Crise na habitação em Portugal: Quando ter uma casa se torna um privilégio
Durante décadas, foi-nos ensinado que o estudo, o trabalho e esforço seriam suficientes para alcançar uma vida minimamente estável. Hoje, essa promessa parece cada vez mais distante. Em Portugal, encontrar casa tornou-se uma luta. Já não é apenas uma questão de localização ou gosto pessoal: é uma corrida por algo que, ironicamente, deveria ser um direito: o direito à habitação.
Para os jovens, o cenário é ainda mais desolador. Muitos continuam a viver com os pais até muito depois dos 30 anos, não por escolha, mas por absoluta necessidade. Os salários são baixos, os contratos são precários e o preço das rendas, sobretudo nos grandes centros urbanos, está completamente desalinhado com a realidade económica da maioria da população. As grandes cidades, como Lisboa e Porto, transformaram-se em locais para turistas e investidores, deixando os residentes em segundo plano.

O Estado português reconheceu, tardiamente, que a situação é insustentável, e nos últimos anos surgiram algumas medidas para apoiar os jovens. Entre elas, o apoio à renda jovem, que promete comparticipar mensalmente o valor da renda, consoante os rendimentos, e os incentivos ao arrendamento acessível. Há ainda linhas de crédito bonificado para compra de habitação própria, exclusivas para quem tem menos de 35 anos. São medidas que, no papel, parecem acertadas, mas, na prática, têm um impacto muito limitado.
Por um lado, os valores atribuídos raramente acompanham a inflação e a escalada do mercado. Por outro, os critérios de acesso excluem muitos jovens que, apesar de ganharem “acima do limiar”, continuam sem conseguir pagar uma casa com dignidade. É a chamada “velha máxima portuguesa”: quem precisa mesmo, muitas vezes não se qualifica. E quem se qualifica, quase sempre se vê afundado em burocracias intermináveis, atrasos ou simplesmente ausência de resposta.
Ao mesmo tempo, a especulação imobiliária segue livre e impune. Há apartamentos devolutos transformados em alojamentos locais, prédios inteiros vendidos a fundos internacionais e um número crescente de casas vazias nas mãos de quem espera apenas a sua valorização e posterior venda, a preços absurdos. E, enquanto isso, milhares procuram desesperadamente um teto que não lhes leve o ordenado por completo.

Mais do que apoios pontuais, o que falta é uma estratégia habitacional eficaz e estruturada. É urgente repensar as políticas públicas habitacionais que não se limitem a remendar problemas, mas que ataquem a raiz dos mesmos. Incentivar a construção de habitação pública e cooperativa, impor limites reais ao alojamento local, taxar fortemente os imóveis devolutos e regular de forma eficaz o mercado de arrendamento. Sim, estas medidas não são vistas com bons olhos entre os investidores, mas são necessárias para proteger quem vive, trabalha e constrói o país todos os dias.
A verdade é que o discurso político continua, na maior parte dos casos, bastante afastado da realidade. Fala-se em atrair nómadas digitais e investimento estrangeiro como se isso não tivesse efeitos colaterais. Fala-se em “ajudas aos jovens” enquanto os próprios jovens continuam a fazer contas e a cortar em tudo para pagar uma renda num quarto partilhado, num T0 minúsculo ou numa casa sem condições.
Quando a habitação se torna um privilégio, a desigualdade instala-se. E isso não afeta apenas os jovens: afeta a mobilidade social, a natalidade, o crescimento económico, afeta a esperança num dos países da Europa que mais exporta jovens qualificados.
Mais do que nunca, é tempo de encarar a habitação como aquilo que sempre deveria ter sido: um direito, e não um prémio de consolação para quem consegue jogar bem o jogo do mercado imobiliário.
Fonte: Unsplash
Artigo revisto por Diogo Bértola
AUTORIA
Sonhador por natureza, curioso e sempre atento ao que o rodeia, o Samuel de 21 anos, finalista da licenciatura em Publicidade e Marketing, encontrou na editoria de Opinião o lugar ideal para dar asas às suas ideias, um espaço onde pode escrever sobre o que mais o intriga: o mundo em constante mudança. Para ele, opinar é mais do que escrever, é pensar alto. Gosta de refletir sobre a atualidade e de transformar pensamentos soltos em palavras que façam sentido de ser lidas. Vê na escrita uma forma de explorar o mundo e partilhar a sua visão com quem o lê.

