A Complexidade das Relações em Fleabag: Entre o Sarcasmo e o Luto
Fleabag, de Phoebe Waller-Bridge (atriz que interpreta a personagem principal, Fleabag), é uma série complexa e brilhante que explora temas como a dor, luto, amor e autodescoberta, de uma forma irónica e profunda. Fleabag, a protagonista, usa o humor como uma defesa contra a dor que sente, mas ao longo da série vemos que as suas relações – com o pai, o padre, a irmã Claire, a melhor amiga Boo e, acima de tudo, consigo mesma – refletem, em grande parte, a sua luta para lidar com o trauma e aprender a lidar com a sua vulnerabilidade. Ao longo das duas temporadas, ela cria um caminho de autoconhecimento e aceitação, desvendando as razões do seu comportamento autodestrutivo e chegando, aos poucos, a uma compreensão mais honesta e compreensiva consigo mesma. Fleabag é, em última análise, uma história sobre o amor nas suas formas mais complexas e dolorosas: o amor entre amigos, familiares, homens e, principalmente, o amor-próprio, que ela aprende a cultivar ao encarar as suas perdas. Fleabag transcende a comédia para se tornar numa análise intensa e delicada do que significa ser humano – enfrentando todas as dores e alegrias que possam ser causadas por isso.
Fleabag e o Pai
A relação de Fleabag com o pai é marcada por uma profunda desconexão emocional. Após a morte da mãe, ele parece incapaz de proporcionar o apoio emocional que ela e a irmã precisam. Apesar de se preocupar com ela, ele mostra-se hesitante, evitando conversas diretas e usando a nova esposa, madrinha das filhas, como escudo. Essa distância emocional reflete como Fleabag se sente abandonada e sem uma figura parental que realmente a entenda. No entanto, eles aproximam-se ao longo da série e a mãe de Fleabag funciona como o caminho para a aproximação dos dois.
Fleabag e Claire
A relação de Fleabag com a sua irmã Claire é uma mistura de rivalidade, frustração e um amor profundo. Claire é o oposto de Fleabag: rígida, controlada, aparentemente mais “bem-sucedida” e “provavelmente anoréxica”, segundo Fleabag. No entanto, as duas têm uma ligação intensa e são, na verdade, profundamente dependentes uma da outra, mesmo que não admitam. Fleabag usa o humor para lidar com as suas falhas e medos, enquanto Claire se esconde por trás da sua carreira e do casamento problemático. O marido instável cria em Claire uma vontade de ser mais espontânea e livre e é, dessa forma, que pede ajuda à irmã para o fazer. Elas desafiam e apoiam-se e a sua relação evolui à medida que Fleabag aprende a expressar com mais honestidade o seu amor e Claire começa a reconhecer as suas próprias necessidades e vulnerabilidades.
Fleabag e o Padre
A relação de Fleabag com o “Hot Priest” é o coração emocional da segunda temporada. O padre é a primeira pessoa que parece realmente compreender Fleabag e a sua conexão é intensa e transformadora. Após o jantar de família em que se conheceram, eles começam a partilhar diálogos abertos e honestos. A sua relação expõe a necessidade de intimidade verdadeira que ela sempre procurou, mas que nunca conseguiu alcançar em relacionamentos anteriores. No entanto, essa conexão é inevitavelmente limitada pelo compromisso do padre com a sua fé. O relacionamento termina de forma agridoce, com ambos reconhecendo o amor, mas aceitando que não podem estar juntos. Ele é a primeira pessoa que lhe dá a sensação de ser vista e aceite – um passo essencial para a sua auto compreensão.
Fleabag e Boo
Boo, a melhor amiga de Fleabag, é o centro emocional da série. A morte de Boo é um trauma não resolvido que define grande parte do comportamento autodestrutivo de Fleabag. A culpa que sente por estar indiretamente envolvida na morte de Boo impede-a de sentir felicidade ou conexão plena. Boo representa uma época da sua vida em que Fleabag ainda era aberta, espontânea e vulnerável, e a perda dela simboliza a perda dessa versão de si mesma. Em muitos aspetos, o luto por Boo é um luto pela sua própria inocência. Na série, é ainda retratada a forma de agir e a interação de Fleabag antes e depois da morte da melhor amiga, retratando o impacto que isso teve na sua vida.
Fleabag e os Relacionamentos com Homens
Fleabag tem vários relacionamentos fracassados com homens, que, na sua maioria, refletem a sua busca por validação e distração. No começo, ela usa o sexo como uma maneira de sentir controlo e também como uma fuga à dor. Esses relacionamentos são vazios e transacionais, distantes de qualquer conexão real. No entanto, o relacionamento com o padre rompe esse ciclo, já que, com ele, Fleabag não pode simplesmente esconder-se atrás do humor sarcástico. O Padre força-a a confrontar as suas emoções e medos, criando uma experiência genuína de vulnerabilidade. A mudança que ela vive com o padre abre as portas para que ela possa, finalmente, chegar a um amor sincero – ou, pelo menos, parar de usar relacionamentos como uma forma de fugir aos seus traumas.
Fleabag e a Relação Consigo Mesma
O relacionamento mais importante de Fleabag é, sem dúvida, o que ela tem consigo mesma. Ela passa grande parte da série a fugir da própria dor, usando o humor e o sarcasmo para disfarçar a sua vulnerabilidade. A quebra da quarta parede, onde ela olha diretamente para a câmara e faz comentários engraçados ou cínicos, é uma forma de autoalienação, onde ela se distancia das emoções e cria uma barreira entre o que realmente sente e o que expressa. Mas, conforme a série avança, esses momentos diminuem, e Fleabag aprende a aceitar as suas falhas e a confrontar a sua dor da frente.
Em resumo, Fleabag é uma série sobre o amor nas suas formas mais complicadas, desde o amor romântico ao amor entre amigos e familiares, até ao amor-próprio. A viagem de Fleabag é uma exploração da reconciliação com o luto e com os seus próprios problemas, permitindo que ela se reconecte consigo mesma e com aqueles ao seu redor. No final, o amor que ela encontra não é apenas por outras pessoas, é também um amor mais compreensivo e honesto por quem ela realmente é.
Fonte da capa: Amazon Prime Video
Artigo revisto por Constança Alves
AUTORIA
A Marta cresceu no Alentejo, com 5 irmãos e em pequena adorava ler e até hoje escreve imenso. Está no primeiro ano da licenciatura de Jornalismo e pretende focar-se no jornalismo radiofónico. Já participou em projetos com o Parlamento Europeu, trabalhou com a cinemateca portuguesa e com Os Filhos de Lumiere onde foi realizadora num filme, fez teatro e escreveu para o jornal da escola. Na ESCS, participa na ESCS MAGAZINE, na E2 e na ESCS.FM. Foi no ano letivo 2022/2023 que foi para os Estados Unidos estudar e percebeu que era na rádio que queria ficar.