Literatura

O BookTok moldou uma nova geração de leitores?

Nos últimos anos, emergiu um fenómeno improvável no TikTok, um dos palcos digitais mais frenéticos. Sob a hashtag #BookTok, formou-se uma comunidade vibrante que, contra muitas expectativas, trouxe de volta o hábito da leitura para o centro das atenções da Geração Z.

Com este ressurgimento, assistimos à ascensão de estilos literários, com especial destaque para a fantasia e o romance, e à transformação de autores como Colleen Hoover em celebridades à escala global. Contudo, o impacto do BookTok transcende o simples ato de ler. Abre uma nova e lucrativa área na sociedade de consumo, recontextualizando a literatura não apenas como hobby ou mais-valia para o conhecimento, mas também como um artefacto cultural sujeito a tendências.

Este novo paradigma levanta uma questão central: por um lado, o BookTok é positivo por incentivar a leitura; por outro, questiona-se se muitos leem determinados livros apenas para estarem “na moda” ou se o fazem por gosto genuíno. O livro tornou-se, em muitos casos, um acessório estético.

O sucesso do BookTok não passa pela validação da crítica literária tradicional. A força desta comunidade reside na emoção crua e na estética visual. Os vídeos que se tornam virais são, frequentemente, reações viscerais: leitores a chorar compulsivamente ou a expressar choque. Títulos como “livros que me destruíram emocionalmente” funcionam como iscas emocionais muito mais eficazes do que uma sinopse cuidada. Paralelamente, o BookTok romantiza o ato de ler, com vídeos de livros com marcadores coloridos e edições especiais. A experiência torna-se performativa e partilhável, criando um sentido de comunidade e, simultaneamente, uma pressão para nela participar.

Muitas editoras e escritores adaptaram-se rapidamente a esta nova cultura. O mercado editorial percebeu que o BookTok é, talvez, a ferramenta de marketing mais poderosa da última década. Isto reflete-se diretamente no produto: as editoras investem fortemente em novas capas, mais visualmente apelativas para a câmara, e em edições de luxo que se tornam objetos de coleção de grande interesse.

Os próprios escritores parecem ter decifrado o código algorítmico, focando-se em narrativas viciantes, plots que estão em alta (como o enemies to lovers) e várias reviravoltas. A estrutura da narrativa é otimizada para o impacto rápido e para a gratificação instantânea, gerando frases que podem “viralizar”. O risco aqui é a homogeneização: se o sucesso comercial depende da replicação destas fórmulas, que espaço resta para a literatura mais lenta ou experimental?

Chegamos assim à questão principal: o BookTok moldou leitores ou consumidores? A resposta é um híbrido complexo. O fenómeno da “TBR pile” (To Be Read) é sintomático: para muitos, acumular livros promovidos, comprando as edições mais recentes, tornou-se tão ou mais importante do que o ato de os ler. A posse do livro funciona como um marcador de identidade cultural. Esta dinâmica foi notada pela indústria: relatórios como o da The Publishers Association (2023) destacam o poder do TikTok em converter visualizações em compras.

Não se deve, contudo, cair num pessimismo elitista. Para milhares de jovens, o BookTok foi a porta de entrada para o mundo da literatura. Um livro “da moda” pode ser o primeiro passo para, mais tarde, se explorarem clássicos ou géneros mais complexos. Retirar o estigma de que “ler é aborrecido” é, por si só, uma vitória cultural assinalável.

Então, o BookTok moldou, de facto, uma nova geração de leitores? Inegavelmente, sim. Moldou uma geração que lê de forma social, emocional e visual, vendo nos livros um ponto de conexão comunitária. Contudo, é também uma geração moldada pelas forças do consumo rápido e da economia da atenção, que valoriza a estética da leitura e a emoção imediata.

O verdadeiro desafio não está no fenómeno em si, mas no que se segue. Cabe às instituições tradicionais, como as universidades e a própria crítica literária, acolher e acompanhar este entusiasmo renovado. O BookTok provou que os jovens querem ler; o próximo passo é garantir que este impulso não se esgote na tendência, mas evolua para um hábito de leitura crítica, diversificada e duradoura.

Imagem de Capa: News 19

Artigo revisto por Inês Félix

AUTORIA

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A Luíza tem 19 anos e veio do Brasil. Atualmente, está no 1.º ano da licenciatura em Relações Públicas e Comunicação Empresarial na ESCS. Desde pequena, sempre foi fascinada pelo mundo da literatura, adora explorar diferentes estilos e continua completamente apaixonada por tudo o que envolve livros. Com esta oportunidade na ESCS Magazine, espera transformar essa paixão pela escrita em novas ideias e experiências criativas.