Música

A celebração do som chegou à Universidade Lusíada de Lisboa

Em 1949, Donald Hebb, psicólogo canadiano, criou um segundo princípio da neuroplasticidade: “Neurónios que disparam juntos estão ligados” – complexo? Não! A verdade é que Hebb foi o primeiro a conectar as neurociências à música, afirmando que os estímulos sensoriais podem levar a que várias populações de neurónios disparem em sincronia. O ritmo é uma característica da música que induz sincronia nas redes de neurónios subjacentes aos comportamentos e Hebb descobriu que associar músicas a determinados movimentos, vocalizações, respirações e frequências cardíacas, leva ao desencadeamento de disparos simultâneos de neurónios em áreas cerebrais envolvidas no controlo desses mesmos comportamentos, o que fortalecerá o cérebro.

Simples, certo? É este o poder da música! Sessenta e oito anos depois, o tema do X Encontro Internacional de Musicoterapia foi Musicoterapia e Neurociência.

Não foi em vão que os alunos do mestrado em Musicoterapia da Universidade Lusíada de Lisboa entoaram esta canção no Dia Europeu de Musicoterapia. Sem dúvida alguma, a celebração do som é uma constante na musicoterapia, que se define como a utilização do som, da harmonia, do ritmo e da melodia para fins terapêuticos. Este processo tem como objetivo a melhoria de vida dos indivíduos que dele beneficiam, através da sua reabilitação física e psicológica, mediante a prevenção e o tratamento de um vasto leque de doenças.

Esta utilização tão poderosa da música não deixa ninguém indiferente. Cátia, uma mãe que considera a musicoterapia como último recurso para o filho autista, voou da ilha da Madeira até à capital do continente para vir ao X Encontro Internacional de Musicoterapia. A nossa entrevistada confessou que a música começou por despertar o seu interesse ao nível terapêutico: “Creio que é a última intervenção que poderá resultar com o meu filho. Já tentei tudo e nada foi eficaz com ele”, mas acrescentou: “A minha filha mais velha está a terminar a licenciatura em Terapia Ocupacional e tomou conhecimento da musicoterapia e deste encontro, portanto, decidi viajar até aqui para saber se esta terapia pode realmente auxiliar o meu filho no que diz respeito ao transtorno do espectro do autismo”, admitiu, com a esperança estampada no rosto.

Em janeiro do ano passado, no Estoril, celebrou-se a ligação entre a musicoterapia e as relações sociais. Em junho do mesmo ano, em Santiago do Cacém, falou-se das suas áreas de intervenção. No fim de semana de 20 e 21 de maio, na Universidade Lusíada de Lisboa, berço do único mestrado em musicoterapia existente em território lusitano, debateu-se o estreitamento de laços entre esta terapia e a neurociência.

O Prof. Dr. Alexandre Castro Caldas, especializado nas neurociências cognitivas e doenças do movimento e atual Diretor do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, partilha da opinião da Prof. Dra. Teresa Leite, mestre em Musicoterapia, doutorada em Psicologia e representante de Portugal na European Music Therapy Confederation relativamente à relação entre musicoterapia e neurociências.

Já para Marisa Raposo, musicoterapeuta no Hospital Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, que brindou todos os presentes com uma apresentação sobre comunicação, linguagem e fala e a influência da música nas etapas-chave do desenvolvimento humano (do primeiro ano até aos seis anos de idade), há uma crescente compreensão da importância do cérebro e dos seus mecanismos enquanto elementos fulcrais para a realização de um bom trabalho entre os pacientes e os musicoterapeutas.

A aluna da pós-graduação em Neuropsicologia de Intervenção surpreendeu a plateia com algumas informações associadas a vídeos, como um que ilustrava a evolução de uma criança ao longo de várias sessões de musicoterapia – “quando uma criança não consegue produzir determinados fonemas, o musicoterapeuta pode auxiliá-la com a improvisação musical livre”, afirmou, na medida em que a música facilita a comunicação verbal e não-verbal, aumenta a fluidez dos comportamentos sociais, bem como das verbalizações, dos gestos e da compreensão do outro.

