Literatura

I’m Glad My Mom Died: o livro de memórias de Jennette McCurdy

I’m Glad My Mom Died é um livro de memórias escrito por Jennette McCurdy, ex-atriz infantil que ficou especialmente conhecida pela série iCarly do Nickelodeon. Além de contar a história de uma criança empurrada pela mãe para a frente das câmaras, traça uma jornada de crescimento pessoal, de interações familiares e, particularmente, de uma relação conflituosa entre a autora e a mãe, Debra McCurdy. 

O livro é contado na primeira pessoa e descreve a importância que a mãe teve na vida da autora. Jennette descreve como desde cedo aprendeu a ler a mãe, de modo a evitar comportamentos que sabia que a irritariam, a prever as suas reações, mudanças de humor e acessos de raiva, marcada por uma preocupação constante pelas emoções da mãe. Em várias passagens do livro percebemos como a necessidade de a agradar marcou o crescimento de Jennette. Estas preocupações são intensificadas pelo facto de Debra McCurdy ter sido diagnosticada com cancro da mama quando Jennette tinha dois anos. 

A melhor maneira que consigo descrever é que, desde que me lembro, o ar em casa parecia uma respiração presa. Como se estivéssemos todos à espera de que o cancro da mãe voltasse.” (capítulo 1) 

Debra McCurdy desde cedo projetou o seu sonho de ser famosa em Jennette que, embora estivesse determinada a agradar a mãe, rapidamente percebeu que, não só não era naturalmente boa a atuar, como o odiava fazer. A certo ponto, Jennette descobre uma paixão pela escrita – que, para ela, representava o oposto do que ser atriz representa – mas rapidamente é desencorajada pela mãe, que insiste em empurrá-la para o mundo a que, segundo ela, foi negada. 

“«Eu não quero atuar mais», digo antes de sequer reparar que o disse. A mãe olha para mim pelo espelho retrovisor. Uma mistura de choque e desapontamento nos seus olhos. Arrependo-me imediatamente de ter dito alguma coisa. «Não sejas tonta, tu adoras atuar. É a tua coisa preferida no mundo», diz a mãe de uma forma que faz parecer uma ameaça.” (capítulo 22)

Na mesma dose que se recusa a aceitar a falta de paixão da filha pelas câmaras, Debra McCurdy recusa-se a aceitar o seu crescimento. Isso leva-a, a certo ponto, a encorajar a filha a restringir as suas calorias – um hábito que a própria desenvolveu em criança e que manteve até adulta – de modo a impedir o seu desenvolvimento natural. Todas as noites, Jennette conta as calorias com o apoio e incentivo da mãe, pesa-se e planeia as refeições para o dia seguinte. Desenvolve, assim, uma relação muito pouco saudável com a comida, que carrega consigo até adulta. 

“As pessoas parecem associar magro a “bom”, gordo a “mau” e demasiado magro a “mau” também. Há uma janela pequena de “bom”. É uma janela na qual caio atualmente, embora os meus hábitos estejam longe de serem bons. Estou a abusar do meu corpo todos os dias. Eu sou miserável. Estou esgotada. E ainda assim os elogios continuam a chegar.” (capítulo 60)

O livro dá-nos uma imagem crua e franca, embora com muito humor, de uma criança que cresce num ambiente disfuncional, que dá por si a lidar com os seus problemas em público, incentivada por uma mãe emocionalmente instável. Este livro faz-nos refletir sobre, por um lado, a crueldade do mundo das crianças que abandonam o mundo infantil para viver num mundo de adultos exigente e muitas vezes sinistro, onde carregam a responsabilidade de sustentar a família, de pagar as contas e de lidar com a pressão da imagem. E, por outro lado, sobre uma jornada de descoberta pessoal, de emancipação emocional, de relacionamentos, perda e, acima de tudo, perdão. 

Fonte da capa: ew.com

Artigo revisto por Catarina Policarpo

AUTORIA

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A Raquel sempre gostou de ler e escrever. Apaixonada por livros de distopias, decidiu tirar Filosofia, onde passou 3 anos a refletir sobre ética e questões, na maioria das vezes, sem resposta. A vida trouxe-a ao Jornalismo, um interesse que já tinha há muito tempo, e a sua permanente paixão por livros fê-la entrar em Literatura na ESCS Magazine.