É preciso desligar para viver?
Vivemos numa época onde a presença de tecnologias é inevitável e diária em praticamente todos os aspetos do nosso dia a dia. Acordamos com o alarme vindo dos nossos telemóveis e a maioria de nós não adormece sem dar uma última olhadela ou fazer scroll pelo mesmo aparelho. A tecnologia tornou-se algo tão comum e aparentemente necessário ao ponto de ser difícil imaginarmos a nossa vida sem ela.
Esta dependência extrema certamente criou consequências e provocou alterações no modo como a sociedade se expressa e funciona, deixando dúvidas no ar: será que as tecnologias estão a “sugar” a nossa humanidade? E será preciso desligá-las para viver a vida ao máximo?
O primeiro exemplo disto seriam os “Ipad kids”, um termo que surgiu na internet e que se refere às crianças que passam a maior parte do seu dia em frente a uma tela. Quer seja às refeições, no carro ou em casa, é raro vê-las longe de algum tablet ou telemóvel. Quando a minha geração era criança, é claro que já havia a maioria das tecnologias que existem hoje. Porém, nunca as escolheria em vez de passar tempo de qualidade com as pessoas à minha volta. Também cheguei a ter um tablet, mas nada que ele fazia se igualava ao sentimento de acordar cedo para ver Cartoon Network antes do pequeno-almoço. Estas e outras memórias de infância que eu e muitas outras pessoas da minha idade têm e guardam em si serão provavelmente muito diferentes que as memórias que as crianças de hoje em dia terão no futuro. É claro que os comportamentos mudam entre gerações, mas acho muito válido e importante debatermos esses temas e nos questionarmos sobre se são realmente prejudiciais para o desenvolvimento das crianças.

Voltando ao nosso dia a dia, é muito comum utilizarmos excessivamente o nosso telemóvel sem nenhum objetivo ou fim, o chamado “doom scrolling”. Eu sou uma vítima disso como qualquer outra pessoa e questiono-me bastante sobre se alguém realmente se sente bem ou concretizado depois de fazer isso. Na maioria das vezes, quando isso acontece, a única coisa que consigo sentir é culpa. Podia ter utilizado o meu tempo a ler, a adiantar algum trabalho da faculdade ou a fazer praticamente qualquer outra coisa e provavelmente seria tempo mais bem gasto.
Os terapeutas dizem que o barulho constante vindo dos nossos aparelhos sobrecarrega o nosso sistema nervoso e impede o nosso cérebro de realmente descansar. Mas, se é algo tão prejudicial, o que é que realmente nos impede de parar? Um dos motivos assinalados é o receio de passar tempo em silêncio e a ouvir os nossos pensamentos. Ainda assim, diria que o principal fator é apenas a nossa conformidade em relação ao assunto.
Apesar de tudo, é certo pensar que a maioria das pessoas entende que estes hábitos não são saudáveis e que uma mudança seria benéfica. Um exemplo disso seria o apagão que ocorreu no dia 28 de abril de 2025 e que certamente marcou toda a gente. Para uns, foi um dia de muito stress e ansiedade devido à inesperada situação e incerteza em relação ao futuro. Mas, para as pessoas que tiveram a possibilidade de transformar a situação em algo bonito, foi visto como um dia “reset”, uma oportunidade para largar os ecrãs e reconectar-se com o mundo, com as pessoas à sua volta e também consigo mesmas. Quer seja fazer jardinagem em casa, acabar aquele livro que estava a apanhar pó na mesa de cabeceira ou simplesmente a passar tempo num parque, muita gente fez algo naquele dia que já não fazia há algum tempo.
Quando a energia voltou, vieram as redes sociais e os textos a falar sobre o dia. Pessoas falavam das tecnologias como uma prisão e do apagão com um momento de liberdade momentânea, a agradecer pela possibilidade e a acabar os posts com “Que venham muitos mais!”. Tudo isso é válido e compreensível, mas lembro-me de ler isso e pensar “O que é que vos impede de o repetir noutro dia?”. É certo que o apagão tirou algumas pessoas mais cedo do trabalho e propôs tempo livre, mas, se largar as redes sociais e o telemóvel causou tanto alívio a tanta gente, eu recomendo fazer um esforço para repetir o mesmo por iniciativa própria, sem o empurrão de apagões a níveis multinacionais.

Podemos começar em escala menor: largar o telefone durante umas horas enquanto estudamos ou lemos alguma coisa e depois ir diminuindo lentamente a nossa exposição. É importante mantermos os nossos telemóveis connosco para estarmos contactáveis, mas talvez possamos ficar sem abrir o TikTok ou o Instagram durante uns dias. Tudo isto é um processo gradual e difícil, é normal haver altos e baixos. Desinstalar uma rede social de manhã porque passámos a noite toda agarrada a ela e voltar a instalá-la à hora de almoço porque não queremos ficar a olhar para o nada. Mas acredito genuinamente que a tecnologia só nos controla até ao ponto em que o permitimos, e, com paciência, calma e força de vontade, conseguimos utilizá-la de uma forma muito mais saudável.
Fonte: Unsplash
Revisto por Inga Carvalho
AUTORIA
O Bernardo tem 18 anos e está no primeiro ano de jornalismo. Já percorreu muitos sítios, mas atualmente chama a Malveira de sua casa. Pensa em si como uma bomba de curiosidade, sempre pronto para aprender e experimentar coisas novas. É uma pessoa leal, um bom ouvinte e está disposto a defender e proteger os seus até ao fim. É apaixonado por filmes de terror, videojogos, música, história, livros e é claro, a escrita. Viu na Magazine uma chance de partilhar com os outros um dos seus maiores gostos, e mal pode esperar para descobrir as aprendizagens e oportunidades que esta pode trazer.


Que texto maravilhoso ❤️