Literatura

“Não está ninguém em casa.”

Agora, tinha todo o tempo do mundo. Para quê?” – estas são as frases que encerram uma obra intemporal, dedicada não só aos jovens, como também aos pais: A Lua de Joana. Embora este livro seja classificado na categoria de literatura juvenil, os temas nele presentes ultrapassam os jovens, chamando a atenção para várias questões centradas no comportamento dos adultos. Trata-se de uma história delicada que, do meu próprio ponto de vista, deve ser lida dependendo da maturidade do leitor. Destacam-se a problemática do mundo da droga e a perda de amigos e familiares, mas, ao longo da história, surgem temas igualmente importantes, como a ausência dos pais, a solidão e a perda de interesse geral por parte dos jovens em vários âmbitos, incluindo os estudos e as atividades pelas quais outrora mostraram entusiasmo. 

São inúmeras as obras que podemos relacionar com o tema da droga, como Os filhos da droga, de Christiane F., que fala sobre uma jovem que chega ao ponto de se prostituir para manter o vício. Outro exemplo é a Viagem ao mundo da droga, de Charles Duchaussois, que é referido n´A Lua de Joana e contempla o consumo, o tráfico e os efeitos da droga. Por esta razão, decidi falar da obra de Maria Teresa Gonzalez, refletindo sobre temáticas para além do que acaba por ser o cerne de outras obras.

A história gira em torno de Joana, uma jovem, inicialmente com apenas 13 anos, que perde a sua melhor amiga, Marta. Joana não sabe exatamente como lidar com este acontecimento e acaba por começar a escrever cartas para Marta. Algo semelhante a um diário mas dirigido à amiga, sendo a forma mais fácil de expressar os seus sentimentos e de falar sobre praticamente tudo o que se ia passando na sua vida. A verdade é que a protagonista não consegue perdoar Marta sem antes passar por algumas experiências semelhantes, relacionadas com a droga. Marta morreu de overdose, e ninguém, incluindo Joana, conseguia entender o porquê de ela ter tomado as decisões que a conduziram a esse final trágico. Joana é inicialmente uma jovem otimista, responsável, um exemplo para a sua turma, e não perde o seu interesse nas aulas, no basquete, na associação de estudantes… Preocupa-se inclusive com Diogo, o irmão de Marta, que não aceita o sucedido. Tudo parece manter a mínima normalidade, sendo algo em que a avó de Joana ajuda no dia a dia. A avó Ju, como lhe chama a protagonista, acaba por “ser” a sua força. É quem a incentiva em tudo, quem mais a apoia quando os próprios pais de Joana não estão presentes. É com a sua avó que Joana mais desabafa, depois de Marta. Infelizmente, a avó Ju adoece e acaba por morrer, fazendo com que Joana comece a entrar em rutura. Perder o seu maior apoio foi a gota de água para seguir o mesmo caminho que Marta e Diogo, que também julgaram ver na droga uma saída para os seus problemas.

Se uma pessoa, neste caso uma jovem – que vive com os pais e o irmão, pratica desporto, atinge ótimos resultados na escola, destaca-se pela positiva na organização de iniciativas e não aparenta ter qualquer tipo de problemas com os colegas -, porque razão não haveria de ser feliz? Que tipo de problemas essa mesma jovem pode ter? Afinal de contas, não lhe falta nada… Esta era a visão que os pais de Joana tinham da própria filha. Não teriam nenhuma razão para se preocupar, mas também não tinham tempo para tal. Este é o maior erro dos pais, no que diz respeito aos seus próprios filhos: não terem tempo para se preocupar. Eles têm de trabalhar para poder dar tudo o que conseguem aos filhos, dar aquilo que eles próprios muitas vezes não tiveram a oportunidade de ter quando tinham a idade deles. Acabam por demonstrar a sua maneira de os amar de uma forma um pouco distinta, que claramente não chega para lhes dar o apoio necessário. Às vezes querem dar tanto que não dão o que os filhos realmente precisam: apenas um pouco de atenção. É mais fácil não ter tempo. É mais fácil comprar-lhes prendas de vez em quando. A ironia desta história acaba por ser o próprio pai de Joana dar-lhe inúmeros relógios, sendo que o próprio nunca tinha tempo para estar com os filhos… Não tinha a noção do tempo que acabou por perder. Nunca lhe deu o devido valor até acontecer uma tragédia e perceber que nunca mais poderia recuperar esse tempo com a filha. Por outro lado, a mãe de Joana, embora estivesse um pouco mais presente na vida da filha, acabou por cometer o mesmo erro. Nunca lhe deram a devida atenção quando Joana precisava da sua ajuda. A protagonista morre e, na sua última carta a Marta, escreve: “Não está ninguém em casa. Acho que vou telefonar a alguém. Talvez à Rita. O Lucas é uma ótima companhia, mas não fala… pode ser que, dentro de alguns anos, com o avanço da tecnologia, deem voz humana aos cães. E toda a gente ficará menos só.” 

Maria Teresa Maia Gonzalez, a autora da obra, mais tarde escreveu a peça Os Herdeiros da Lua de Joana, onde os pais e o irmão de Joana enfrentam a morte da jovem. Já nesta obra o pai de Joana admite que apenas começou a conhecer a filha no dia em que ela morreu e ganha uma nova perceção do tempo, tentando passar a mensagem de que ele não conseguiu fazer nada quando a filha precisou dele e relembra a todos a importância de estar com a família e com os amigos, com aqueles que aparentam estar bem quando não por vezes não estão.

Foto de capa: ByCarolina

Revisto por Ana Janeiro