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Smartini: “Queríamo-nos afirmar; queríamos mostrar algo novo”

Fonte:glam-magazine.pt

Por vezes, longas pausas são necessárias; aliás, levou-se cerca de 16 anos para os Avalanches lançarem o sucessor de Since I Left You; os American Football só editaram o segundo disco homónimo na década seguinte ao seu álbum de estreia; e ainda há quem acredite que The Miseducation of Lauryin Hill conhecerá o seu devido herdeiro.

Os Smartini passaram por uma história não muito diferente: em 2007 deram a conhecer Sugar Train, o EP que os catapultou para o panorama alternativo português. A partir daí, passaram os meses seguintes na estrada a promovê-lo e a transmitir à sua audiência este som, que coaduna os experimentalismos dos Slint com a melancolia que se ouvia em quase todas as bandas Post-Hardcore e Indie Rock no romper do novo milénio.

Mas a vida meteu-se no caminho. A vida profissional distante da música (afinal de contas, estes senhores são quase todos licenciados) e os novos valores familiares levaram a que a banda se afastasse durante algum tempos dos palcos e dos estúdios de gravação. No entanto, a espera terminou e no dia 18 de Novembro do ano passado foi lançado Liquid Peace, a nova compilação de originais da banda em formato de EP. Nove anos depois do primeiro trabalho, ouve-se um som mais maturo, mais experienciado e mais assertórico, que nos faz vir à cabeça os riff nostálgicos de Daydream Nation ou até mesmo Slanted & Enchanted, dos Pavement.

A ESCS Magazine encontrou-se com Patrício Ferreira e João Paulo Duarte – os respetivos baterista e guitarrista – num café na Baixa Lisboeta, de modo a conhecer mais sobre este nova fase na vida da banda.

O vosso nome, Smartini, é este híbrido entre um cocktail e um das bandas portuguesas mais famosas do momento. Foi intencional?

Não. O nosso nome veio paralelo ao nome da outra banda da altura. Foram dois projetos que nasceram mais ou menos na mesma fase; e numa fase em que não existia tanta comunicação como há agora. Viemo-nos a descobrir e a estrada já nos cruzou e já falámos com eles sobre isso. Eu conheci o nome Linda Martini no jornal da Blitz – quando ainda era jornal – e eles foram referenciados. Na altura, apanharam-nos um pouco em suspense. Mas, sim, temos mais ou menos o mesmo tempo de formação.

Mas como é que surgiu o nome?

É uma aposta num nome que foneticamente funciona. É forte. Surgimos numa altura em que era na moda ter nomes mais ou menos extensos. O Lourenço – o vocalista – é professor e numa aula fez um teste: escreveu vários nomes numa folha, deu aos alunos e um dos nomes que mais ficavam era mesmo Smartini. Mas para nós não quer dizer absolutamente nada, é só mesmo uma aposta fonética.

No vosso novo álbum, na música que lhe dá nome, vocês começam por dizer: “This is the best part of your life”. É, então, a melhor altura na vida dos Smartini?

Essa música refere-se um bocado à parte paternal que temos; embora o Liquid Peace referir-se um pouco ao líquido da paz: é uma referência ao líquido amniótico, ou seja, ao líquido protetor, o que significa a nossa infância, que é o momento no qual não temos preocupações com nada. Contudo, também se refere à nossa fase enquanto pais e o Liquid Peace retrata isso tudo.

É o vosso primeiro álbum desde o Sugar Train. Estiveram quase 10 anos sem lançarem quase nada. O que vos fez chegar ao estúdio?

Houve um momento em que, depois de rodarmos muito o Sugar Train na estrada – isto é até finais de 2009 –, nos sentimos cansados, em que tínhamos perdido aquela força e queríamos abrandar um bocado. As famílias começaram a crescer e também nos dedicámos mais ao lado profissional, aos nossos trabalhos para além da música. Depois, foi-nos pregada uma partida por amigos e pessoas que já estavam um bocado com saudades e convidaram-nos para participar num tributo ao Lou Reed lá nas Tapas. Foi nessa altura que sentimos o palco novamente, acendeu-se a chama e voltámos a trabalhar.

