Web Summit: O último dia, mas não menos importante
Caitlyn Jenner, Rosario Dawson, Sara Sampaio, Martin Garrix e Al Gore foram algumas das personalidades que passaram pela tarde do último dia da Web Summit.
“Who defines gender? – Quem define o género?”
A tarde começou com Caitlyn Jenner, a mulher transexual mais famosa do mundo e campeã olímpica, a discursar sobre a transexualidade e como enfrentou o processo até à sua mudança de género.
Afirmando que “Em LGBT, o T é de longe o mais mal compreendido e o menos financiado”, questionou as mulheres no público sobre quando é que souberam que eram raparigas. Para Jenner, para essas mulheres sê-lo é um dado garantido, mas para as transexuais essa questão mantém-se sempre. Realçou que transexualidade tem a haver com a identidade/o género e não com a sexualidade.
O assunto religião também foi levantado por Caitlyn, tendo-se questionado imensas vezes o porquê de Deus a ter feito assim. Após a revelação da sua verdadeira identidade ao pastor da igreja que frequentava, pensou que o seu propósito seria influenciar a luta pelos direitos e pela liberdade de os transexuais revelarem que o são sem terem a sua vida influenciada negativamente por isso.
Apesar disso, frisou: “Eu não sou a porta-voz da comunidade transexual. Fui chamada disso. Eu não sou isso. Eu sou apenas a porta-voz da minha história porque cada jornada é diferente”.
Para ela a mudança tornou a sua vida muito melhor, afirmando “Não existe nada como acordar pela manhã, olhar para o espelho e simplesmente sair e sermos nós próprios. É um sentimento fantástico”.
Face a algumas críticas da comunidade transexual disse que a sua experiência era diferente da dos outros e devido a isso tem uma plataforma diferente das dos outros, sendo que por isso utiliza-a para fazer a diferença. Por causa disso começou a referenciar alguns dados preocupantes como o facto de uma mulher transexual de cor ser morta de 2 em 2 semanas e que na população transexual com menos de 21 anos, 41% já tentou o suicídio.
Terminou o discurso com 4 palavras: “gamble, cheat, lie and steal”, isto é: aposta na tua melhor oportunidade de vida; engana aqueles que te menosprezam pelo que és; repousa (foi dado uso à ambiguidade da palavra lie em inglês que tanto pode significar mentir como repousar) nos braços daqueles que te amam e rouba todos os momentos de felicidade.
“Storytelling and technology – A narrativa e a tecnologia”
Neste painel, o vencedor de dois Oscars na categoria de melhores efeitos especiais pelos filmes Avatar e O Livro da Selva (2016), Andrew Jones e Neville Spiteri, cofundador e CEO da Wevr (empresa de realidade virtual em que Andrew também trabalha), focaram-se nos desafios de filmar utilizando realidade virtual e a tendência de junção de tecnologias de filmes com as de jogos.
Relativamente ao 1º tópico, Andrew Jones afirmou que o grande objetivo é conferir mais realidade às imagens virtuais de forma a que se acredite mais na história. Relatou o progresso que tem havido na área, possibilitando uma renderização mais realista no Livro da Selva (2016) do que no filme Avatar (2010).
Já relacionado com o 2º, Spiteri afirmou que nos últimos anos tem-se apostado na junção de tecnologias de filmes com as de jogos possibilitando uma maior experiência visual nos filmes. Deu como exemplos as experiências em realidade virtual, Blu e Gnomes & Goblin, desenvolvidas pela Wevr.
Um dos grandes desafios que a empresa atualmente enfrenta é gravar a nova versão do popular filme da Disney, O Rei Leão, que vai ser realizada por Jon Favreau, utilizando realidade virtual ao mesmo tempo que é filmado como se de um filme real se tratasse.
O painel acabou com Neville Spiteri a fazer a previsão de que daqui a alguns anos poderemos “interagir com as nossas personagens favoritas numa maneira completamente nova”.
“From Mad Men to Math Men – De Mad Men a homem matemático”
O poder da análise de dados foi o grande tema da entrevista a Alexander Nix, CEO da Cambridge Analytica, que esteve encarregue da análise de dados políticos para a campanha de Donald Trump.
Alexander começou por explicar o que é a análise dos dados políticos, que consiste na transmissão de mensagens personalizadas através da análise de dados, em contrapartida com o método tradicional da mesma mensagem para todos.
Face a algumas pessoas que o culpabilizam pelo resultado de Trump, respondeu “Tu não consegues tornar um mau candidato num bom” e que a vitória de Trump nas primárias tinha demonstrado a sua capacidade de ser elegível. Além disso, afirmou que ter os dados corretos pode fazer toda a diferença em eleições com pouca margem de vitória.
