Opinião

O poder e os limites do humor 

O humor é uma indústria em crescimento: na internet multiplica-se através de vídeos e podcasts, na rádio dá-se tempo de antena a rubricas humorísticas e na televisão a programação dá cada vez mais valor à componente cómica. Mas será que esta popularização e democratização do humor significa mais liberdade de expressão? E, a propósito da liberdade de expressão, como devemos encarar a questão dos limites do humor?

Curiosamente, quem levanta o tema dos limites do humor costuma querer limitá-lo.

Na sociedade, tem-se disseminado a ideia perigosa de que qualquer pessoa tem autoridade para definir o que é ou não humor. Nesse sentido, já nenhum humorista escapa à fatídica questão sobre quais são os limites do humor.

Para Leo Lins, humorista brasileiro, bem como para muitos dos seus colegas de profissão, o humor não tem limites… E eu tendo a concordar.

O humor autorregula-se. Parte do seu objetivo é ultrapassar os limites e é esse inesperado que leva ao riso. O desprezo pelos limites – das convenções sociais, do bom senso ou da linguagem – é necessário à prática humorística. Aliás, o humor tem que quebrar barreiras e ser disruptivo. Afinal de contas, trata-se de subverter as expectativas. O humor é a capacidade de apanhar o nosso interlocutor em falso: a capacidade de o fazer crer que vai em frente para depois fazê-lo guinar violentamente… E isso parece-me impossível dentro de uma caixa fechada – os tais “limites”.

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Limitar a criatividade do artista é atacar e sabotar a sua arte. Temas proibidos são próprios da censura e não de uma sociedade que preza pela liberdade de expressão.

Conter o exercício humorístico e cingi-lo ao que é “politicamente correto” é não compreender que o humor existe num contexto, e que falar em cima de um palco ou numa situação formal não é igual, mesmo que as palavras sejam as mesmas. Acusa-se amiúde o humorista de beneficiar de uma isenção moral que não me parece existir. Todos estamos sujeitos à lei e, partindo desse pressuposto, podemos dizer e fazer o que nos apeteça, basta perceber que há momentos e espaços mais apropriados que outros.

O limite mais notável imputado ao humor é a ofensa. Para muitos, as piadas que “gozam” com classes, etnias, características, nacionalidades, religiões ou pessoas em particular, são intoleráveis e danosas.

Nos Estados Unidos, o talk show do humorista Jimmy Kimmel, que satiriza frequentemente Donald Trump, foi suspenso. Um caso semelhante é o do também humorista americano Stephen Colbert, cujo programa enfrenta o cancelamento por se demonstrar desfavorável à administração de Trump.

Mas o que poderá haver de tão pernicioso no humor que justifique a censura?

Para que o cancelamento faça sentido, é preciso rotular o humor como algo odioso, imoral ou destrutivo, mas, feitas as contas, é só um texto interpretado a par de expressões físicas e de entoação com o objetivo de alegrar e entreter.

Tem-se banalizado a convicção de que o humor pode ser ofensivo, mas o que existe, na verdade, são pessoas que se sentem ofendidas e ficam com os egos feridos. A ofensa e o humor não podem ser confundidos. O máximo  que o humor pode fazer é expor o ridículo que caracteriza a nossa espécie. As piadas não nos ridicularizam, porque nós somos já inerentemente ridículos, absurdos, contraditórios e defeituosos e recusarmo-nos a aceitá-lo é uma atitude arrogante e incompatível com a chamada “capacidade de encaixe”.

Limitar o humor não só seria errado como também impraticável. Quem poderia, com autoridade, determinar os limites? Como poderíamos nivelar gostos e suscetibilidades? O que para uns é blasfémia, para outros tem imensa graça. A heresia faz rir. Quem seria o suprassumo do bom gosto? O ditador do riso? A mera ideia de que é lícito selecionar arbitrariamente o que é, ou não, aceitável, exige a crença de que há preferências mais acertadas que outras – que algo subjetivo se pode objetificar.

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No Brasil, Leo Lins foi condenado a mais de oito anos de prisão por ter proferido determinadas piadas num espetáculo de comédia e, por cá, a radialista Joana Marques foi processada por causa de um vídeo publicado no Instagram, tendo-lhe sido exigido um pagamento de mais de um milhão de euros. O que há de comum entre estes casos e os exemplos americanos é a noção, dos ditos lesados, de que o humor tem um poder superior àquele que realmente tem. O humor, ao contrário do que os Anjos, o Presidente dos EUA ou a justiça brasileira possam pensar, não é uma arma. É infinitamente mais simples. Se o humor tem poder? Claro: diverte-nos, faz-nos esquecer temporariamente das mágoas e das angústias e torna possível entregarmo-nos a um riso sincero, genuíno e libertador. Dito isto, o humor não é uma máquina de lavagem cerebral, não tem o poder de maltratar ou denegrir fatalmente quem quer que seja, nem tampouco tem o poder de alavancar grandes mudanças sociais ou políticas.

O humor é importante. Não pode ser maligno ou ofensivo porque, se o fosse, seria outra coisa que não humor. Assim como em qualquer forma de arte, importa preservá-lo sem perder a noção do seu valor real, para que não se confunda com o poder e influência que lhe são alheios. A essência do humor é fazer-nos rir… Por que razão haveríamos de limitar algo tão bonito?

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Artigo Corrigido por Inês Félix 

AUTORIA

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O André é um orgulhoso buraquense, movido a café. Começou este ano a licenciatura de jornalismo na ESCS e o seu percurso na Magazine. Adora sol, mar, churrasco, convívio, rock, humor e livros. Preza, sobretudo, o amor pela escrita e a vontade de marcar a diferença um dia, contribuindo um bocadinho para um mundo melhor.
Na ESCS Magazine vê uma oportunidade de aprender e arriscar.