Os 31 Filmes dos 2010’s
Novo ano, vida nova! Ou será que devíamos dizer “filmes novos”? Com o chegar dos anos 20, está na altura de relembrar alguns dos momentos mais memoráveis da década passada, mas sem confusões! Que fique aqui e já registado que a presente lista se baseia numa opinião pessoal e num catálogo limitado de filmes vistos (exatamente 1285, o que não é assim tão limitado quanto isso), organizada por ano de lançamento e alfabeticamente, e sem nenhuma razão específica de ser. Numa década cheia de excelente entretenimento seria redundante fazer uma lista de melhores filmes. Portanto, segue-se uma lista de filmes memoráveis, que, no fundo, poderiam ser substituídos por outros tantos igualmente bons. Portanto, não se admirem se vos vier à mente o “Wi-fi divino” de Parasitas ou a pancada da cadeira, em Moonlight, e não os encontrarem aqui – estão cá em espírito.
Black Swan (2010)
(“Cisne Negro”, de Darren Aronofsky)
Se há alguma coisa mais assustadora do que monstros no armário ou assassinos em série, é a deterioração da mente. Nina (Natalie Portman) entra num pesadelo, fruto da obsessão pelo sucesso e da jornada até à mais ínfima célula de perfeição, quando decide perseguir o papel principal numa adaptação de “Lago dos Cisnes”.
Black Swan é uma masterclass em todas as vertentes do cinema – estrutura da narrativa, ritmo de edição, sound design, iluminação… Por esta altura, já não devem restar quaisquer dúvidas, mas que se faça eco destas palavras: este é o papel que Natalie Portman nasceu para desempenhar. Uma performance com tantas camadas, tão frágil e vulnerável, ao mesmo tempo que é provocadora e intensa.
Curiosidade: Aronofsky comprou os direitos de remake americano para o filme de anime japonês Perfect Blue, para poder recriar imagens do filme em Black Swan e Requiem for a Dream.
Inception (2010)
(“A Origem”, de Christopher Nolan)
Se Christopher Nolan já se tinha tornado um herói para os cinéfilos, com O Cavaleiro das Trevas (2008), foi com Inception que se tornou num verdadeiro realizador de renome. De momento, é um dos poucos artistas que conseguem arrecadar orçamentos estupendos dos grandes estúdios, com ideias completamente originais, e que senta audiências nos bancos das salas de cinema só pelo simples facto de ter um novo filme em estreia.
Em tempos mais complicados, Inception nunca teria sido feito, devido à magnitude da sua ambição. A sua premissa consiste numa equipa de criminosos que conseguem aceder a mentes e fabricar sonhos, de cujas vítimas roubam informações pessoais. No entanto, desta vez, terão de implantar uma ideia, em vez de a roubar.
Inception é um puzzle que nunca se torna chato de montar – nem pela centésima vez. É um dos filmes que mais dá sentido à expressão “cinema explosivo”, sem nunca parecer gratuito.
Kick-Ass (2010)
(“Kick-Ass – O Novo Super-Herói”, de Matthew Vaughn)
A premissa de Kick-Ass é tão simples quanto dorida – um adolescente, inspirado pelas bandas desenhadas com as quais cresceu e com as injustiças da vida, compra um fato de elastano e sai à noite para combater o crime. A diferença desta história? Bem, ele acaba sempre na ponta errada da expressão “distribuir porrada”, até se juntar a uma menina de dez anos (sim, leram bem) e ao seu pai, ex-polícia (interpretado por um vívido Nicholas Cage), para derrubar um magnata do mundo da droga.
Para quem gosta de humor negro, este é um filme brilhante. Há quem critique que, no terceiro ato, acaba por se tornar tão ridículo como o exato tipo de história que parecia estar a satirizar até lá, mas Vaughn balança o ridículo desse conceito e a emoção em cada arco de personagem de uma forma quase inconcebível, oferecendo gargalhadas e excelentes sequências de ação pelo caminho.
O filme introduz uma discussão que é tão mais relevante agora que o boom dos super-heróis chegou ao seu pico máximo do que era na altura do seu lançamento.
Scott Pilgrim vs. The World (2010)
(“Scott Pilgrim Contra o Mundo”, de Edgar Wright)
É difícil descrever Scott Pilgrim por palavras. Aliás, a própria campanha promocional do filme encontrou adversidades na busca de uma audiência para além da fandom proveniente do circuito nerd da Comic-Con. A história assenta em Scott Pilgrim, o baixista indie/punk homónimo, que luta para conseguir o afeto de Ramona Flowers, batalhando os seus sete ex-namorados maléficos um a um.
