Opinião

Olé

Este artigo é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

As declarações da ministra da cultura trouxeram outra vez à baila o tema das touradas. Um assunto bastante ruminado, digo com um quê de ironia. Vamos espetar as farpas neste touro, shall we?

“Não é uma questão de gosto, mas de civilização”, disse Graça Fonseca. Estou de pleno acordo. Infelizmente, para bem desta crónica, não há aqui grande surpresa ou plot twist da minha parte. Sem ceder aos pedidos tristes de Manuel Alegre, aplaudo a retidão e firmeza da ministra. As tolerâncias disformes e os pluralismos sangrentos não fazem nem devem fazer parte do ADN da esquerda.

Vou ainda mais ao encontro de Graça Fonseca: o maior problema que tenho com as touradas nem é a inegável tortura do animal, nem mesmo a cobardia do cavaleiro. Aquilo que me chateia mesmo é termos a coragem de chamar àquele “espetáculo” cultura. É  tradição. Faz parte da alma lusitana espetar bocados de ferro em carne viva em movimento. Os apelos ao passado constituem uma forma de argumentação que roça o patético. É “tradição” em certos países do Médio Oriente apedrejar publicamente pessoas que cometem adultério. É “cultura”, em certas aldeias portuguesas, queimar gatos durante as festas de São João. É, ou era, “alma lusitana” a prática dos aberrantes autos-de-fé. O tempo da poliomielite e da tuberculose acabou e quem tem saudades que volte para lá.

Para além disto, também me enoja um certo apelo ao convívio familiar. Imagino que “uma vez por mês vamos com os miúdos à tourada” deve estar no panteão das frases mais odiadas por crianças, classicamente acompanhada por “tens que ir cedo para a cama que amanhã de manhã vamos à missa” e ainda por “anda aqui Júlio Miguel para assistirmos à crónica semanal da Manuela Moura Guedes”. Talvez esta última seja um bocadinho rebuscada, digo eu.

Não basta o tédio. Não basta o degradante entretenimento à base de sangue real. Tudo isto é inútil. Mesmo se o touro fosse posteriormente usado para alimentação tudo isto não deixaria de ser desnecessário. Podemos ser omnívoros e contra a crueldade. Temos esse dever moral.

O único argumento minimamente viável para a manutenção das touradas é um de proteção laboral: é verdade que muita gente iria para o desemprego. É verdade também que os donos de plantações de algodão se viram tramados quando o Lincoln aboliu a escravatura. Sem ser uma comparação justa, é razoável que chegue para provar um ponto: atividades moralmente repreensíveis não devem ser mantidas por meros motivos financeiros.

Ou se calhar devem… a Igreja Católica conta?

Artigo corrigido por Ana Rita Curtinha

AUTORIA

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João Carrilho é a antítese de uma pessoa sã. Lunático, mas apaixonado, o jovem estudante de Jornalismo nasceu em 1991. Irreverente, frontal e pretensioso, é um consumidor voraz de cultura e um amante de quase todas as áreas do conhecimento humano. A paixão pela escrita levou-o ao estudo do Jornalismo, mas é na área da Sociologia que quer continuar os estudos.