Mas nem só de rosas é feito o percurso da terapia da música, muito menos em Portugal. Na perspetiva da Dra. Ana Esperança, Presidente da Associação Portuguesa de Musicoterapia, há aspetos que têm de ser melhorados, como o estreitamento de laços com os media, para que os musicoterapeutas comecem a ser procurados em primeira instância e não em último recurso: “Ainda que a nossa profissão tenha um impacto muito grande na vida dos nossos pacientes, isso não acontece no imediato. Por norma, as pessoas procuram as ajudas mais recorrentes, mais divulgadas e até mais fidedignas, porque isto da musicoterapia levanta algumas questões: associa-se a música ao lazer e à performance e não à terapia”, admitiu, acabando por estabelecer um paralelismo com o caso de Cátia: “Quando nada resulta, decidem tentar a musicoterapia e, em três ou quatro sessões, as crianças fazem coisas espetaculares e criam um vínculo gigante com os musicoterapeutas! Por isso, é importante que este recurso seja usado antes, e mesmo que seja necessário fazer um investimento, as pessoas o realizem sem hesitar!”.

Ana Esperança não deixou de realçar o papel dos media na divulgação da missão dos musicoterapeutas e apelar à sua atenção e compreensão: “No verão de 2016, houve um boom com a saída da petição. Fui à televisão umas quatro ou cinco vezes, sentimos uma diferença enorme nos contactos e o mestrado da Lusíada, que teve 5 inscrições no ano passado, passou a ter 17 este ano. Se calhar, se eu não conhecesse a musicoterapia, não sabia que este seria o meu caminho; acabei por procurar algo que não sabia o que era e acho que os media têm um papel fulcral na divulgação da nossa missão”.

O reconhecimento da profissão do musicoterapeuta em Portugal está intimamente ligada a dois dilemas que surgiram desde cedo na musicoterapia: qual é a diferença entre um músico e um musicoterapeuta?; ser musicoterapeuta consiste numa especialização ou uma profissão? Para a Prof. Dr.ª Teresa Leite, que apresentou o painel Musicoterapia: o emergir de uma profissão, a resposta é clara: a identidade profissional encontra-se pré-definida e o mercado de trabalho pode alargar-se a outras profissões, mas ao nível de formação, de maturidade pessoal e profissional, e de delimitação da área de intervenção (educação especial, por exemplo), esta terapia será sempre única – “Precisamos de uma bitola com a qual possamos afirmar que as pessoas são musicoterapeutas, de um sistema de certificação que possa proteger os profissionais e os utentes e de demonstrar que a música é fascinante mas que, acima de tudo, os seus resultados em termos da saúde já são empiricamente validados”, revelou perante um auditório bem composto.

À data da redação deste artigo, a petição criada pela Associação Portuguesa de Musicoterapia possuía 3474 assinaturas. Para que o pedido seja autenticado, é necessário captar a atenção do Presidente da Assembleia da República e, consequentemente, de todos os partidos, o que se materializará quando se atingir as 4000 assinaturas.

No fim deste encontro, Marisa Raposo revelou: “A musicoterapia é uma motivação profissional total”, Teresa Leite rematou: “É mais do que uma profissão, é uma vocação” e Ana Esperança, com um sorriso genuíno, disse: “A  música é essência”. Sem dúvida alguma, estudantes, profissionais ou simples convidados e convidadas saíram deste dia repleto de atividades com o coração preenchido pelo calor das notas musicais e pela certeza de que a musicoterapia está prestes a chegar a outro patamar. Porque juntos conseguiremos mantê-la viva, e mais: corroborá-la perante toda a comunidade!

AUTORIA

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Se virem uma rapariga com o cabelo despenteado, fones nos ouvidos e um livro nas mãos, essa pessoa é a Maria. Normalmente, podem encontrá-la na redação, entusiasmada com as suas mais recentes descobertas “AVIDeanas”, a requisitar gravadores, tripés, câmaras, microfones e o diabo a sete no armazém ou a escrever um post para o seu blogue, o “Estranha Forma de Ser Jornalista”… Ah, e vai às aulas (tem de ser)! Descobriu que o jornalismo é sua minha paixão quando, aos quatro anos, acompanhou a transmissão do 11 de setembro e pensou: “Quero falar sobre as coisas que acontecem!”. A sua visão pueril transformou-se no desejo de se tornar jornalista de investigação. Outras coisas que devem saber sobre ela: fica stressada se se esquecer da agenda em casa, enlouquece quando vai a concertos e escreve sempre demasiado, excedendo o limite de caracteres ou páginas pedidos nos trabalhos das unidades curriculares. Na gala do 5º aniversário da ESCS MAGAZINE, revista que já considera ser a sua pequena bebé, ganhou o prémio “A Que Vai a Todas” e, se calhar, isso justifica-se, porque a noite nunca deixa de ser uma criança e há sempre tempo para fazer uma reportagem aqui e uma entrevista acolá…!