O filme foi um fracasso comercial de grandes proporções para a Universal, mas tornou-se imediatamente um clássico de culto, sendo citado por muitos cineastas como uma das maiores referências visuais da década. Se pudéssemos, de facto, descrever Scott Pilgrim, di-lo-íamos desta forma: é a descoberta do amor, na sua fase mais pura e adolescente, e do amor próprio – uma fábula infundida com o espírito dos videojogos clássicos e um estilo visual único.
The Social Network (2010)
(“A Rede Social”, de David Fincher)
Foi estranho quando David Fincher, o realizador mais conhecido por obras sombrias como Se7en e “Clube de Combate”, se revelou como o responsável pela biografia cinematográfica de Mark Zuckerberg. O resultado, no entanto, destaca-se como um dos melhores exemplos no género.
A cena de abertura é icónica (lembramo-la como um dos break-ups virtuais da década) e o filme está cheio de pequenos detalhes (como é costume de Fincher). Destacamos as performances de Jesse Eisenberg, como Zuckerberg, e de Andrew Garfield, como Eduardo Saverin.
Drive (2011)
(“Drive – Risco Duplo”, de Nicolas Winding Refn)
Em 2011, uma cidadã americana processou FilmDistrict, a distribuidora de Drive – Risco Duplo, porque o filme não tinha ação suficiente. Não que seja difícil olhar para o poster e para o título do filme e pensar, à primeira vista, que está aqui um veículo de ação frenética semelhante às corridas de “Velocidade Furiosa”. Mas nunca julguem um livro pela capa.
Trata-se da história de um duplo de cinema, que usa os seus atributos atrás do volante para cobrir a fuga de assaltos criminosos, até que o amor o obriga a abandonar o submundo do crime. A verdade é que ação não falta em Drive, e apresenta, realmente, uma violência extrema, mas esta encontra-se espaçada por momentos de desenvolvimento de personagem. Ryan Gosling interpreta esta personagem bastante monótona nas paisagens californianas iluminadas a synth-pop. Mais do que um filme que inspirou dezenas de estudantes de cinema pretensiosos, Drive evita todos os clichés e subverte as expectativas até ao último segundo. E não, não acaba bem.
Melancholia (2011)
(“Melancolia”, de Lars Von Trier)
Uma noiva deambula tristemente pelo seu próprio casamento, naquele que devia ser o melhor dia da sua vida, enquanto a sua irmã se afunda em paranóia devido ao planeta Melancolia, que ruma numa trajetória em que poderá colidir com a Terra. A verdade é que ninguém sabe porque é que Claire não abandona Justine, que parece desperdiçar todas as suas oportunidades de um final feliz, até no seu próprio casamento. Mas a verdade é que a depressão e a ansiedade andam de mãos dadas, mesmo tendo comportamentos opostos.
Talvez Melancolia seja o filme menos perturbador que Lars Von Trier lançou nesta década (entre Anticristo e A Casa de Jack, venha o Diabo e escolha), mas não o menos eficiente. No fundo, digamos que qualquer pessoa que consiga olhar para ele e visualizar apenas um filme onde o céu cai sobre a cabeça de uma Kirsten Dunst chata e aborrecida é uma pessoa mais ignorante, mas mais feliz.
Shame (2011)
(“Vergonha”, de Steve McQueen)
Brandon (Michael Fassbender) é viciado em sexo. Quando a sua irmã (Carey Mulligan) se muda para o seu apartamento, traz com ela fragmentos do seu passado familiar que desenrolam numa espiral de loucura e depressão.
Vergonha não é exatamente um filme sobre sexo, embora esse aparente ser o seu disfarce. É, sim, um filme sobre intimidade e emoções reprimidas, mais triste do que parece e menos perversamente escandaloso do que promete ser. É o desapego emocional como uma fuga à normalidade e aos problemas que esta traz consigo. Contém uma das melhores atuações da década, por Michael Fassbender, e realização assegurada por Steve McQueen (que, dois anos depois, viria a ganhar o Óscar com “12 Anos Escravo”).
The Broken Circle Breakdown (2012)
(“Ciclo Interrompido”, de Felix van Groeningen)
Há filmes que nos erguem, há filmes que nos deitam abaixo e há filmes que fazem as duas coisas. A ordem pela qual o fazem, contudo, nem sempre é a mais encantadora. “Ciclo Interrompido” foca-se na paixão, que junta um jovem casal belga, aquela que percorre estradas e se abriga em bares noturnos, e na tragédia que os separa.
