abril, O Musical / Fotografia de Pedro Antas FerreiraDepois de várias formações de teatro para crianças, Gonçalo Lima iniciou a sua carreira como ator na série televisiva O Clube das Chaves, no ano de 2005. Nos anos seguintes, foi participando em algumas telenovelas e séries na televisão. A partir de 2007, o teatro tornou-se a sua casa. Depois de anos em que esteve ligado a várias companhias de teatro, é no ano de 2020 que chega ao Teatro Independente de Oeiras. “Cheguei aqui para substituir um ator. Fui ficando e já vou no meu sétimo espetáculo em quatro anos. Sou ator de profissão, faço dobragens, faço uma panóplia de coisas que estão disponíveis na nossa profissão”, sublinha. No 25 de Abril, O Musical, além de interpretar o João na sua versão em criança, Gonçalo Lima acumula funções de produção do espetáculo.
João, um eterno apaixonado pela Liberdade
No âmbito das Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, muitas são as companhias de teatro que prepararam uma peça sobre o tema, que realce a quebra da ditadura e o alcance da democracia e da liberdade. Carlos d’Almeida Ribeiro, diretor do Teatro Independente de Oeiras e encenador do musical, preocupou-se em construir uma peça dentro desta temática que fosse distinta. “Lancei o desafio ao autor que escreve os maiores êxitos de público nesta casa, para que fizesse um original que marcasse pela diferença”, afirma o encenador.
Um dos aspetos irreverentes e singulares do espetáculo passa pelo facto de a Liberdade não estar presente apenas no sentido restrito e no simbolismo que a palavra representa para esta data comemorativa. Surge a Maria da Liberdade, interpretada por Debbie Monteiro. “A liberdade aqui toma uma personagem e há romance também pela liberdade”, afirma Carlos d’Almeida Ribeiro.
Maria da Liberdade é a melhor amiga de João, na sua versão em criança. É de mão dada que ambos procuram a mãe dele pelas ruas de Lisboa, cercados pelo caos. A certa altura, João apercebe-se de que não é apenas fascinado pela liberdade da sua mãe e de todos os portugueses, como também é perdidamente apaixonado por Maria da Liberdade. Maria não tem este nome por coincidência, até porque João e Maria têm mais em comum do que pensam. Entre partilhas intimistas, são os protagonistas de um dos momentos mais ternurentos da peça, quando dão o seu primeiro beijo, mesmo com a dificuldade de verbalizar aquilo que sentiam um pelo outro.
Estreia, um turbilhão de emoções
O 25 de Abril, O Musical pretende ser um espetáculo que abre a discussão entre pessoas. Os mais velhos recordam aquilo que viveram. Os mais novos conhecem melhor aquilo que mudou em apenas cinquenta anos. Mais do que recordar e aprender, os valores que nos ficaram devem ser preservados e defendidos todos os dias. Numa altura em que os nossos direitos são postos em causa todos os dias, é essencial que este tipo de iniciativas redefina as nossas prioridades enquanto cidadãos. “É olharmos para o passado e percebermos se abril foi cumprido na sua totalidade ou não, o que ficou por cumprir, o que foi prometido e não realizado”, afirma Carlos d’Almeida Ribeiro.
Minutos antes da estreia, as expectativas de Gonçalo Lima eram positivas: “Gostávamos que a plateia tivesse aqui um momento bem passado, que fosse uma hora boa e que pareça que passe depressa, porque normalmente é bom sinal, é sinal de que a pessoa está a desfrutar do que está a viver”, especifica o ator. Para que isto fosse possível, o encenador do musical procurou incluir no espetáculo uma estética de simbolismos e códigos, para que o público se envolva e se sinta parte da emoção vivida em cima do palco – algo que acabou por acontecer.
O espetáculo estreou a 6 de abril e contou com um discurso final do encenador e diretor Carlos d’Almeida Ribeiro e do autor Pedro Almeida Ribeiro. As expectativas que se faziam sentir antes do espetáculo foram alcançadas e, diria, ultrapassadas. O público comoveu-se várias vezes ao longo da peça – pela mensagem, pelo reencontro de João com a sua mãe ou até mesmo pelo “grito” de liberdade que se sentiu, principalmente nas músicas que faziam parte da peça. A composição e produção musical esteve a cargo de Miguel Amorim.
Sendo um musical, a banda sonora é imprescindível para acompanhar a emoção deste espetáculo, ainda mais sendo um tema sensível, que nos toca a todos, mesmo que de maneiras diferentes. “A banda sonora do espetáculo é, em certas alturas, arrepiante. É uma envolvência com uma estética e encenação muito próprias”, afirma Gonçalo Lima.
O teatro não é apenas mais uma forma de arte. Há até mesmo quem a veja como a primeira de todas – aquela que engloba todas as vertentes artísticas. O teatro não tem apenas o papel de dar a conhecer uma história; aborda questões sociais relevantes, promovendo a discussão e a partilha. O teatro oferece uma experiência partilhada a quem o assiste e a quem o promove. Não diria melhor do que Carlos d’Almeida Ribeiro: “No teatro, há a verdadeira festa do dar e receber – entre a plateia e o público”.
Fonte da imagem de capa: Fotografia de Pedro Antas Ferreira
Artigo revisto por Sofia Santos
AUTORIA
Em bebé, André não se calava um minuto - talvez fosse um presságio de que a sua vida iria passar pela comunicação. Ingressou na ESCS na licenciatura em Jornalismo predisposto a dar voz a quem não tem voz e a contar histórias que dificilmente seriam contadas. No segundo ano de Licenciatura, junta-se à ESCS Magazine para se desafiar uma vez mais.