Pessoas da floresta
A menos de dois meses para acabar o ano de 2018, continuam a fechar os olhos a assuntos cruciais. Não só fecham os seus olhos, como fecham os nossos também. Grande parte da população ainda sabe dos acontecimentos através da televisão. Contudo, tal como nos tempos da censura, nem tudo chega a essa plataforma. Quer seja por ir contra os ideais, contra o que vende, ou por não ser “politicamente correto”, são vários os cortes aplicados. Mas, no final de contas, podem cortar-lhes as asas, mas não podem impedi-los de tentar voar. E hoje em dia tudo voa na Internet. Independentemente de todos os esforços para tapar os nossos olhos, acaba por chegar até nós. Foi o caso do Rang-Tang, que passo a explicar.
A cadeia de supermercados “Iceland” anunciou, em abril, que pretendia parar de utilizar óleo de palma nos seus produtos. Estabelecendo o prazo até ao final deste ano, lançou uma campanha promocional de Natal, em conjunto com a Greenpeace, para consciencializar as pessoas o máximo possível. A Iceland afirma que, enquanto não conseguir assegurar que a utilização do óleo não prejudicará as florestas, causando a sua destruição, não irá usá-lo.
https://www.youtube.com/watch?v=TQQXstNh45g
No anúncio podemos ver um orangotango a causar caos no quarto de uma menina. A certa altura, este mostra descontentamento para com o chocolate e o champô da menina. Quando esta questiona o animal acerca do porquê de este estar no seu quarto, o anúncio mostra-nos um flashback: podemos ver a destruição de uma floresta, bem como os seus habitantes – os orangotangos – desesperadamente em fuga. Rang-Tang, o protagonista, conta que os humanos estão a destruir o seu habitat para fazerem comida e champô. Ficamos a saber que a mãe do pequeno mamífero sofreu nas mãos dos homens. No fim, sensibilizada, a menina afirma que o ajudará ao espalhar a sua história. A última interação é um abraço entre ambos. O anúncio termina com uma frase que revela que o vídeo é dedicado aos 25 orangotangos que são mortos a cada dia. A cadeia de supermercados afirma, ainda, que não continuará a comercializar óleo de palma enquanto este causar a destruição das florestas tropicais.
O anúncio nem sequer chegou a ir para o ar. A justificação para tal foi o facto de ser feito com fins políticos, algo que não pode acontecer em anúncios televisivos. O que há de político na chacina de orangotangos? Também não sei. Talvez passe pelo dinheiro que iria custar a todas as empresas envolvidas, visto que se trata de um óleo muito comercializado. Talvez receiem perder clientes. Talvez se estejam simplesmente a marimbar para uns “reles primatas”. Para contextualizar, o óleo de palma é um óleo vegetal feito a partir da gordura do fruto de uma palmeira. Está presente em imensos produtos que compramos diariamente no supermercado, tais como chocolate, cereais, sabão, bolos, doces, gelados e pão. Como é produzido em quantidades maiores do que aquelas que seriam aconselhadas, está a ter repercussões, como desflorestação, morte de animais e até alterações no clima. A Iceland e a Greenpeace (ONG que promove a preservação do ambiente) tentam chamar a atenção para os perigos que o uso abusivo desta substância pode representar para os ditos animais.
A denominação “orangotango”, proveniente da língua malaia (comum no Sudeste Asiático), significa “pessoa da floresta”. Por mais irónico que seja, cada vez estão a expulsar mais “pessoas da floresta”. Consta que restam apenas cerca de 100 000 orangotangos no mundo. A extinção destes primatas está prevista para acontecer no decorrer de poucas décadas.
Como já seria de esperar, não foi a proibição de passar o anúncio na televisão que impediu a sua divulgação: só no Facebook, já conta com mais de 13 milhões de visualizações. A Iceland e a Greenpeace tentaram dar voz a uma história que não se conta sozinha. O nosso dever é seguir o exemplo da menina do anúncio: temos não só de espalhar a história de Rang-Tang, mas também a de todos os orangotangos. Para tal, podemos fazer algo tão simples quanto assinar uma petição para persuadirmos as companhias de renome para que deixem de utilizar óleo de palma, evitando a constante ameaça a que os animais são expostos. Já mais de 800 mil pessoas o fizeram.
Neste momento, o objetivo é atingir as 900 mil. Ajuda a cumpri-lo: https://act.greenpeace.org/page/28678/petition/1?utm_campaign=palm_oil.
É importante não fecharmos os olhos aos assuntos que interessam, mesmo que não seja da nossa conta, mesmo que aconteça longe de nós, mesmo que seja “apenas” um óleo e “apenas” um orangotango. Temos sempre a tendência para achar que não seremos nós a mudar o mundo. Mais uma assinatura, menos uma assinatura, que diferença fará? Esta atitude tem de mudar. Hoje em dia, está tudo à distância de um clique, de uma partilha, de um ‘like’. E é esse gesto que distingue os assuntos esquecidos dos assuntos que passam efetivamente a ter relevância. Há que passar a atribuir tal destaque ao que importa e não ao supérfluo. Se esta mudança de atitude não acontecer, um dia, quando finalmente abrirmos os olhos, não veremos nenhum orangotango.
Artigo corrigido por Vitória Monteiro
AUTORIA
Depois de integrar a maioria das secções da revista, a Mariana ficou encarregue de incumbir esta paixão aos restantes membros. O gosto pela escrita esteve desde sempre presente no seu percurso e a licenciatura em Jornalismo veio exacerbar isso mesmo. Enquanto descobre aquilo que quer para o futuro, vai experimentando de tudo um pouco.