Dia Após Dia: The Beginners
O que têm em comum Cristiana Policarpo, Sofia Costa Lima, Inês Vaz Antunes e o grupo Os Amélia? São cinco jovens que tentam dia após dia sobreviver ao mercado de trabalho dos dias de hoje. Uns têm mais sorte do que os outros. Porém, nunca se esquecem que não podem desistir.
Abril de 2017. Uma sexta-feira. Cristiana Policarpo, 22 anos, está de folga. Como enfermeira, esta é a segunda a que tem direito. Quando escolheu o curso que queria frequentar na faculdade, enfermagem não foi a sua primeira opção. No entanto, acabou por se apaixonar pelo que faz: “Apesar de nós sermos os «maus» que estão sempre a tirar sangue, sempre a dar «picas» e a insistir para se levantarem, isso é tudo para o bem do doente. Mas também não é só isso. Temos de estar sempre de sorriso na cara para tentar melhorar, de alguma forma, o internamento daquela pessoa que está lá há um mês, por exemplo”.
Sexta-feira seguinte, dia 28 de abril. Sofia Costa Lima tem o dia livre. Só aos fins de tarde é que segue para as aulas, pois, apesar de ser licenciada em jornalismo, atualmente está a tirar uma pós-graduação em marketing digital na Universidade Lusófona. No decorrer da conversa revela que “sabia que queria fazer esta pós-graduação, só não pensava ser tão cedo”.
São 18h30 do dia 27 de abril. Com um café à sua frente, Inês Vaz Antunes fala sobre as vantagens que encontra em ser freelancer: “Consigo escolher a quantidade de trabalho que tenho e quantas horas do dia é que dedico a cada trabalho. Outra coisa boa em ser freelancer é que posso fazer o meu horário”. Para Inês, outro benefício em trabalhar de forma independente é conseguir ter “contacto direto com os clientes”.
Ana Freitas-Branco e Miguel Pimenta ensaiam para o próximo espetáculo. Os Amélia fazem-nos regularmente em Lisboa, contudo, no dia 21 de abril, encontraram-se na Ericeira – a «terra natal» de ambos. Apesar de a música ter sempre estado presente nas suas vidas, são músicos por sorte, pois são formados noutras áreas: a Ana licenciou-se em Enfermagem e o Miguel em Audiovisual e Multimédia. “Enquanto estive no secundário, via a música mais como um sonho, mas nunca pensei em seguir essa área como a minha formação principal.” (Ana), “Quer dizer, eu quando comecei a aprender a tocar guitarra nunca pensei em seguir a música como vida profissional.” (Miguel).
Os anos de sufoco parecem estar a chegar ao fim. Apesar de ainda se sentirem as consequências da crise económica, estas parecem estar a diminuir com o passar dos anos. Exemplos disso são os recuos apresentados nos valores de indicadores como a taxa de desemprego registada em Portugal, que em 2017 se apresentava nos 8,9% – valor bastante mais positivo quando comparado ao registado em 2013 (16,2%).
Estes também vieram acentuar as desigualdades que já se faziam sentir no país. Margarida Cardoso, professora do Instituto Politécnico de Lisboa e licenciada em Sociologia, afirma que Portugal é “sem dúvida um país muito desigual”, e baseia-se em dados concretos, uma vez que “tudo quanto é estatística, tudo quanto é informação que nos está acessível nos diz que o país é muito desigual”.
A crise económica portuguesa também causou impacto no ensino superior, pois muitas foram as famílias que não conseguiram contribuir para os estudos dos seus filhos. “Era notório que os alunos que chegavam ao ensino superior eram os que, à partida, tinham acesso a um conjunto de recursos, que, talvez, outros alunos não tivessem”. Contudo, os números têm vindo a melhorar. Desde 2010 que não se registavam valores tão satisfatórios no que diz respeito à entrada dos alunos na 1ª fase do ensino superior, como se registou no ano letivo de 2017/2018 – 46544 colocados.
Quando falamos em desigualdade não podemos deixar de fazer menção a um dos setores de arranque da economia: a empregabilidade. A verdade é que este setor sentiu as violentas consequências do frágil sistema financeiro, conduzindo para a pobreza. Como afirma Margarida Cardoso, “as desigualdades, a pobreza e o desemprego estão todos interrelacionados”. Isto fez com que muitos trabalhadores se vissem obrigados a sair do país como forma de arranjar melhores condições de vida, o que abalou a estrutura demográfica portuguesa. Em suma, a crise originou uma “enorme perturbação no emprego e nas possibilidades de aceder ao mercado de trabalho”, tanto nos jovens trabalhadores como naqueles que já eram mais experientes no mercado de trabalho.
Muitas foram as áreas que sentiram a necessidade de emigrar, como foi o caso da enfermagem. Contudo, Cristiana Policarpo apresentou um panorama muito diferente no que diz respeito a esta questão: “Eu acho que essa ideia era muito há quatro anos. Lá está, há quatro anos foi quando eu comecei a estudar enfermagem. E pensei: «Quando acabar o curso vou ter de ir para fora», e tinha sempre essa ideia muito presente. Mas não. Comigo e com as minhas colegas isso não aconteceu. Claro que continuo a ter colegas que vão para fora, porque ganham mais. Mas vão por opção, não por não haver trabalho.”
A realidade em 2018 é que alguns setores, que apresentavam sérios défices nas taxas de empregabilidade durante os “anos da crise”, estão a tornar o acesso ao mercado de trabalho mais acessível.