A não afiliação partidária da empresa foi referida na conversa, sendo que a empresa escolhia os seus clientes através de diversos fatores, entre os quais, se estragariam a reputação da mesma.
O último ponto em discussão foi a luta das pessoas por um maior controlo dos seus dados e de mecanismos de compensação para essa transferência de dados, na qual afirmou que uma maneira de compensar seria utilizá-los para combater problemas específicos, tal como a Cambridge Analytica está a fazer com a epidemia de opioides – na qual após as vítimas usarem medicamentos para as dores ficam dependentes.
“The Rise of the Celebrity Activist – A ascensão do ativismo por celebridades”
O painel foi um dos mais esperados da tarde devido à presença da portuguesa Sara Sampaio, modelo da Victoria’s Secret, e da atriz Rosario Dawson, fundadora do Studio 189 – empresa social focada na promoção da moda africana.
O foco da conversa guiada por Mathew Garrahan, editor global dos media do The Financial Times, foi o poder providenciado às celebridades pelas redes sociais.
O painel começou com a pergunta de como é que Rosario e Sara viram-se envolvidas no ativismo. Para Dawson, o ativismo é algo em que está envolvida há muito, devido à sua família desde sempre ter estado envolvida neste tipo de assuntos, sendo que quando teve a possibilidade de falar de problemas como os direitos lgbt, os de habitação, acesso à educação, utilizou-a. Já Sampaio focou-se em como com os media sociais (nos quais se incluem as redes sociais e a blogosfera), “as modelos atualmente… Nós não somos simplesmente caras bonitas que não têm uma voz. Quando tu tens uma grande audiência, começas a ter responsabilidade e uma maior voz possibilitando falares de coisas pelas quais estás apaixonado e vai levar a que pensem duas vezes antes que façam algo a ti”, referiu.
Focando-se no caso da revista Lui cujo contrato não previa nudez, mas houve pressão para tal e face a um acidente onde se mostrou mais do que era suposto, esse acidente acabou como capa de revista, Sara Sampaio disse que face à sua situação e de não querer que mais ninguém passasse pelo mesmo, sentiu a necessidade de a narrar.
Outro dos tópicos referidos foi a reação contra o apoio das celebridades de Hollywood a candidatos políticos na última eleição dos EUA. Rosario Dawson explica que as eleições “foram uma eleição de memes”, sendo que ambos os candidatos eram celebridades, o que tornava a situação ainda mais ridícula.
Ainda partindo do tema das eleições, surgiu o de fazer com que as pessoas sejam responsáveis pelos seus atos e confrontadas quando mentem. Ambas concordaram que tal é agora possível através das redes sociais.
No entanto, Sara Sampaio falou nos pontos negativos do maior poder que se tem nas redes sociais, principalmente, quando se refere à profissão de modelo em que o número de gostos de uma publicação é fulcral para se ser contratado, algo que publicações sobre assuntos como política não trazem, fazendo com que não se seja tão ativo quanto aos problemas que afetam o mundo.
Outro dos pontos negativos, mencionado quer por Sara quer por Rosario, é de que é preciso ter muito cuidado com aquilo que se diz e com a forma que se fala das situações que nos preocupam, porque existe uma grande possibilidade de sermos mal interpretados. Esta é uma preocupação que quem mente não tem, mas que quem confronta precisa de ter de forma a não perder credibilidade.
“Do tech companies pay enough tax? – As empresas tecnológicas pagam impostos suficientes?”
Neste painel debateu-se o tema dos impostos, no qual Rolf Schrömgens, cofundador e CEO da Trivago (motor de busca e comparador de preço de hotéis), defendeu que as empresas tecnológicas pagam o suficiente e em que Andra Keay, diretora de gestão da Silicon Valley Robotics (grupo industrial sem lucros que apoia a inovação na robótica e a sua comercialização) defendeu que era necessário pagarem mais. No entanto, à medida que o debate avançou acabou num consenso: é preciso acabar com a evasão fiscal e só depois é que se pode discutir se as empresas tecnológicas precisam de pagar mais impostos.
Andra Keay frisou que os grandes problemas são a globalização e a ganância que tiram o foco da inovação e colocam-no no dinheiro.
Já Rolf Schrömgens afirmou que a fuga de impostos não beneficia em nada as startups que ficam em desvantagem em relação às empresas gigantes como a Google e a Apple.
O debate foi moderado pela jornalista política do The Guardian, Sabrina Siddiqui.
“Ofo’s European Experience – A experiência europeia da Ofo”
Em conversa com Stephen Carrol, da France 24 (canal de televisão de informação internacional), Zhang Zangi, CEO e cofundador da Ozo, apresentou a sua empresa e revelou os planos e objetivos desta para a Europa e para o Mundo.