É um dos filmes nesta lista que mais escaparam aos radares dos cinéfilos e às massas em geral. Importante: comprar muitos pacotes de lenços antes de carregar no play.
Holy Motors (2012) (de Leos Cárax)
Arte não precisa de fazer sentido para provocar um sentimento. Mais que isso, arte é aquilo que o recetor dela decide fazer. O que é que sequer constitui arte? Sensações, prazeres, sentimentos? Será que os métodos sintéticos do século XXI roubaram a arte da sua aura? Será que Martin Scorsese tem razão? Será que a arte alguma vez morrerá?
Desde que haja arte, vai haver criticismo, e, desde que haja evolução, vai sempre haver cepticismo. Todas estas questões pairam sobre o fumo e o néon de Holy Motors, nenhuma delas respondida, mas todas elas pertinentes.
Her (2013)
(“Uma História de Amor”, de Spike Jonze)
Há dez anos, se me dissessem que um filme sobre um homem que se apaixona por um computador com a voz de Scarlett Johansson seria um dos filmes mais realistas da década, também vos cuspia a água na cara, como nos desenhos animados. É inacreditável o quanto Her parece real, dada a impossibilidade dos seus eventos. É uma jornada filosófica à volta da própria capacidade de amar e do que amar significa.
Com uma carreira, no mínimo, impressionante, Spike Jonze supera-se a si próprio de mais formas do que aquelas que parecem possíveis. O seu guião é engraçado, triste, chocante, inspirador, surpreendente, refrescante, peculiar e, mais do que tudo, é sentido, de uma forma tão bela.
Short Term 12 (2013)
(“Temporário 12”, de Destin Daniel Cretton)
Brie Larson, não há muito tempo, conseguiu o respeito e reconhecimento que merecia do público geral. Em 2016, ganhou o Óscar de Melhor Atriz por “Quarto”, e, de momento, encontra-se sob as luzes da ribalta no papel da heroína Carol Danvers (“Capitão Marvel, Vingadores: Endgame”). No entanto, um clube limitado de pessoas já a celebravam com o lançamento de “Temporário 12”, o seu primeiro papel principal. Produzido com um orçamento inferior a 1 milhão de dólares, é um filme pesado – no seu centro está uma instituição de tratamento para jovens deprimidos e/ou negligenciados e a monitora que os tenta manter à superfície. É uma odisseia de emoções sentidas e um lembrete de que nunca é demasiado tarde para pedir ajuda.
O filme introduziu-nos também a Kaitlyn Dever (nomeada ao Globo de Ouro pela série Unbelievable e protagonista de Booksmart – Rebeldes e Inteligentes), Lakeith Stanfield (Foge, Sorry to Bother You, Atlanta), John Gallagher Jr. (10 Cloverfield Lane) e Rami Malek (Bohemian Rhapsody, Mr. Robot) como talentos a vigiar.
Spring Breakers (2013)
(“Viagem de Finalistas”, de Harmony Korine)
Confesso que, quando entrei no cinema para ver Spring Breakers, não sabia bem para o que ia. Como tantos outros que ainda não descobriram a obra de Harmony Korine, bastou uma vista de olhos no poster para pensar que se tratava de uma comédia parva com meninas da Disney e James Franco. Agora, conhecendo o processo de Korine de trás para a frente, percebo o quão estúpido isso parece.
Spring Breakers é surreal. Não se representa aqui o sonho americano consistente em sexo, drogas e rock n’ roll (neste caso, dubstep…?), mas sim o pesadelo que daí provém. Filmado num estilo quase documental, e extremamente intrusivo (parece que, a qualquer momento, alguém vai soquear a audiência por estar a ver algo que não deve), é claramente um fruto da obsessão de Korine por filmar à volta de uma ideia, e não de escrever a partir da mesma. É juventude em decomposição e muito, muito neon à mistura.
Contém também a melhor utilização de Everytime, de Britney Spears, de todo o sempre.
Boyhood (2014)
(“Momentos de Uma Vida”, de Richard Linklater)
Numa lista de 25 melhores filmes da década, todos eles de uma mestria absoluta, é difícil encontrar um que seja tão honesto e cru quanto Boyhood. É um estudo de personagem, escrito e filmado ao longo de 14 anos, de forma a acompanhar os atores à medida que envelhecem. Aliás, nem se trata de um estudo de personagem, mas sim de um estudo de vida!
