O amor nos tempos de c(ovid)ólera
Parecia que Gabriel García Márquez estava a adivinhar o futuro. Na sua obra “O amor nos tempos de cólera”, do ano de 1985, o amor de Florentino Ariza era vivido à distância, e foram precisos vários anos para conseguir reconquistar a mulher dos seus sonhos. Estes tempos foram complicados para ambos. Não só a cólera, mas também o marido de Fermina Daza, a sua amada, tornaram-se grandes obstáculos para a concretização deste amor.
Atualmente, os obstáculos são outros. Vivemos a maior pandemia do século XXI, e a forma de viver em sociedade foi totalmente alterada.
Todos nós tivemos de aprender a trabalhar à distância, a estudar e a ter aulas por teleconferências, a comprar roupa e a encomendar comida com entrega em casa e, o mais difícil, a amar à distância.
Todos nós tivemos, também, de reaprender a viver o amor. O maior desafio foi não poder estar com os nossos entes queridos, ou, pelo menos, não estar com aqueles que não vivem connosco. Não poder aproveitar os minutos, horas, dias como se fossem os últimos. Porque, neste momento, nunca sabemos se serão mesmo os últimos. Os apaixonados que não vivem juntos são como Florentino Ariza, a ler à janela da sua apaixonada ou a sonhar com ela constantemente.
Naquela época, a única forma de contacto à distância, e até a mais romântica, era as cartas de amor. Imagina o que seria atualmente falarmos com os nossos amigos ou namorados/as por carta?! O significado seria muito diferente daquele a que estamos habituados. As cartas seriam como um pequeno passo para nos relembrarmos da outra pessoa. Víamos a sua escrita e cheirávamos o seu cheiro, que ficava na carta. Deixado na carta podia também ficar, quem sabe, um beijo com batom da amada.
A verdade é que não estaríamos a apenas um clique, uma chamada ou até uma videochamada de distância. Sem acesso à Internet e sem telemóveis, o tempo passaria muito mais devagar. Isolados do mundo, apenas connosco mesmos, e com as cartas que poderiam demorar dias e dias a chegar.
Muitos de nós estão a sentir-se ansiosos, deprimidos e stressados por não poderem sair de casa, ver os amigos e conviver. Mas há que pensar no passado. Teriam eles aguentado tanto como nós? Teriam eles suportado e respeitado esta quarentena melhor do que nós?
Este livro é de 1985, e eu comecei a lê-lo em 2016. Não me encheu as medidas. As palavras não tinham significado. Mas agora faz sentido.
No ano de 2020, este livro preenche o vazio que estamos a viver atualmente. Pelo que parece, não estamos sozinhos na luta contra o amor à distância e contra uma doença devastadora.
Mas de uma coisa não tenho dúvidas. O reencontro após esta quarentena vai ser como quando Florentina Ariza e Fermina Daza se voltam finalmente a encontrar. Aquele momento não irá ser esquecido nem por eles nem por nós. Este foi o momento mais duro que vivemos, mas se o amor supera a cólera, também vai superar a Covid-19.
Artigo corrigido por Mariana Plácido
AUTORIA
22 anos de vida e nos últimos 9 não se via a fazer nada mais do que jornalismo. Atualmente, a sua grande paixão é a revisão de texto e o seu cantinho Meia Dúzia de Erros. Lisboeta de nascença, mas o seu coração mora onde há mar. Sempre com um olho à procura de novos desafios. E o outro mantém-se no presente, sempre a fazer o melhor possível.