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As Crises silenciosas: África e outros palcos de terror ignorados

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia e, mais recentemente, o conflito israelo-palestiniano, dividem entre si a maior parte da atenção mediática. A proximidade cultural e geográfica dos conflitos parece cativar a comunidade europeia. Os meios de comunicação viram-se para Gaza e para o leste europeu, focos abundantes de material noticioso que originam todos os dias novos vídeos, fotografias e reportagens.

No entanto, em todo o mundo, há crises e horrores que escapam à comunicação social. As guerras nos países em desenvolvimento são praticamente ignoradas e as notícias acerca dos horrores vividos noutras latitudes escasseiam.

A violência e a fome no Haiti, o problema dos refugiados em Mianmar e a questão do enclave de Nagoro-Karabakh e das tensões políticas agressivas entre o Azerbaijão e a Arménia são alguns dos conflitos que dificilmente obtêm tempo de antena – apesar de causarem perdas humanas e materiais incomensuráveis.

O continente africano, sobretudo, destaca-se como ponto de confluência de grandes desastres tanto naturais como artificiais. Apesar do pouco espaço mediático que os conflitos africanos ocupam, são muitos os conflitos em vigor neste continente que manifestam a urgência de auxílio internacional.

Na Etiópia, uma guerra civil extremamente mortífera  pelo controlo da região do Tigré opõe os exércitos da Etiópia e da Eritreia ao exército da Frente de Libertação Popular do Tigré.

Na República Democrática do Congo, os confrontos entre o exército congolês e grupos armados rebeldes como o M23, aliados a um intensíssimo surto de cólera e às inundações, expõem a nu a falta de acesso da população a condições básicas de vida.

Em Moçambique, a agitação pós-eleitoral junta-se a condições climáticas devastadoras e a conflitos armados para dar origem a uma situação de insustentabilidade política. A insegurança e a precariedade resultaram numa crise alargada de refugiados.

No Sudão, a necessidade de cuidados médicos e produtos alimentares é um fator agravante do conflito brutal que ocorre numa das zonas mais negligenciadas do mundo.
Em Mali e em Níger, as condições de vida tornam-se praticamente inexistentes, e os exemplos de guerra, sede, fome, deslocações forçadas e destruição repetem-se nestes e noutros países de África, condenados ao silêncio imposto pelos media ocidentais.

Fonte: iStock

Na região do Sahel o conflito é constante. Os movimentos islâmicos radicais enfrentam os governos dos países africanos que partilham o território: Mali, Chade, Níger e Burkina-Faso.

O Burkina-Faso é um país que se insere num contexto internacional complexo e de efervescente guerrilha. Internamente enfrenta também há muitas décadas um ambiente de incerteza política, insegurança e vulnerabilidade, tendo obtido a sua independência há apenas 65 anos (1960).

Fazendo parte da Parceria Trans-Saariana de Contraterrorismo, o Burkina-Faso não era alheio aos tumultos na região de Sahel que afetavam os países vizinhos, Mali e Sudão. Os seus esforços por manter a paz, no entanto, não foram frutíferos e o país acabou por ser alvo da atenção de terroristas.

A situação política tensa e incomportável para a nação levou, em 2014, a uma revolta contra a proposta de uma emenda constitucional que permitiria ao presidente Blaise Compaoré (no poder há 27 anos) concorrer a um quinto mandato. A insurreição popular de 28 de outubro de 2014 levou o capitão Ibrahim Traoré a assumir o cargo de Chefe de Estado interino.

Foi no contexto deste cenário governativo precário que, pouco depois, em 2015, o país passou a sofrer ataques transfronteiriços e raides esporádicos ao seu território. Estas investidas terroristas agravaram a insegurança e a violência, gerando miséria, fome, vagas de deslocações forçadas e escassez de todo o tipo de recursos.

O clima distópico do Burkina-Faso motivou, num só ano (2022), dois golpes de Estado, o segundo dos quais instaurador de um regime militar que permanece em vigor até hoje, apesar de se considerar um “governo de transição”.

Fonte: iStock

Ao longo da última década têm-se intensificado os ataques de grupos jihadistas salafistas ligados à Al-Qaeda, o que já resultou na morte de cerca de 20 mil pessoas e em mais de dois milhões de deslocados desde 2015.

Um dos fatores responsáveis pela dramatização do conflito é a crise climática caracterizada por períodos de seca e cheias que impossibilitam a agricultura de subsistência, fundametal para garantir a sobrevivência do povo do Burkina-Faso.

O terror vivido no Burkina-Faso originou uma enorme crise humanitária. Em 2024, 6,3 milhões de habitantes deste país africano carenciavam de ajuda humanitária urgente, destacando-se a necessidade de proteção, água, higiene, saneamento e cuidados de saúde.

A crise política, humanitária e climática que assola o Burkina-Faso é mais um exemplo de um conflito ignorado pelos meios de comunicação tradicionais. Este é mais um dos países que sofre pesadas baixas diariamente, onde a ajuda é mais necessária, mas mal chega – uma das histórias do mundo que fica por contar.

Fonte da capa: iStock

Artigo revisto por Eva Guedes

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O André é um orgulhoso buraquense, movido a café. Começou este ano a licenciatura de jornalismo na ESCS e o seu percurso na Magazine. Adora sol, mar, churrasco, convívio, rock, humor e livros. Preza, sobretudo, o amor pela escrita e a vontade de marcar a diferença um dia, contribuindo um bocadinho para um mundo melhor.
Na ESCS Magazine vê uma oportunidade de aprender e arriscar.