Talvez seja mais fácil para uns identificarem-se com o que é aqui retratado do que para outros, mas a verdade é que ninguém sai de Boyhood de “braços a abanar”. Apesar de ser a história de um rapaz, é a história de todos nós. As brincadeiras em miúdo, a entrada para a escola, a descoberta da sexualidade, a rebelião adolescente, a conclusão do secundário, a saída de casa e todas as peripécias naturais que acontecem pelo meio. A data estampada ao lado do título pode dizer 2014, mas é um produto intemporal.
The Clouds of Sils Maria (2014)
(“As Nuvens de Sils Maria”, de Olivier Assayas)
Uma atriz mundialmente reconhecida (Juliette Binoche) aceita participar numa reinterpretação da peça de teatro que catapultou a sua carreira 20 anos antes. Com a ajuda da sua assistente (Kristen Stewart), navega um mar de emoções e reflexões pessoais, nas paisagens suiças de Sils Maria.
Mais do que um filme, The Clouds of Sils Maria é um paralelo simbólico entre a relação realizador-atriz de Assayas e Binoche, com diálogos belíssimos e uma interpretação fantástica de Stewart, que se desfaz da sua imagem de teen-idol (causada, em grande parte, pelo seu protagonismo n’A Saga Twilight), em duas meras horas.
Gone Girl (2014)
(Em Parte Incerta, de David Fincher)
Quando Fincher lança um novo filme, o mundo para para os cinéfilos. E, no fundo, sente-se que o mundo tem estado parado desde Gone Girl. Para aqueles familiarizados com a escrita de Gillian Flynn, autora do romance original, era um casamento perfeito – a viagem macabra e atribulada de Amy Dunne – que desaparece e deixa para trás o marido, Nick, apanhado numa investigação policial – entrelaçada com o estilo meticuloso e sombrio do cinema de Fincher.
Há experiências de cinema que não são facilmente replicadas em casa e Gone Girl é uma delas. Desde os flashbacks arrepiantes à reviravolta chocante, este é um daqueles filmes que não se esquecem e que não se consegue parar de ver. A banda sonora de Trent Reznor (vocalista de Nine Inch Nails) e Atticus Ross só torna a viagem mais inquietante.
The Grand Budapest Hotel (2014)
(Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson)
Não é uma lista de final de década sem, pelo menos, um filme de Wes Anderson. The Grand Budapest Hotel é uma crónica das aventuras fictícias do conciérge Gustave H., que remonta a um estilo de comédia mais simples do que aquele a que estamos habituados hoje em dia, mas não menos eficaz. É um incrível feito em cenografia e uma prova de que mesmo um mundo coberto de cor-de-rosa pode ser um sítio perigoso.
O elenco gigante conta com nomes como Ralph Fiennes, Saiorse Ronan, Owen Wilson, Willem Dafoe, Tilda Swinton, Jude Law, Adrien Brody, Bill Murray e Edward Norton.
Inherent Vice (2014)
(Vício Intrínseco, de Paul Thomas Anderson)
Quem leu Vício Intrínseco, o romance de Thomas Pynchon (um favorito ao Nobel), sabe que adaptá-lo não é tarefa fácil. Aliás, lê-lo já é difícil por si só, tal não é a lista comprida de nomes que Pynchon requer que o leitor decore, de forma a conseguir acompanhar a trama. É, contudo, inegavelmente, uma excelente exploração da Califórnia obstruída pela nuvem hippie dos anos 70, onde o investigador privado Doc Sportello resolve o desaparecimento da sua ex-namorada Shasta.
Adaptado ao ecrã por Paul Thomas Anderson (Haverá Sangue, The Master – O Mentor), é quase tão confuso como o livro. O design de produção, cru e dessaturado com uma pinta de neon, dá vida às palavras de Pynchon com considerável fidelidade. Antes de Joker, encontrávamos aqui um Joaquin Phoenix em completo controlo do seu talento, no papel do investigador hippie, Doc Sportello. Dando asas à natureza confusa do filme, quase parece que estamos tão drogados quanto o protagonista.
Uma das imagens mais memoráveis é uma reinvenção d’A Última Ceia, do ponto de vista dos hippies (ver a imagem acima).
