Baião vs Panteão: a batalha pelos restos mortais de Eça
“Eça de Queiroz certamente escreveria uma das suas melhores crónicas de sempre, cheia de divertidas e jocosas ironias, sobre esta cerimónia, sobre nós que aqui estamos.”
Esta frase é de José Pedro Aguiar Branco, presidente da Assembleia da República. Foi dita na cerimónia da trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional – cerimónia essa que pôs um ponto final na batalha que há quatro anos começou.
José Maria Eça de Queiroz nasceu em novembro de 1845, no então número um do atual Largo Eça de Queiroz, na Póvoa do Varzim. Licenciou-se em Direito em 1866 pela Universidade de Coimbra. Exerceu advocacia, jornalismo e diplomacia, mas foi pela escrita que ficou conhecido. Não há português que não conheça o nome deste autor de romances realistas com audaciosas críticas à sociedade, cujas obras foram traduzidas para várias línguas.
Apesar da polémica recente, a trasladação dos restos mortais de Eça não é um tema novo. Começa em 1900, quando o escritor morre em Paris e o seu corpo é transportado para Lisboa. É sepultado no jazigo dos condes de Resende até ser movido para Santa Cruz do Douro, no concelho de Baião. A decisão por trás desta segunda trasladação foi tomada por Maria da Graça Castro, neta do escritor e criadora da Fundação Eça de Queiroz.
Foi no jazigo da fundação criada por Maria que o corpo de Eça descansou durante anos.
Foi em dezembro de 2020 que o atual presidente da Fundação, Afonso Reis Cabral, entrou com uma proposta para que fossem concedidas honras de Panteão Nacional a Eça, seu trisavô. A proposta chegou à Assembleia da República pelas mãos do Partido Socialista em janeiro do ano seguinte, tendo sido aprovada por unanimidade.
O “sim” da Assembleia da República começou uma batalha que duraria cerca de quatro anos. Uma minoria dos familiares vivos de Eça lutou para que os seus restos mortais se mantivessem no cenário que inspirou o romance A Cidade e as Serras.
Os restos de Eça deveriam ter sido transportados para o Panteão Nacional em 2023, quando foi imposta, por esta minoria de familiares, uma providência cautelar para impedir a trasladação. Também houve quem, em setembro desse mesmo ano, se manifestasse contra a decisão da Assembleia da República, sob o mote: “Eça é da nação, Santa Cruz do Douro é o seu Panteão”.
Esta manifestação reuniu mais de 50 pessoas em Baião. “Temos a certeza de que o próprio Eça não a aceitaria”, afirmou António Fonseca, antigo presidente da freguesia e porta-voz do movimento que se opôs à trasladação de Eça, ao jornal A Verdade. “Em vez de trazer algo para o interior, Lisboa ainda quer levar o pouco que o interior tem”.
Uma vez que não existem, segundo o Supremo Tribunal Administrativo, vontades expressas pelo escritor sobre o local onde queria ser sepultado, esta instituição acabou por decidir a favor da maioria dos herdeiros de Eça e do Panteão Nacional.
A trasladação dos restos mortais de Eça para o “lugar dos imortais”, como lhe chamou o Presidente da República, aconteceu no passado dia 8 de janeiro. A cerimónia contou com a presença de mais de 300 convidados e destacou-se pela leitura de excertos de diversas obras do escritor.
O elogio fúnebre foi feito pelo atual presidente da Fundação Eça de Queiroz. Afonso Reis Cabral considera que a obra do seu antepassado “mantém-se fundamental para a formação literária e humana”.
Marcelo Rebelo de Sousa marcou presença na cerimónia, dizendo que a maior homenagem a Eça será, “sem dúvida, reeditá-lo, estudá-lo e, acima de tudo, lê-lo”. Também Aguiar Branco marcou presença na cerimónia, destacando o papel de Eça de Queiroz enquanto “reformista”.
125 anos após a sua morte, os restos mortais de Eça têm finalmente uma morada definitiva. O escritor descansa no Panteão Nacional, ao lado de figuras importantes da Literatura, como Almeida Garrett e Sophia de Mello Breyner.
Artigo corrigido por Inês Gomes
Imagem de capa: Observador