Ciência

Intoxicação por metanol: tudo o que precisas de saber

Nas últimas semanas, os surtos de intoxicação por metanol em bebidas adulteradas voltaram a alarmar as autoridades de saúde em vários países, provocando dezenas de mortes e colocando em evidência os perigos do consumo de álcool de origem duvidosa.

Estima-se que, desde 1998, cerca de 40 mil pessoas em todo o mundo tenham sido afetadas por intoxicações provocadas por metanol, resultando em aproximadamente 14,4 mil mortes. O metanol, também conhecido como álcool metílico, é uma substância altamente tóxica, frequentemente utilizada na indústria química e como solvente, mas que, quando ingerida, pode causar graves danos à saúde, incluindo cegueira e morte.Nas últimas semanas, vários países, como o Brasil, a Índia, a Rússia, registaram novos surtos de intoxicação por metanol associados ao consumo de bebidas adulteradas. O caso brasileiro foi o mais mediático, com o Ministério da Saúde a confirmar pelo menos 11 ocorrências recentes. Antes disso, em setembro, a Rússia já tinha registado 25 mortes relacionadas com o consumo de bebidas contaminadas.

O metanol é um produto químico de uso industrial, presente, por exemplo, em diluentes de tinta e em fluidos de limpeza para para-brisas. Não se destina ao consumo humano e é altamente tóxico. Esta substância pode estar presente em pequenas quantidades na maioria das bebidas fermentadas, como a cerveja, o vinho ou a sidra, uma vez que pode ser naturalmente produzida durante a fermentação de frutas como a maçã, a uva ou a ameixa. No entanto, quando a produção é devidamente controlada e fiscalizada, as concentrações de metanol mantêm-se em níveis baixos e seguros, não representando risco para os consumidores.

Fonte: Colagem feita pela redatora

O problema surge nas bebidas destiladas, especialmente quando são produzidas de forma artesanal ou ilegal, sem o devido controlo de qualidade. Nestes casos, podem ocorrer falhas no processo de destilação ou mesmo a adição intencional de metanol para aumentar o teor alcoólico, o que resulta em concentrações perigosamente elevadas e potencialmente letais. Por ser visualmente e sensorialmente semelhante ao etanol (álcool próprio para consumo), o metanol é, muitas vezes, misturado a este de forma fraudulenta, tornando-se praticamente indistinguível.

Estes episódios voltam a colocar em evidência a problemática da adulteração de bebidas alcoólicas e a necessidade de reforçar a fiscalização e a sensibilização pública sobre os perigos do metanol, uma substância que, apesar de parecer inofensiva quando misturada com etanol, é letal – mesmo em pequenas quantidades.

Os efeitos do metanol no corpo

O metanol representa um perigo extremo para o organismo humano, uma vez que, após ser ingerido, é metabolizado pelo fígado em substâncias ainda mais tóxicas, nomeadamente formaldeído e ácido fórmico. Estes compostos interferem com o funcionamento celular, afetando de forma particularmente grave o sistema nervoso central, os olhos e o sangue. O formaldeído é altamente reativo e tóxico para os tecidos, enquanto o ácido fórmico inibe a capacidade das células para produzirem energia, levando à acumulação de ácido no sangue.

Os primeiros sintomas de intoxicação podem surgir entre duas e 48 horas após a ingestão, dependendo da dose consumida e da presença simultânea de etanol (que pode atrasar a metabolização do metanol). Entre os sinais iniciais mais comuns estão dor de cabeça intensa, tonturas, náuseas, vómitos, visão turva, fraqueza, dor abdominal e confusão mental. Com a progressão da intoxicação, os efeitos tornam-se mais graves, podendo incluir cegueira permanente, convulsões, coma e insuficiência respiratória.

Fonte: Pratofundo

Durante a metabolização do metanol, o corpo passa a produzir grandes quantidades de ácido fórmico, o que provoca um aumento da acidez no sangue, uma condição designada por acidose metabólica. Para tentar compensar este desequilíbrio, o organismo acelera o ritmo respiratório, fazendo com que a pessoa respire de forma rápida e superficial, numa tentativa de eliminar o excesso de dióxido de carbono e reduzir a acidez. Se não for tratada rapidamente, esta condição pode conduzir à falência múltipla de órgãos e à morte.

