Betrayal: quando uma equipa apontou os holofotes na direção acertada
A pedofilia na arquidiocese de Boston chegou ao grande ecrã através do filme Spotlight, em 2015. Talvez seja mais acertado dizer que este flagelo foi publicado nas páginas do The Boston Globe em 2002. No entanto, a maior parte das pessoas desconhece Betrayal: The Crisis In The Catholic Church, o livro que sintetiza esta investigação jornalística realizada com rigor e que ganhou o Prémio Pulitzer de Serviço Público em 2003.
O livro supracitado, escrito pelos repórteres Matt Carroll, Kevin Cullen, Thomas Farragher, Stephen Kurkjian, Michael Paulson, Sacha Pfeiffer, Michael Rezendes e pelo antigo editor da equipa Spotlight, Walter V. Robinson, resume as descobertas desconcertantes realizadas.
Betrayal encontra-se dividido nos capítulos Father Geoghan, Cover Up, The Predators, The Victims, Explosion, The Decline Of Deference, His Eminence, Sex and the Church, The Struggle For Change: desde a citação marcante do cardeal Bernard F. Law, “Betrayal hangs like a heavy cloud over the Church today”, passando pelos testemunhos das crianças corrompidas que se tornaram adultos emocionalmente instáveis, até ao mundo sórdido dos acordos judiciais onde os membros da alta hierarquia eclesiástica pagavam aos advogados pelo silêncio das vítimas, é possível afirmar que todos os leitores se sentirão assustados e, simultaneamente, ávidos por mais informação à medida que folheiam este livro.
Para além disto, os jornalistas surpreendem-nos com documentos exclusivos em anexo, como as cartas que vários padres enviavam, desde a década de setenta do séc. XX, a cardeais, justificando o abandono dos seus cargos sempre da mesma forma: “sick leave”. Mas as doenças constantes dos membros da Igreja não foram suficientes para fazer os jornalistas acreditar na presumível inocência destes homens que, apregoando determinados princípios em praça pública, pareciam ser regidos por uma devassidão inacreditável.
E qual foi o culminar de tudo isto? Pois bem, chegou-se à conclusão de que os padres, após abusarem sexualmente das crianças de uma paróquia, eram enviados para centros de tratamento, onde permaneciam alguns meses antes de começarem a exercer o seu cargo num local completamente distinto. A questão é: se um indivíduo padece de uma doença do foro sexual, umas semanas longe de presenças pueris serão suficientes para que se “cure”?
Existe um facto indiscutível: os jornalistas da equipa Spotlight traçaram uma linha nítida entre um transtorno como a pedofilia e uma doença física ou psicológica como a gripe ou o cancro. E isso é corroborado pela sua linguagem assertiva e, por vezes, fria no livro, defendendo (de modo lógico) incondicionalmente as outrora crianças inocentes usadas pelos padres pervertidos e condenando as mentes obscenas e os atos imperdoáveis de homens que, enquanto pessoas relevantes na sua comunidade, deviam orientar o povo, ouvindo e reunindo as famílias, auxiliando os doentes, administrando e celebrando os sacramentos e transmitindo a Palavra. Resumindo e concluindo: pelo menos dez por cento dos padres de Boston conspurcavam o nome da Igreja Católica e desprezavam as suas grandes e imperativas missões.
Ainda que nem todas as pessoas se sintam especialmente cativadas pelo universo do jornalismo, conheçam o trabalho exemplar desenvolvido por estes jornalistas ou sofram grandes alterações de batimento cardíaco ao ler cada página deste livro, a descrição factual dos acontecimentos, o tempo dedicado a cada etapa da investigação e a paixão e o talento transmitidos pela Spotlight Team deixam qualquer um assoberbado!
AUTORIA
Se virem uma rapariga com o cabelo despenteado, fones nos ouvidos e um livro nas mãos, essa pessoa é a Maria. Normalmente, podem encontrá-la na redação, entusiasmada com as suas mais recentes descobertas “AVIDeanas”, a requisitar gravadores, tripés, câmaras, microfones e o diabo a sete no armazém ou a escrever um post para o seu blogue, o “Estranha Forma de Ser Jornalista”… Ah, e vai às aulas (tem de ser)! Descobriu que o jornalismo é sua minha paixão quando, aos quatro anos, acompanhou a transmissão do 11 de setembro e pensou: “Quero falar sobre as coisas que acontecem!”. A sua visão pueril transformou-se no desejo de se tornar jornalista de investigação. Outras coisas que devem saber sobre ela: fica stressada se se esquecer da agenda em casa, enlouquece quando vai a concertos e escreve sempre demasiado, excedendo o limite de caracteres ou páginas pedidos nos trabalhos das unidades curriculares. Na gala do 5º aniversário da ESCS MAGAZINE, revista que já considera ser a sua pequena bebé, ganhou o prémio “A Que Vai a Todas” e, se calhar, isso justifica-se, porque a noite nunca deixa de ser uma criança e há sempre tempo para fazer uma reportagem aqui e uma entrevista acolá…!