O tempo é relativo
A vida é curta. O ser humano é o único que tem consciência daquilo que julga ser algo efémero, embora seja um processo bastante longo comparado a outras vidas, como a de alguns insetos ou até mesmo a dos animais de estimação. É impossível viver sem pensar na morte. A vida não teria certamente o mesmo significado se não nos confrontássemos com o facto de poder ter um fim. Coloca-se a questão de como seria a vida se conseguíssemos parar o tempo.
Matt Haig cria um universo onde a situação se torna possível para algumas pessoas, não no sentido de parar os relógios, mas de alcançar uma longevidade inimaginável atualmente: envelhecer aproximadamente apenas um ano a cada uma década, a partir da adolescência. No livro Como parar o tempo, Tom, assim como outras pessoas que vivem com a sua condição, viveu séculos, ao invés de décadas. Mas em que consiste uma vida onde a maioria daqueles que conhecemos desaparece, atacados pela normalidade do ciclo que culmina com a morte? A maioria das pessoas nasce, envelhece e morre, mas Tom apenas assiste a estes fenómenos.
Viver durante tanto tempo permite assistir em primeira mão à evolução das sociedades, às mudanças sociais, tecnológicas e políticas, conhecer a verdadeira história e as grandes personalidades que a moldaram, indo além dos livros. Conhecer Shakespeare além das suas histórias, conhecer diferentes partes do mundo e ver os próprios locais mudar com o passar dos anos. Seria como viver os versos de Fernando Pessoa:
“Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!”
excerto do poema Viajar! Perder países!, de Fernando Pessoa (1933). Poema completo disponível no Arquivo Pessoa http://arquivopessoa.net/textos/2195
Torna-se difícil não ter raízes e Tom vê-se obrigado a mudar de vida constantemente: mudar de cidade, de emprego e, inclusivamente, de identidade, mas por mais anos que passem, as memórias tornam-lhe impossível fugir ao passado. Para os “albas”, as pessoas que não envelhecem à velocidade normal, as recordações acumulam-se, começando a transformar-se em dores físicas, além de psicológicas. A personagem é fortemente aconselhada a não se apegar a outras pessoas; pode habituar-se a objetos ou comidas mas não aos chamados “efémeros”. Tom acaba por se refugiar durante séculos na solidão, mesmo que aparente pertença à sociedade. Mas ele é humano, e não consegue viver alheio às relações afetivas, algo que o mata e o mantém vivo ao mesmo tempo: apaixonou-se, tendo visto a sua mulher envelhecer e adoecer, enquanto ele ainda aparentava ser um jovem saudável. A perda fê-lo seguir os conselhos dados por outro “alba”, fazendo-o perder o rumo. A condição da personagem é antagónica: pode ser vista tanto como uma bênção como uma maldição. Viver séculos a recordar a perda da sua família e do seu grande amor… Lembrar-se da sua história ao revisitar o sítio onde tudo começou, mesmo estando tudo completamente diferente, desde as pessoas aos edifícios, torna-se um obstáculo à própria vida. É possível tentar fugir de pessoas ou até mesmo de locais, mas não dos próprios pensamentos. É impossível apagar as memórias que carregam sofrimento.
Por outro lado, a promessa de encontrar a filha, que nasceu com a mesma condição, mantém-no vivo e não o permite desistir, embora seja difícil. Mas por quanto tempo é possível seguir um rumo e manter a esperança se não há avanços durante literalmente séculos de existência? Como é possível viver isolado durante tanto tempo? Como diria John Donne, “nenhum homem é uma ilha“, independentemente da época em que viva.
Tom tenta proteger-se na sua ilha, mas com o decorrer da história percebe que é impossível viver desta forma o resto da sua vida. Embora não saiba o que o futuro lhe reserva, reconhece que a sua autoproteção o destrói e decide parar de se isolar, vivendo os seus sentimentos no presente. Iria certamente arrepender-se de se acomodar a uma vida em que se tinha de esconder constantemente, enquanto surgia uma oportunidade de se libertar, de viver verdadeiramente. Além de encontrar a sua filha, apaixona-se novamente, permitindo a si próprio seguir um novo rumo de vida.
Se nós, humanos, nascessemos com esta condição, provavelmente não seguiríamos o mote “não deixar para amanhã o que podemos fazer hoje”. O próprio tempo deixaria de ser soberano, não existindo a urgência da tomada de decisões importantes. Poderíamos levar séculos acomodados a uma vida sem qualquer significado, refugiados da ansiedade por haver sempre mais tempo para fazer o que é necessário.
Viver uma vida “efémera” é ter a oportunidade de viver o presente, sentir a ansiedade de arriscar e de não querer viver em vão. É fazer aquilo que nos dá prazer hoje, porque amanhã pode ser tarde demais, o que não nos permite adiar a felicidade. Talvez seja melhor ser um “efémero”.
Fonte da capa: Unsplash
Artigo revisto por Beatriz Morgado
Bastante interessante! Parabéns