Jane Eyre: Religião nas Entre Linhas
Charlotte Brontë, escritora e poetisa inglesa, apresentou pela primeira vez, em 1847, Jane Eyre como uma autobiografia. Com o passar dos anos, a obra passou a caracterizar-se como um romance gótico que se dedica à evolução moral, psicológica, física e social da personagem principal, desde a infância até à idade adulta.
Quando saiu, Jane Eyre não foi bem recebida pelo público: muitos ficaram chocados e ofendidos pelo seu conteúdo e pelos comportamentos adversos às normas vitorianas. Viam algo irrealista na forma como a personagem principal era apresentada — uma menina que procurava a independência. A forma como a religião era apresentada foi considerada ofensiva e muitos diziam que o livro era um afronto à moralidade cristã e um ataque à religião.
Fonte: Wikipedia

Porém, não era apenas a sociedade do século XIX que criticava este livro. Ao longo da última metade do século, as questões da ortodoxia religiosa misturaram-se com questões de autenticidade religiosa. A religião surgia como uma incerteza para muitos críticos, que questionavam sobre se o livro representava um ataque satírico ou uma representação sincera da religião.
Contudo, a função da religião na obra não é de desvalorização. Na verdade, citando Marie-Anne Taylor na sua dissertação The Function of Religion in Jane Eyre from a Feminist Viewpoint: “a função da religião no romance não é desacreditar a religião como tal. Pelo contrário, a representação da religião desafia os diferentes padrões morais da sociedade patriarcal do romance, à medida que a protagonista, Jane, faz ouvir a sua voz e dá a conhecer a sua opinião, à medida que desenvolve a sua própria moralidade”.

Perante as críticas feitas à obra, é necessário entendermos o porquê de a religião aparecer como um dos seus temas principais. Tendo sido criada no âmbito de uma família anglo-saxónica, influenciada por valores cristãos e educada num ambiente altamente religioso, Brontë é levada a criar o mundo de Jane com base na sua relação com a religião. Sendo assim, é preciso ter em conta a vida da autora, que constrói simultaneamente uma história ficcional e autobiográfica. Em Jane Eyre, encontram-se dois pontos principais que, a meu ver, são os mais relevantes para o enredo: a religião como guia na tomada de decisões e a religião em confronto com o romântico na vida da personagem principal.
Fonte: Wikipedia
Em Jane’s Crown of Thorns: Feminism and Christianity in Jane Eyre, Maria Lamonaca refere que muitos dos que estudaram a obra veem “a autonomia religiosa e espiritual de Jane como componente principal do seu bildungsroman”. Jane acredita que a lei moral de Deus a protege e, por isso, defende os seus princípios tão fielmente. Apesar de seguir uma autonomia religiosa e espiritual, recorre à Bíblia em tempos de incerteza como guia e bússola moral para a tomada de decisões — deverá seguir aquilo que toma por obrigações morais ou os seus próprios desejos e necessidades?
Um exemplo da cristandade como bússola moral é a descoberta do casamento existente de Mr. Rochester, o mestre de Thornfield Hall e o seu interesse romântico. Admite “I wrestled with my own resolution: I wanted to be weak that I might avoid the awful passage of further suffering I saw laid out for me”, no capítulo XXVII.
Esta passagem demonstra que Jane desejava manter a sua relação com Rochester, algo que entraria em conflito direto com os seus valores cristãos, já que questiona o seu amor por um homem casado, um conflito moral e controverso. É neste contexto que se pode apresentar o conflito entre a religião e o lado romântico na obra.
A bússola moral de Jane serve, portanto, como guia na presença de emoções e pensamentos conflituosos no que toca às personagens masculinas. Enquanto Mr. Rochester representa o conflito interior de Jane entre o dever moral e os seus desejos profundos, St. John Rivers, o clérigo da paróquia (e segundo pretendente de Jane), representa o conflito entre o seu dever religioso e esses desejos profundos.
Enquanto Mr. Rochester representa o fogo e a paixão ardente, John Rivers representa o gelo e a frieza emocional.
Concluo com uma citação de The Function of Religion in Jane Eyre from a feminist viewpoint, em que Marie-Anne Taylor diz: “A formação da personagem Jane até à idade adulta e como feminista bíblica é uma constante alternância entre aprisionamento e fuga, onde a religião é apresentada como benéfica e restritiva. Jane precisa de desenvolver a capacidade de discernir “possíveis perigos, abusos e apropriações indevidas dos ensinamentos e doutrinas cristãos, especificamente aqueles que afetam a sua capacidade de conhecer e seguir Deus”
A obra termina com a crença de Jane em que nada está acima do espiritual, já que, mesmo quando questionado, consegue prevalecer.
Artigo revisto por Beatriz Mendonça
Imagem de Capa: Prachi Samgi
AUTORIA
A Matilde, de 19 anos, sempre teve uma curiosidade imensa e uma vontade de saber um pouco acerca de tudo. Desde a teoria da relatividade de Einstein aos livros da Sally Rooney. Encontrou na Escs Magazine uma oportunidade para explorar, através da escrita, um novo interesse na astronomia e outras ciências, em conjunto com um dos seus tópicos de conversa favoritos: a literatura.
Passa uma grande parte do seu tempo no Booktube, onde descobre as novidades e alguns dos grandes clássicos que, infelizmente, ainda tem por ler.