Nota-se um amadurecimento neste novo trabalho e neste novo som. Parece que se mantiveram fiéis a vocês mesmos, mas, ao mesmo tempo, fizeram algo completamente diferente…

Sim. Às vezes custa-nos finalizar um tema. Nestes últimos anos gravámos vários registos Lo-Fi, que acabaram por ser ideias. Podemos dizer que temos muitos registos, mas que nenhum está finalizado. Por exemplo, com estes quatro temas – do Liquid Peace – conseguimos dividi-los dois por dois, mas no final não conseguimos dizer qual é que surgiu primeiro, porque quando começávamos um e não o concluíamos, pegávamos noutro e trabalhávamos. E penso que nós trabalhamos assim, o perfeccionismo leva-nos a isto.

Nós estamos livres destas tendências, estamos libertos destas correntes e vamos fazendo aquilo que nos dá realmente prazer. Não chegamos à perfeição – tal não existe –, mas procuramos aquilo que, quando chegamos ao fim, nos faz dizer: “é isto – é isto, agora!”. Reconhecemos isso como o nosso calcanhar de Aquiles: nós vamos fazendo cada vez mais e somos, por regra, um pouco insatisfeitos, mas as coisas vão passando. Houve um momento em que nos obrigámos a gravar.

Quando ouvi pela primeira vez o Liquid Peace, a primeira coisa que me veio à cabeça foi Daydream Nation. Até que ponto é que posso afirmar isto? Ou seja, que artistas vos influenciam?

Nós os quatro temos muitas influências. O ponto mais comum, penso eu, é mesmo Sonic Youth. Mas é engraçado porque quando estamos a compor um tema nós tentamos fazer sempre várias referências. No entanto, nunca tirámos referências aos Sonic; se calhar tentei tirar a projetos paralelos deles, mas isso agrada-nos.

Qual foi o vosso primeiro contacto com a música?

Bem, cada história é cada história. Nós tínhamos um projeto os quatro na mesma antes dos Smartini, por volta de mil novecentos e qualquer coisa. Chamávamo-nos Subcultura. Nunca saímos muito daqueles festivais de garagem, mais Grunge e Rock Alternativo. Se calhar para nós foi essa a altura que nos virar para a música. Aquela explosão do Grunge, especialmente os Nirvana, para nós foi bastante importante. Nós começamos mais ou menos na altura do liceu.

Fonte: facebook.com/smartinimusic

E mesmo com este novo trabalho, há uma conjugação de vários elementos musicais, desde Noise-Rock, Post-Rock, Indie Rock…

Sim, claro, é muito difícil desassociarmo-nos disso. Se uma pessoa ouve e faz boa música, automaticamente quer expô-la e tentámos sempre expor isso nas nossas músicas. Foi algo até intencional e natural. Nós não vivemos muito presos a isto dos géneros musicais, fazemos aquilo que para nós é mais natural.

Sendo o Liquid Peace considerado um EP, será uma espécie de preview de um álbum que podem lançar brevemente?

Eu acho que o Liquid Peace foi um EP curto, mas que serviu para marcar uma posição de “estamos aqui”. Queríamos regressar e pôr cá fora qualquer coisa rapidamente e provar de novo os palcos. Queríamo-nos afirmar; queríamos mostrar algo novo. A partir daqui, a chama pode começar a acender a sério.

Isto que estamos aqui a fazer – os contactos, as entrevistas, a vida na estrada –, bem, uma banda vive disso, não é? Quando uma pessoa não tem objetivos ou expressões exteriores, é difícil definires datas; nós tínhamos aqueles quatro temas prontíssimos, e se nós não tivéssemos partido para a gravação, talvez ainda estivéssemos presos no oitavo ou nono tema e podia tornar-se infinito. É claro que é nosso objetivo tentar pegar em algo e pensar noutra coisa futura.

Com Liquid Peace como mote para a próxima tournée, têm muitas datas para 2017?

Estamos a trabalhar nisso, claro. Temos um concerto esgotado em Leiria no início do ano, e penso que mais datas ainda irão ser fechadas.

Nós vínhamos a falar na viagem para cá sobre o quão problemático é uma banda do norte vir tocar a Lisboa. Os níveis de ansiedade aumentam. Tens uma oportunidade quase única. Enquanto uma banda daqui não tem problemas em tocar um mês num sítio e outro mês noutro, para nós a porta não se abre com tanta facilidade e não temos uma agenda com atuações num bar ali, noutro bar acolá. Para nós, a ansiedade aumenta por termos esta oportunidade e não sabermos quando é que vamos ter a próxima.

Para 2017, quero mais que tudo tocar e fomentar a nossa inspiração, mas seria muito bom conseguir um novo álbum para este ano – não prometemos, mas vamos tentar e estamos a trabalhar para isso.