O impacto do metanol no corpo humano
Fonte: g1

As curas

O tratamento médico de emergência para a intoxicação por metanol inclui a administração de etanol farmacêutico ou de fomepizol, substâncias que competem com o metanol pelo mesmo sistema enzimático hepático, o álcool desidrogenase. Tanto o metanol como o etanol utilizam esta enzima no fígado para serem metabolizados. Quando o fígado está ocupado a processar o etanol, o metanol deixa de ser convertido rapidamente nas suas formas tóxicas, o que permite ganhar tempo para a sua eliminação segura do organismo.

O tratamento com etanol pode ser feito por via oral ou intravenosa, mas exclusivamente com etanol em grau farmacêutico, isto é, com pureza adequada para uso médico. O objetivo é manter níveis constantes de etanol no sangue durante um período prolongado, até que o metanol seja eliminado de forma natural pela respiração e pela urina, sem se transformar nos compostos tóxicos responsáveis pelos efeitos graves da intoxicação.

O fomepizol, por sua vez, é um antídoto específico e, atualmente, é considerado o tratamento de eleição em muitos países. Este impede também que o metanol seja metabolizado no fígado. Ao contrário do etanol, o fomepizol apresenta a vantagem de ter efeitos colaterais mínimos e de não causar embriaguez, além de permitir um controlo mais previsível e seguro das concentrações plasmáticas. Apesar de ser mais caro e de nem sempre estar disponível em todos os sistemas de saúde, o seu uso tem demonstrado elevada eficácia na redução de complicações graves e na mortalidade associada à intoxicação por metanol.

Fonte: Rafael Nasciemnto/MS

Em casos mais severos, estes processos são geralmente combinados com hemodiálise, que ajuda a filtrar o sangue e a remover tanto o metanol como os seus metabolitos de forma mais rápida e eficaz. Desta forma, o corpo consegue libertar-se da substância antes de provocar danos neurológicos e visuais irreversíveis ou levar à falência de órgãos vitais.

As autoridades de saúde desempenham um papel fundamental na fiscalização e controlo da produção e comercialização de bebidas alcoólicas, garantindo que os produtos disponíveis ao público cumprem as normas de segurança. A deteção precoce de bebidas adulteradas, a realização de inspeções regulares e a aplicação rigorosa das leis contra a produção e distribuição ilegais são medidas essenciais para travar a circulação de álcool contaminado. Além disso, é indispensável o reforço da cooperação entre entidades nacionais e internacionais, de forma a controlar surtos de intoxicação e partilhar rapidamente informações que possam salvar vidas.

Paralelamente, a sensibilização pública é uma ferramenta decisiva na prevenção de tragédias associadas ao metanol. Campanhas educativas que informem a população sobre os riscos do consumo de bebidas de origem duvidosa, a importância de adquirir produtos em locais certificados e os sinais precoces de intoxicação podem fazer toda a diferença. Em comunidades onde o consumo de álcool ilegal é mais comum, é vital promover alternativas seguras e acessíveis, aliadas à consciencialização sobre as consequências devastadoras da exposição ao metanol. Proteger vidas depende tanto da ação firme das autoridades como da responsabilidade e da informação de cada cidadão.

Fonte da capa: Isabella Mendes | Pexels
Artigo revisto por: Madalena Monteiro

AUTORIA

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A Mariana é estudante do 1.º ano de Jornalismo na ESCS. Desde muito cedo descobriu uma paixão genuína pela comunicação, sempre fascinada pelo poder das palavras e pelas diferentes formas de contar histórias. Essa vontade de dar voz ao que a rodeia levou-a a seguir o seu percurso de sonho: o jornalismo. Hoje, vê na ESCS o espaço ideal para crescer, aprender e desafiar-se, acreditando que, no futuro, poderá usar a sua voz e o seu trabalho para fazer a diferença no mundo.