A ebulição da Homeopatia
Tenho as minhas divergências com o Dr. Carlos Fiolhais. É certo que nunca o vi na vida, e muito menos falei com ele: entenda-se por “divergências” algumas discordâncias ideológicas. Não me identifico com alguma da sua teoria, assim como não me identifico com a conceção de moralidade de Immanuel Kant. Falo então de um choque ideológico absolutamente impessoal. Por exemplo, o Dr. Carlos Fiolhais entende que a ciência e a fé podem coexistir racionalmente. Na medida em que as religiões fazem declarações sobre a forma como opera a realidade (declarações essas que pertencem ao reino da ciência), o consenso torna-se paradoxal, pelo menos para mim. Não há concílio possível entre a medicina arcaica descrita na Bíblia e no Corão e a medicina ocidental. Não há pontos de acordo entre o darwinismo e o criacionismo. É impossível tentar equilibrar os 6000 anos que a Terra tem segundo os livros sagrados com a verdadeira idade da Terra, obtida através de datação radiométrica, que ronda os 4,5 biliões de anos. É, como refere o biólogo Richard Dawkins, “um erro não trivial”.
Deixemos este debate para uma crónica futura. O enfoque agora será no grande ponto de acordo que eu e o Dr. Fiolhais temos: a crença no método científico. Reporto-me à excelente crónica “Ciência Diluída” que este redigiu para o Público. Nela, o Dr. Carlos Fiolhais ataca simpaticamente a pseudociência da homeopatia e culpa o Governo Português por gastar 1€ ou por legitimar um segundo que seja esta prática. Não vou repetir nem sintetizar a crónica dele por dois motivos: primeiro gostava que o leitor visse por si próprio o artigo de um dos cientistas mais influentes deste país e em segundo eu não seria capaz de explicar de forma tão clara os supostos princípios da homeopatia como o Dr. Fiolhais fez na sua crónica. O importante é que nós partilhamos a mesma conclusão: as ciências homeopáticas nada mais são do que uma desonesta forma de placebo; trata-se da venda de comprimidos de açúcar a um preço que faria o próprio Joe Berardo proferir umas palavras menos simpáticas. Eu estenderia esta opinião a todos os suplementos vitamínicos e afins vendidos em lojas naturais, devido à ausência total de regulação deste mercado pelo Infarmed, mas, por enquanto, fico-me por aqui.
Um outro cronista do Público, o Professor Paulo Varela Gomes, respondeu à crónica do Dr. Fiolhais, defendendo com unhas e dentes a credibilidade da homeopatia, afirmando que esta foi a principal causa da remissão do seu cancro. Antes de mais, devo dar as minhas mais sinceras felicidades ao Professor pelas melhorias substanciais que este demonstrou ter na sua saúde e, em termos pessoais, nada mais lhe desejo do que um bem-estar físico e uma vida longa e próspera. Lamento, no entanto, que este venha a público demonstrar certo desconhecimento científico, no seu artigo “Carta aberta a Carlos Fiolhais”
Logo no princípio da sua crónica, o Professor refere que “a homeopatia começa a ser levada a sério pela medicina convencional em todo o mundo e que há protocolos homeopáticos em uso e experimentação pelos mais rígidos e incrédulos cientistas das mais perfiladas instituições académicas e hospitalares”, curiosamente sem apresentar quaisquer dados. Eu investi algum tempo na pesquisa sobre o assunto e constatei que a homeopatia tem uma forma engraçada de começar a ser levada a sério: um meta-estudo, (que nada mais é do que a soma de estudos passados) publicado em 2005 pelos cientistas A. Shang, K. Huwiler-Müntener, L. Nartley, F. Juni, S. Dörig, J. A. Sterne, D. Pewsner e M. Egger, olhou para 110 estudos homeopáticos comparados com 110 estudos de medicina ocidental (através do método de filtragem de peer-reviewing e de placebo control). A conclusão diz, e cito, “Quando foram filtradas as parcialidades nestas análises, havia provas fracas para qualquer efeito específico de remédios homeopáticos, mas provas fortes para efeitos específicos de remédios convencionais. A conclusão é compatível com a noção de que os efeitos clínicos da homeopatia são efeitos placebo.”
A forma peculiar de como a homeopatia está a ganhar credibilidade é através do chumbo de todo e qualquer teste com o mínimo de parâmetros de credibilidade. Curioso, não acham?
Mesmo considerando a cura do Professor Varela Gomes como uma prova a favor da homeopatia, nada mais esta constitui do que um tipo de prova anedótica (apenas um único caso; um evento singular), que de nada serve para demonstrar a credibilidade científica das ciências homeopáticas. Mesmo num tribunal, a prova anedótica é a quem tem menos peso: o testemunho pessoal de alguém é, juridicamente, o mais desinteressante. A declaração de um indivíduo é sempre permeada de parcialidade ou de potencial erro humano. É este nível de casos anedóticos/singulares que leva ao espalhar de disparates científicos tais como, “roer as unhas causa apendicite”, “tomar banho depois de uma refeição causa paragem digestiva”, “as mulheres não se podem banhar quando estão menstruadas” ou, o meu preferido, “o leite e o sumo de laranja não se devem beber juntos”.
Vamos, mesmo assim, pôr todos os pontos na balança da homeopatia e dar toda e qualquer credibilidade científica ao caso singular do Professor Varela Gomes. Há um velho mágico americano chamado James Randi: um homem peculiar, mas de uma simpatia e carisma enormes. Para além da sua paixão, o ilusionismo, ele dedicou a sua vida e a vida da sua fundação (The James Randi Educational Foundation) ao combate à “verdadeira magia”. Vez, após vez, após vez, inúmeros psíquicos, cartomantes, taromantes e afins, foram desmascarados pelo velho. De tal forma que existe há mais de 20 anos um prémio de 1 milhão de euros a quem consiga demonstrar em condições controladas, qualquer capacidade sobrenatural ou “não científica”. Resta dizer que o prémio continua no cofre. A psíquica mais famosa do mundo, Sylvia Browne, fugiu “com o rabinho entre as pernas” à proposta de Randi no canal televisivo CNN. O ilusionista já veio a público várias vezes implorar para que estes psíquicos o processem. Nenhum o fez até hoje. Nem um. Todos sabem que os seus casos seriam descartados na “casa da lei”; nenhum deles tem alicerces jurídicos para sustentar um caso sério. Neste grupo de capacidades “não científicas” inclui-se, como esperado, a homeopatia.
As remissões espontâneas existem e os efeitos placebo também. Infelizmente, muitos preferem acreditar em pseudociências e bruxarias em vez de acreditarem no mecanismo que fez com que duplicássemos a nossa esperança média de vida, em apenas um século. Lamento que muitos não confiem no mesmo método científico que levou à criação do aparelho onde estou a escrever esta crónica e onde vocês a estão a ler.
Já diz o provérbio: um tolo e o seu dinheiro são facilmente separados.
Deixo ao leitor uma palestra divertida de James Randi no Ted Talks sobre este assunto.
AUTORIA
João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.