Only Lovers Left Alive (2014)
(Só os Amantes Sobrevivem, de Jim Jarmusch)
Os vampiros de Jim Jarmusch não sofrem de angústia adolescente, não brilham ao sol nem vivem num castelo na Transilvânia. Continuam a ser, contudo, criaturas sofridas, vítimas de uma maldição que os vê passar tudo o que já os fez feliz. No presente vivem numa desilusão constante com o que os rodeia. Imaginamos que seja difícil viver uma eternidade com a raça humana, um povo que, com cada bom feito que alcança, mais derruba. Está na natureza humana falhar e ambicionar algo, mas, para Adam e Eve – nomes curiosos –, já há pouco que os fascine.
Jarmusch enfeita o filme com um feeling muito grunge rock, e abstém-se de gravar cenas durante o dia. De entre referências a figuras populares da história, a debates filosóficos de classe máxima, este é um guião que, infelizmente, teve muito menos atenção das massas do que devia.
Phoenix (2014) (de Christian Petzold)
No final da 2ª Guerra Mundial, uma sobrevivente dos campos de concentração volta a Berlim, depois de uma cirurgia de reconstrução facial. Seguindo fortes suspeitas de que foi o seu marido que a atraiçoou e entregou ao exército nazi, decide localizá-lo. Embora não a reconheça como sua mulher, ele nota-lhe fortes semelhanças e rapidamente engendra um plano – oferece-lhe a oportunidade de se fazerem passar como o ex-casal, de forma a ficar com a herança da suposta “defunta”.
Phoenix é uma montanha-russa de emoções que começa com um tiro no coração e acaba com aquele que é, talvez, o melhor final da década. Não um final chocante, nem mesmo surpreendente, mas um final subtilmente avassalador. Lágrimas correrão.
Whiplash (2014)
(Whiplash – Nos Limites, de Damien Chazelle)
Antes de se tornar um artista de renome em Hollywood, Damien Chazelle era apenas mais um argumentista que não conseguia financiamento para realizar o seu projeto de sonho, o musical que mais tarde conheceríamos como La La Land. De forma a conseguir provar o seu mérito, decidiu construir um projeto que requeresse menos verde para vir ao de cima.
Whiplash é um drama sobre um aspirante a músico jazz e o seu rígido instrutor. É um dos filmes mais intensos, stressantes e fisicamente agonizantes que viu a luz do dia na última década. É toda uma panóplia de ansiedade rítmica e um crescendo de tensão com tom de mestre, com destaque para a natureza frenética da montagem. Este é o nosso tempo.
J.K. Simmons ganhou um Óscar pelo seu trabalho.
Anomalisa (2015) (de Charlie Kaufman e Duke Johnson)
Arriscamo-nos a dizer, com plena confiança, que Anomalisa é o melhor filme de animação na década. Não é, no entanto, um filme para crianças, de todo – a cena de sexo algo constrangedora provar-vos-á isso.
A mente de Charlie Kaufman (argumentista responsável por Quem Quer Ser John Malkovich? e Inadaptado.) é um puzzle infinito, uma fonte de ideias que muito poucas pessoas teriam a coragem ou talento para explorar. Anomalisa é de uma originalidade imensa – a história de um homem que perdeu o seu toque na realidade e cujas maravilhas do mundo foram reduzidas a uma voz monótona. David Thewlis (o Professor Lupin de Harry Potter) dá voz ao protagonista, e Jennifer Jason Leigh (Os Oito Odiados) interpreta a rapariga por quem ele se apaixona, a única personagem que não tem a voz de Tom Noonan.
Inside Out (2015)
(Divertida-mente, de Pete Doctor)
Não há melhor filme que retrate um conflito de emoções como Inside Out. Ao longo dos anos, é algo que o estúdio Pixar tem vindo a explorar inúmeras vezes (ver Monstros e Companhia ou a trilogia Toy Story), mas que aqui atinge o ponto perfeito. O filme joga com a personificação das próprias emoções numa sala de controlo dentro da cabeça da protagonista Riley, no dia em que esta se muda para uma nova casa e uma nova escola.
A verdade é que há momentos na nossa vida em que a Felicidade e a Tristeza desaparecem completamente e nos tornamos numa confusão composta por Fúria, Medo e Repulsa. E também há vezes em que todas essas emoções estão presentes numa cacofonia ensurdecedora. Este filme compreende-o, e julgamos que são os adolescentes e os adultos quem vão retirar mais da experiência de o ver.
