Desafios e Integração: A Experiência de Estudantes Africanos no Ensino Superior em Portugal.
Chegar e adaptar-se
Chegar a um novo país para estudar não é apenas abrir livros e entrar em salas de aula: é também enfrentar o frio, a saudade, um sistema académico diferente, os desafios de fazer amigos e, muitas vezes, a sensação de estar sozinho. Este artigo nasce a partir das respostas de estudantes africanos que estudam ou já estudaram em Portugal, mas também da minha própria experiência, para dar a conhecer de forma próxima e humana como tem sido viver e estudar neste país.
Fonte: Jackson State University
Após a realização de um inquérito que conduzi junto de estudantes africanos que integram ou já integraram o ensino superior em Portugal, verifiquei que a maioria dos participantes tem entre 20 e 26 anos, que quase todos são oriundos de São Tomé e Príncipe e que estão distribuídos por várias instituições localizadas em cidades como Lisboa, Porto, Bragança, Setúbal, Coimbra, Leiria e Guarda. A grande maioria está a tirar uma licenciatura, alguns o mestrado, e, muitos destes jovens já vivem em Portugal há cerca de três ou quatro anos. Quando lhes perguntei como avaliavam a adaptação académica, a maior parte situou-se num ponto intermédio: nem fácil, nem difícil, o que mostra que a adaptação existe, mas não é imediata.
Dificuldades no percurso académico e fora dele
As diferenças no sistema de ensino foram apontadas como os principais obstáculos. Desde os métodos de avaliação, aos prazos mais rigorosos e até a algumas expressões linguísticas próprias do português europeu, tudo representou uma barreira. Para alguns, houve ainda situações de exclusão e discriminação, que, infelizmente, ainda continuam a marcar o percurso de certos estudantes.
Fonte: Free Pik
Fora da sala de aula, a vida também trouxe desafios. O frio e o clima foram mencionados várias vezes, assim como as dificuldades de legalização, de transporte e de conciliar os estudos com o trabalho. Muitos também mencionaram a solidão, sobretudo no início, quando não se tem amigos e a família está longe. Apesar disso, houve quem considerasse o processo mais simples, principalmente porque já contava com o apoio de familiares ou de amigos em Portugal.
Apoios e fatores que ajudaram
Quando perguntei “O que mais ajudou no processo de integração?”, as respostas foram quase unânimes: a família e os amigos foram fundamentais, mas também se destacou a força de vontade, o esforço pessoal e a dedicação.
Fonte: Foto de autor
O facto de partilharmos a língua portuguesa facilita muito, assim como o apoio de professores que, na sua maioria, mostraram compreensão e disponibilidade para ajudar, mesmo que existam algumas exceções.
O meu próprio percurso
A minha experiência confirma muitos destes relatos. Entrei na Escola Superior de Comunicação Social, em 2023, mas cheguei apenas no final do primeiro semestre, o que foi como cair de paraquedas. Não me consegui adaptar, senti-me deslocada e decidi congelar a matrícula.
Fonte: Foto de autor
No entanto, retomei o meu percurso em 2024, desta vez desde o início, e tudo mudou. Consegui fazer amizades, sobretudo com colegas internacionais, e senti-me mais integrada. Com os estudantes portugueses, a relação foi um pouco mais difícil no início, isto por serem geralmente mais reservados e, por vezes, menos acolhedores. No entanto, com tempo e esforço, é possível criar relações positivas. Por outro lado, os professores também revelaram um enorme apoio: muitos deles ajudam e compreendem a nossa posição, o que faz toda a diferença.
Lições e conselhos
Estas experiências não são apenas individuais. Outras pesquisas mostram que estudantes africanos em Portugal enfrentam problemas semelhantes: dificuldades financeiras, falta de apoio institucional, barreiras sociais e até episódios de racismo. Mas também revelam que a integração se torna mais fácil quando existem iniciativas de acolhimento, informação clara sobre o sistema académico e atividades extracurriculares que promovem o convívio entre estudantes nacionais e internacionais.
Fonte: Ver Angola
Nas respostas ao questionário, muitos deixaram conselhos a futuros colegas africanos: recomendaram manter o foco nos estudos, não desistir perante as dificuldades e não criar ilusões de que tudo será fácil. Falaram da importância de respeitar a cultura local, mas também de não perder a própria identidade. Reforçaram ainda a necessidade de pedir ajuda sempre que necessário , de procurar amizades e criar redes de apoio, mas também de saber manter-se firme face a influências negativas.
Imagem de destaque: Freepik
Artigo revisto por: Raquel Bernardo
AUTORIA
Natural de São Tomé e Príncipe, Babilay Coelho é licenciada em Direito, formação que concluiu em Marrocos. Atualmente, prossegue os seus estudos em Relações Públicas e Comunicação Empresarial, na Escola Superior de Comunicação Social. Apaixonada pela escrita, encontrou na criação de conteúdos uma forma de partilhar ideias e experiências, o que a levou a integrar a Magazine, onde pretende explorar o poder das palavras na aproximação de pessoas e na valorização de diferentes percursos de vida. Interessada em diversidade cultural, integração e experiências académicas internacionais, acredita que as histórias têm o poder de conectar e inspirar.







O artigo muito interessante, parabéns pelo trabalho.
Há uma verdade muito bonita neste texto. Lê-se como algo escrito por alguém que não quer apenas relatar, mas compreender. E isso faz toda a diferença. Sente-se que ela escreve com o coração aberto, mas com os pés bem assentes na realidade. Estão de parabéns todos que se encontram na mesma situação e têm a coragem de prosseguir.
Parabéns e muito obrigada por dares a voz à nossa realidade. É bom ver alguém falar sobre o que nós realmente vivemos, muita das vezes sem ter uma rede de apoio.
Estudar fora, sendo um estudante africano, não é fácil nem difícil, é uma experiência única. A adaptação vai muito além dos estudos.
o clima, a cultura, a comida, até o ritmo das pessoas tudo é novo. No início custa, especialmente o frio e a distância de casa, mas com o tempo aprendemos a crescer, a resistir e a encontrar o nosso lugar. No fim, percebemos que cada desafio nos torna mais fortes.