Exemplo disso é a enfermagem, que quanto à taxa de desemprego, dados facultados pela Infocursos dizem que esta se situa nos 2,9%. Este valor vai ao encontro da experiência relatada pela recém-enfermeira: “Na realidade não senti dificuldade nenhuma a arranjar emprego. Eu acabei o curso no final de julho e depois a partir daí podíamos enviar currículos. No final da última semana de agosto enviei o meu currículo para o Amadora Sintra. No dia seguinte ligaram-me a dizer: «Estamos a recrutar, se quiseres podes vir cá a uma entrevista». E pronto, fui e, por acaso, tive a sorte de começar logo em setembro”. Para Cristiana só não estão empregados em enfermagem aqueles que não procuram emprego, porque “neste momento (…) há emprego para toda a gente.” Contudo, também deixou claro que existem alguns aspetos que poderiam ser melhorados nesta área. Um desses casos é o facto de os enfermeiros continuarem a trabalhar muitas horas e não serem remunerados como pensam que deveriam ser.
Porém, existem setores que, mesmo com o passar dos “anos da crise”, ainda se encontram muito fragilizados, e onde é cada vez mais difícil entrar no mercado de trabalho. O jornalismo é uma dessas áreas – a taxa de desemprego situa-se nos 12,3%.
Sofia Costa Lima, afirma que, como já tinha conhecimento do panorama do mercado de trabalho na área do jornalismo, começou “a procurar estágios e empregos cerca de um mês antes de terminarem as aulas”, para que quando acabasse o curso já soubesse o que iria fazer. Contudo, as coisas não correram como planeado, vendo-se forçada a enviar currículos para outras áreas, pois a pressão imposta pela sua família já lhe causava um certo desconforto. Na sua opinião, “é muito difícil encontrar emprego ao nível do jornalismo. E na maior parte das vezes o que os empregadores querem é alguém que vá trabalhar à borla ou a receber uma ninharia: o subsídio de alimentação”. A recém-licenciada diz que a maior parte dos seus colegas se depararam com a mesma situação – alguns aceitaram estágios não remunerados, como forma de “ganhar experiência”, outros encontram-se a “trabalhar em áreas que não têm nada a ver” com o que estudaram, e outros voltaram a estudar. Porém, também existem aqueles que “tiveram sorte e conseguiram trabalhar em sítios relativamente bons”. Apesar desta conjuntura, Sofia ainda conseguiu trabalhar cerca de dois meses numa rádio local, mas a experiência não correu bem, pois um estágio remunerado rapidamente passou a “exploração de trabalho”. Contudo, no seu entender, não foi apenas a crise económica que conduziu a esta situação, pois “o jornalismo em Portugal está mau há muitos anos. Acho que é uma crise de jornalismo muito mais extensa do que a própria crise”.
Quando arranjar emprego se torna um problema, é preciso encontrar um plano B, e foi isso que Inês Vaz Antunes acabou por fazer. Licenciou-se há 2 anos em Audiovisual e Multimédia, contudo, após terminar o curso, apenas conseguiu um estágio de três meses numa agência de comunicação que tinha como termos financiar-lhe uma ajuda de custo, que “nem sequer chegava para pagar o passe de autocarro”. Devido a esta situação, e também para se dedicar a outros projetos, decidiu que o melhor que tinha a fazer era trabalhar como freelancer na área do design gráfico. Para Inês, arranjar trabalho não é difícil, pois é contactada, com bastante regularidade, por negócios locais “que não têm dinheiro para pagar a uma agência de comunicação ou simplesmente não têm o interesse de pagar a uma agência de comunicação”. Contudo, esta decisão acaba por ser um risco, pois a nível financeiro nunca consegue saber “quanto dinheiro dá para juntar, porque são coisas muito passageiras”. Apesar da taxa de desemprego da sua área de formação estar situada nos 13,2%, os seus colegas de licenciatura estão “bem encaminhados: alguns a trabalhar como Web designer ou na RTP.”.
Outro setor que também tem registado uma melhoria nos últimos anos é a cultura. Esta, aliada ao turismo e ao que de melhor se faz em Portugal, tem um destaque cada vez maior na ordem do dia. Exemplo disso é a música que o nosso país tem exportado.
Os Amélia são um grupo musical que inicialmente fazia apenas “covers de músicas que gostamos com um toque nosso”. Atualmente já contam com quatro originais e com um estúdio onde podem “gravar e produzir as suas músicas”. O grupo é composto por dois amigos, a Ana e o Miguel, e contam com voz e guitarra, contudo ambicionam adicionar mais instrumentos às suas composições. O nome Os Amélia surgiu pois queriam que fosse “algo em português”, uma vez que “quando criamos queremos criar em português”. Também acharam “piada à ideia de ser o nome de uma pessoa, porque é para as pessoas que nós trabalhamos”, e por fim pretendiam encontrar “um nome doce, como a música que tocamos”. Então, surgiu Amélia.
Para Os Amélia, “Portugal é um país cheio de talento e achamos que se faz muito boa música em Portugal. Cada vez aparecem mais bandas e há cada vez mais apoios para novas bandas, o que é ótimo. E as próprias bandas estão a apostar neste conceito de se reinventarem. Portugal é um país que está cheio de talentos”. Para conseguirem tocar a sua música em algum espaço geralmente recorrem «à moda antiga»: “vamos aos locais que sabemos que têm música ao vivo e deixamos o nosso cartão. Maior parte das vezes somos contactados. Mas o que achamos difícil é ter continuidade num local. É muito raro conseguirmos ir ao mesmo sítio uma vez mensalmente”. Apesar desta situação, já atuaram em inúmeros bares e restaurantes, e também em festas particulares como casamentos e aniversários.
Estas são apenas quatro histórias que retratam a realidade de um país que mal acaba de sair dos “anos da crise”.