A Ozo é uma plataforma de partilha de bicicletas que já se encontra em atividade em mais de 200 cidades, das quais 20 sem ser na China. Em Portugal já se encontra em atividade em Cascais, estando a empresa em conversas com as autoridades para espalhar o serviço a Lisboa.
O foco da empresa é aumentar o uso de bicicletas como meio de transporte nas cidades europeias, personalizando-o para cada cidade de forma a adequá-lo aos problemas que elas enfrentam.
Como exemplo do seu sucesso, já em várias cidades aumentou o uso de bicicletas e em Pequim, 75% da população já utiliza bicicletas como meio de transporte.
Entre este e o seguinte painel, Paddy Cosgrove veio ao palco apresentar o 7º painel e apelou a que se desligassem as luzes e o público ligasse a lanterna do telemóvel (ideia que surgiu durante o painel da Ofo, pois alguns elementos do público o fizeram). Rapidamente, a Altice Arena encheu-se de luz e desta forma foi conseguida uma introdução eletrificante do painel sobre a música.
“Can tech save the music Industry? – Pode a tecnologia salvar a indústria da música?”
A conversa que envolveu personalidades como o CEO da Deezer (plataforma de streaming de música), Hans-Holger Albrecht; o músico vencedor de Grammys e filantropista, Wycleaf Jean e Martin Garrix, Fundador da STMPD RCRDS, produtor musical e DJ, foi mediada pelo editor de música do The Guardian, Ben Beaumont-Thomas.
O painel começou com um panorama geral de como a tecnologia permite aos músicos criar música de forma única e ser um ponto de partida na carreira, como aconteceu a Martin Garrix que começou a sua carreira utilizando o computador para fazer as suas criações.
Já Wycleaf disse que “a coisa mais importante é criar”, sendo que o dinheiro ganho deve ser secundário.
Rapidamente a conversa focou-se nas plataformas de streaming, através da intervenção do CEO da Deezer, que disse que estas plataformas já ajudam os músicos e só estão no inicio. Só parte do mundo é que tem acesso ao streaming, portanto existe espaço de crescimento.
No entanto, Garrix fez questão de salientar que, apesar de se poderem lançar músicas sem ter que esperar pelo lançamento do álbum ou precisar de uma editora, a atenção dada às músicas torna-se menor, sendo que só algumas músicas dos álbuns é que vão ser valorizadas pelo público em geral.
Wycleaf apesar de concordar com Garrix, preferiu focar-se no lado positivo. Para ele, com o streaming, é possível aos músicos ver o que os fãs gostam e querem, em tempo real. Além de ter afirmado que se alguém fizer música excelente, ela vai conseguir chegar às pessoas , mesmo que tal demore.
Albrecht mencionou o acesso que o streaming dá a cada pessoa de escolher a música de que gosta e que levou a um maior acesso à música em todo o mundo.
Um aspeto que Martin Garrix salientou quanto ao streaming é a possibilidade de através de algoritmos conseguir o que queremos ouvir ao mesmo tempo que nos permite descobrir novas músicas.
A conversa terminou com a abordagem acerca dos sonhos que têm para a música na era tecnológica: Wycleaf diz ambicionar numa maneira mais envolvente, íntima e realista de experienciar áudio; Martin diz que a música que o som devia de ser mais dinâmico, sem estar tão focado em ser alto e por último, Hans sonha na possibilidade de tocar num botão e imediatamente tocar a música perfeita que nos toca imediatamente o coração.
Entretanto, o vencedor do pitch de startups foi anunciado por Paddy Cosgrave e Daniela Gerd tom Markotten, CEO da Daimler Fleetboard: o prémio foi para a Lifeina, startup que desenvolveu um mini frigorífico portátil desenhado para o transporte de medicamentos. Nesta vitória contribuiu em 25% o público que teve oportunidade de também votar.
“The inovation community’s role in solving the climate crisis – O papel da comunidade inovadora na resolução dos problemas climáticos”
O mais esperado e o último painel de todos finalmente chegara, algo revelado pela lotação cheia da Altice Arena que se encheu para ouvir Al Gore, antigo candidato à presidência dos EUA e figura conhecida pela luta contra os problemas climáticos – tema do seu discurso.
Prometeu desde o início não centrar a sua conversa em Donald Trump, mas revelou estar com alguma esperança devido à eleição de Danica Roem, uma mulher transexual, para a Assembleia do Estado da Virgínia, ganhando ao seu oponente conservador e oposto aos direitos LGBT, Robert Marshall que ocupava uma cadeira na Assembleia há 26 anos.
Primeiramente fez 3 perguntas muito simples: “Temos mesmo que mudar?”; “Podemos mudar?”; “Conseguimos mudar?”. Para as 2 primeiras a resposta de Al Gore foi sim, mas para a 3º apelou a todas as pessoas na sala que fizessem parte deste movimento de mudança.
