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A tragédia das cheias de 1967 vista pelos olhos de uma moradora de Odivelas

Na noite de 25 de novembro de 1967, chuvas torrenciais caíram sobre a região de Lisboa e Vale do Tejo, provocando inundações devastadoras, milhares de desalojados, estradas destruídas, campos alagados, aldeias submersas e 700 mortos.

Fonte: citizengrave.blogspot

A chuva que atingiu a área da Grande Lisboa afetou os concelhos de Cascais, Oeiras, Amadora, Odivelas e Loures, provocando a destruição de prédios, o arrastamento de casas e carros – especialmente nas áreas mais pobres e em terrenos ocupados de forma precária – o afogamento de animais, milhares de desalojados e centenas de mortos.

Fonte: Facebook de Susana Rosa e Cândida Pimenta – Jornal O Observador

A passagem desta depressão, proveniente da região da Madeira, traduziu-se num evento extremo, cuja quantidade de precipitação registada num período de quatro a nove horas foi compatível com um período de recorrência superior a 100 anos.  Durante esses dois dias, choveu o equivalente a 1/5 da precipitação total de 1967.

A principal causa das cheias foi, de facto, a elevada precipitação. No entanto, o que tornou esse acontecimento tão mortífero foi a construção inadequada em áreas próximas aos leitos fluviais, a coincidência com a hora de maré alta e o facto de ter ocorrido durante a noite, enquanto a população dormia. A pobreza em que as populações da região de Lisboa viviam e a ausência de meios de socorro foram realçados com as cheias. A tragédia evidenciou as profundas desigualdades sociais e a precariedade em que viviam muitas pessoas.Devido à censura imposta pelo governo de Salazar na época, poucos portugueses fora da área de Lisboa se aperceberam da dimensão das cheias de 1967. A comissão de censura do regime salazarista escondeu o número de mortos e os impactos causados, daí não se ter a certeza do número de falecidos, pelo que se estimou a quantidade de 700. No entanto, a catástrofe natural conseguiu atravessar fronteiras, tendo, com isso, desencadeado um movimento de solidariedade internacional, onde países como a Inglaterra, Itália, França e, até mesmo, o Principado do Mónaco ofereceram donativos a Portugal.

Para saber mais sobre esta catástrofe natural e o seu impacto nos moradores de uma das regiões mais afetadas, Odivelas, a ESCS Magazine entrevistou Maria Margarida Vasques, de 86 anos, uma das moradoras da freguesia de Odivelas, um dos lugares que registou as maiores quantidades de chuva e os maiores estragos nesses dias.

Onde é que morava na época das cheias?

Morava na Patameira, que pertence à freguesia de Odivelas, bastante perto da Ribeira de Odivelas, que transbordou.

Fonte: citizengrave.blogspot

Lembra-se de como foi o início da inundação? Como é que se apercebeu de que algo grave estava prestes a acontecer?

Apercebi-me quando reparei que começou a chover muito e vi a água a acumular-se na rua rapidamente. A chuva estava a subir e a subir, quase que chegava ao primeiro andar, onde eu morava. Foi por pouco que não chegou. 

A senhora e a sua família foram afetadas diretamente?

Felizmente, não perdi nenhum bem material nem familiar. Os vizinhos do rés do chão é que perderam tudo, tendo as casas ficado inabitadas.Por onde a água entrou, não perdoou. Os bombeiros foram bastante afetados também. Lembro-me de haver dezenas de corpos nas instalações do quartel de bombeiros, onde as famílias iam para identificá-los. 

O que foi mais marcante para a senhora durante esse período?

O que mais está marcado na minha memória foi mesmo quando vi que a chuva a qualquer momento podia chegar ao primeiro andar do meu prédio. Ainda retenho na memória os frigoríficos, cadeiras, tudo na rua a ser levado pela chuva. As imensas mortes vão igualmente permanecer como sendo um fenómeno nunca antes visto aqui na região.

Como é que as autoridades locais reagiram? E quanto tempo levou para que a vida voltasse ao normal para a senhora e para a sua família?

A ajuda foi, inicialmente, lenta. Já passado o ocorrido, as autoridades locais andavam de volta do aparato a ver os estragos e como é que as coisas estavam. Mas o fundamental foi a solidariedade, até porque as vias de comunicação ficaram intransitáveis, isolando as pessoas após a tragédia. Já posteriormente, reconstruíram as estradas e anilhas mais compridas e largas passaram a ser utilizadas. Depois disto, nunca mais houve nenhum tipo de tragédia como a de 1967. Até que voltasse tudo à normalidade ainda levou algumas semanas.

Houve histórias ou eventos específicos que ficaram marcados na memória coletiva da sua comunidade?

Quando foi isto das cheias, fez-se o cemitério de Odivelas, com o intuito de meter os inúmeros falecidos das cheias.

Fonte: Página Oficial da Liga dos Combatentes

Sei que no ano passado a Biblioteca Municipal D. Dinis (Odivelas) realizou uma homenagem aos falecidos das cheias, intitulada de “Memorial das Vítimas das Cheias”. É sempre bom relembrar. 

Fonte da capa: RTP

Artigo revisto por Leonor Almeida

AUTORIA

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Raquel Bernardo tem 18 anos, é natural de Lisboa e entrou este ano para o primeiro ano da licenciatura de jornalismo. O jornalismo sempre foi uma área que a cativou desde jovem uma vez a mesma ter sido desde criança bastante comunicativa (e que nunca parava de falar). Transmitir informação e conhecimento aos outros sempre foi algo que a Raquel considerou imprescindível numa sociedade tão agitada como a nossa, olhando o papel dos jornalistas como nobre.
Desde pequenina que demonstrou uma grande paixão pela escrita, paixão essa semeada pelo seu pai, escritor de rubricas, e, com esta entrada para a ESCS magazine, a mesma espera tanto melhorar as suas qualidades de escrita como aprofundar a sua relação com esta.