Performance como Protesto: Quando o Corpo se Torna Manifesto
O corpo, na performance, é mais do que matéria: é presença política, é território, é fronteira e é ferida. Quando o corpo se torna o suporte da própria arte, também se converte num manifesto e num grito silencioso que se inscreve no espaço público, rompendo a distância entre o espectador e o acontecimento. É o primeiro território político, antes da palavra, e é nele que se inscrevem as tensões do mundo: a dominação, o controlo e a resistência. Quando o corpo entra em cena, como performance ou como arte, ultrapassa a condição de matéria e torna-se uma linguagem viva. E quando dessa linguagem se faz protesto, o corpo transforma-se em manifesto.Desde o século XX, a performance tem sido um campo de rutura. Artistas como Marina Abramović, Chris Burden, Tania Bruguera, Regina José Galindo e Sérgio Adriano, entre muitos outros, colocaram o corpo em situações-limite, explorando a resistência física e simbólica. Mas é quando a performance assume uma dimensão política que o gesto atinge a sua potência mais urgente. O corpo deixa de representar a dor: encarna-a, denuncia-a e torna-a visível.
Fonte: Artcult
Ana Mendieta, nas suas silhuetas, fundia o corpo à terra, evocando o exílio e a pertença e o apagamento e a origem. Tania Bruguera, com a sua arte útil, transforma a performance em ação social direta, como em “Tatlin’s Whisper #c”, onde ofereceu microfones ao público, em Havana, rompendo simbolicamente o silêncio imposto pelo regime. Já Regina José Galindo, em “¿Quién puede borrar las huellas?”, caminha pelas ruas da Guatemala com os pés mergulhados em sangue, reencenando as marcas da violência estatal. Nessas ações, o corpo é veículo e voz – não é metáfora da política… É a política em ação.
Fonte: El blog de: Evelyn Galindo
Em tempos de saturação da imagem, o corpo performativo recupera a potência da presença e torna-se irredutível, intransferível e impossível de reproduzir sem perda. A sua efemeridade é uma forma de recusa ao consumo da dor, à estetização da violência e à neutralidade do espectador. A performance de protesto é, portanto, um gesto de desobediência: uma tentativa de devolver à arte a sua dimensão ética. Essa dimensão intensifica-se quando a performance é usada por corpos historicamente silenciados, como artistas feministas, negros, indígenas e queer, que fazem da performance um instrumento de visibilidade e enfrentamento. Das ações das “Marchas das Vadias” às performances antirracistas e ambientais, o corpo insurgente ocupa o espaço público e reescreve o discurso social. Cada gesto é texto. Cada ferida, inscrição e respiração são um ato de resistência.
No entanto, há artistas que abordam essa mesma tensão entre corpo, poder e protesto de forma mais simbólica, como a dupla chinesa Sun Yuan & Peng Yu.Obras muitas vezes marcadas pela violência contida e pela frieza mecânica, transformam o corpo (ou a sua ausência) em campo de reflexão sobre o controlo e a desumanização. Em “Can’t Help Myself” (2016), um braço robótico tenta incessantemente conter um líquido vermelho semelhante a sangue, numa coreografia marcada pela exaustão e pela vigilância. Ali, o corpo desaparece, mas o gesto permanece: repetitivo, automático e impotente. É uma performance sem um corpo humano presente, mas, acima de tudo, trata-se de um protesto sem voz, que expõe a condição de alienação e submissão do sujeito contemporâneo. Se nas ações de Bruguera ou Galindo o corpo é presença e enfrentamento, nas de Sun Yuan & Peng Yu ele torna-se ausência e sintoma, ecoando a política do controlo que permeia o nosso tempo.
Fonte: The Guggenheim Museum
Quando o corpo se torna manifesto, a arte deixa de ser representação e passa a ser ação. Nesse instante efémero, entre o gesto e o olhar e entre o risco e o silêncio, o corpo torna-se palavra, chama e resistência. E talvez seja isso que a performance como protesto nos ensina: o corpo, na sua fragilidade e potência, continua a ser o espaço onde a arte e a política se encontram – não como discurso, mas como acontecimento. O corpo é o manifesto que não se escreve: é o que se vive.
Fonte: Regina José Galindo
Fonte da capa: Tania Bruguera
Artigo revisto por Inês Gomes
AUTORIA
Jéssica Medeiros é natural dos Açores e tem 17 anos. Frequenta o curso de Audiovisual e Multimedia na ESCS, tendo anteriormente concluído o curso de Artes Visuais no ensino secundário. Desde cedo demonstrou um grande interesse por diversas formas de expressão artística e visual, explorando áreas como fotografia, vídeo, design e edição — com especial apreço por tudo o que se relaciona com as artes. É uma pessoa criativa, curiosa e aberta a novas experiências, revelando uma constante vontade de aprender e de investigar temas que despertem a sua atenção. Encarando a arte e o audiovisual como meios de comunicação de ideias, emoções e histórias, valoriza a experimentação e a busca por novas perspetivas. Acredita que cada projeto representa uma oportunidade de crescimento, descoberta e partilha do seu olhar sobre o mundo. Embora ainda não tenha experiência na área editorial nem na escrita de artigos, demonstra grande motivação e interesse em aprender e desenvolver novas competências nesse campo.