Passou então à explicação da resposta a cada uma das perguntas: “Sim, temos que mudar porque existe uma colisão entre a civilização humana e o sistema ecológico do planeta” – tal pode ser visto por, dentro de algum tempo, o peso do plástico nos oceanos vai ser superior ao do peixe. A parte mais importante desta colisão é a crise climática devido à atmosfera ser a parte mais vulnerável do mundo e todos os dias a atmosfera está a ser bombardeada com imensa poluição, aumentando a temperatura e criando uma rutura nos ciclos de funcionamento do mundo, como o da água, levando às inundações, furações, entre outras catástrofes, mas também a secas em países como Espanha, Portugal, Grécia.
“Estamos a ver em África secas que levaram a que as Nações Unidas neste mês avisassem que estamos a caminho da pior crise humanitária desde 1945”, salientou Al Gore, acrescentando que apesar das guerras civis e problemas políticos, a base é a seca. Na sua opinião, duas secas graves na Síria (em 2006 e 2010) e a incompetência dos políticos em resolver a situação foi um dos fatores que levou à guerra civil e subsequentemente à migração em massa para a Europa, que criou problemas políticos na europa e levou ao Brexit: “Até o Brexit. Que estúpido erro que foi para o Reino Unido”, uma das frases mais aplaudidas no painel.
Finalizou a questão respondendo que redondamente sim temos que mudar de forma a não condenar a próxima geração, deixando-a viver no desespero.
Já face à 2º pergunta: “Podemos mudar?” – Sim porque, na opinião de Al Gore, a tecnologia tem possibilitado uma revolução a nível da sustentabilidade. Por exemplo, a eletricidade que provêm de fontes renováveis está cada vez mais barata, sendo em algumas zonas do mundo mais barato que eletricidade de outras fontes. Nos países em desenvolvimento que não têm acesso à eletricidade, vai ser a que provem de fontes renováveis que os vai abastecer.
Al Gore fez questão de salientar: “Nós precisamos de um projeto global para pôr dezenas de milhares de pessoas a trabalhar. Sabem que mais: Nós temos um projeto global, o de resolver a crise climatérica”.
Terminou a resposta à questão afirmando: “Nós temos as ferramentas necessária para resolver o problema”, acrescentou o vencedor do Nobel da Paz de 2007, explicando ainda que o acordo de Paris foi um marco importante devido a quase todos os países do mundo o terem assinado.
Falando um pouco mais do acordo de Paris, relembrou que os EUA só podem sair do acordo no dia seguinte às eleições de 2020, logo ainda estão dentro do acordo. Além disso, esta situação levou à reafirmação do acordo por parte dos outros países e que os EUA vão fazer “a sua parte, apesar de Donald Trump”
Finalmente, quanto à última pergunta – “Conseguimos mudar? – acredita que sim, mas que a verdadeira resposta virá dos mais jovens, referindo: “Agora é o vosso tempo. Todos os movimentos sociais têm sido liderados por jovens” e que quando a questão é tornada num código binário entre bom e mau, a resposta torna-se clara.
Acabou o discurso afirmando: “Estou a vos pedir, tal como fiz no início… Estou a tentar recrutar-vos. Tudo está em jogo (…) Precisamos da vossa ajuda… do vosso envolvimento fervoroso”.
Para quem mesmo assim não acha que vamos conseguir mudar, deixou o seguinte recado: “A vontade de mudar é também ela renovável”.
O final do painel foi marcado por uma ovação de pé por parte do público, algo que se viria repetir na cerimónia de encerramento.
Cerimónia de encerramento da Web Summit
O último dia de Web Summit encerrou com a subida ao palco de Marcelo Rebelo de Sousa ao lado de Paddy Cosgrave.
O Presidente da República agradeceu à organização do evento, ao público e aos empreendedores tecnológicos.
Além de afirmar estar extremamente orgulhoso de Portugal e dos Portugueses, momento comemorado por um mar de aplausos.
Revelou estar preocupado com muitos políticos porque eles “negam a realidade. Eles negam as mudanças climáticas” e reiterou que Portugal vai manter-se no acordo de Paris, afirmações celebradas com aplausos pelo público presente.
Marcelo Rebelo de Sousa salientou: “As leis e a política estão muito distantes das ciências, da tecnologia, da economia e das finanças” quanto às mudanças no mundo.
O seu discurso acabou com a esperança de que Portugal recebe até 2020 a Web Summit: “Nós merecemo-lo. Portugal merece-o. Lisboa merece-o.”
A edição de 2017 da Web Summit terminou com o presidente da República a afirmar “Próximo ano. Mesma altura. Mesmo lugar. Até lá”.