Mad Max: Fury Road (2015)
(Mad Max: Estrada da Fúria, de George Miller)
Ninguém esperava que Estrada da Fúria fosse o colosso monumental que foi. O quarto filme numa franchise de filmes de ação morta há cerca de 30 anos limpou os Óscares em 2016. É uma frase surreal, quase tanto como o mundo que George Miller construiu em pouco menos de duas horas de filme. Nada se compara a Estrada da Fúria. É um filme que parece estar tanto lúcido, quanto sob o efeito de todas os alucinógenos existentes – uma bomba frenética, apontada às bases do capitalismo e da misoginia. E no meio de todo o frenesim de explosões reais e insanidade mental há espaço para algum do melhor desenvolvimento de personagens num blockbuster desta década.
Também não acreditava se me dissessem que este iria acabar por ser um dos símbolos feministas da década, mas aqui estamos. No fundo, Max é renegado a personagem secundária, apesar de dar nome à história. Destaque para a verdadeira protagonista do filme, Charlize Theron como a imbatível Imperator Furiosa.
Green Room (2016) (de Jeremy Saulnier)
Os The Ain’t Rights são uma banda de hardcore punk que viaja de cidade a cidade à procura de underground e tanques de gasolina cheios – que procedem a “pedir emprestados”. Quando aceitam uma proposta de um bar nos bosques dos arredores de Portland, veem-se metidos numa armadilha quando descobrem que os senhores da casa constituem um gang neo-nazi, que os obriga a barricarem-se na chamada “sala verde” dos bastidores.
Há filmes inspiradores, motivadores e embelezantes. E depois há Green Room, que pega no sonho de qualquer aspirante a rockstar ou mestre da noite e vira-o do avesso, mesmo antes de o pontapear repetidamente. Um shot de adrenalina que nos mantém naquele pequeno espaço cinzento entre pânico sufocante e um ataque cardíaco, enquanto nos pica a pele com a machete mais afiada.
Assustador, da maneira mais provocadora.
La La Land (2016)
(La La Land – Melodia de Amor, de Damien Chazelle)
Por onde começar… La La Land é um sonho a Technicolor. É um paraíso de estrelas, quaisquer elas alcançáveis. É uma melodia sem tom definido, com as suas notas altas e baixas, e o seu tempo alternado. É uma felicidade camaleão e a tristeza que a acompanha. É todas essas coisas pretensiosas e mais. É uma ode aos sonhadores e aos sonhos que não devem ser largados. E, mais que tudo, é um piscar de olhos ao facto de que um final feliz não é obrigatoriamente aquilo a que Hollywood nos habituou.
A um nível técnico, é um filme perfeito. A palette de cores, a fotografia, a edição e a música. Chazelle está no topo do seu game e essa é também outra prova de que, realmente, sonhos podem tornar-se realidade.
Paterson (2016) (de Jim Jarmusch)
Uma homenagem ao pequeno homem, aquele que nos serve o café de manhã, que nos pica o bilhete no comboio, ou que conduz o autocarro que nos leva ao trabalho. Talvez esse pequeno homem seja um poeta, um artista escondido das garras do mundo. A verdade é que qualquer um pode ser um poeta, desde que tenha uma folha e uma caneta.
É essa a premissa de Paterson – um homem, a existir no seu dia-a-dia. O passo lento do filme de Jarmusch não agradará a todos, nem tanto a sua falta de acontecimentos de larga escala. Mas chamar-lhe um filme monótono seria um erro. É, na verdade, uma narrativa bastante rica, para aqueles que se atreverem a desconstruí-la como o estudo pensativo que é. A vida é assim, parada e nem sempre muito entusiasmante.
Razões para ver: um Adam Driver pré-fama de Marriage Story, num papel controlado mas com as suas nuances curiosas.
Silence (2016)
(Silêncio, de Martin Scorsese)
Originalmente, Martin Scorsese figurava nesta lista com o brilhante e frenético O Lobo de Wall Street, talvez a mais popular das suas obras nesta década passada. Não há como negar que é um filmaço no sentido mais sensacional da palavra – apesar de tudo, é um filme que já não se faria hoje em dia (por muito boas razões…), ou que pelo menos teria um ângulo de aproximação completamente diferente.
Foi no último dos momentos, no entanto, que o retirei da lista. Se há obra de Scorsese que merece ter este lugar, é o seu projeto-paixão, que demorou décadas em desenvolvimento e financiamento até finalmente ver a luz do dia. É um épico sobre dois padres jesuítas portugueses (interpretados por Andrew Garfield, que apresenta aqui o melhor trabalho da sua carreira artística, e Adam Driver), que viajam desde Macau até ao Japão, com o objetivo de resgatar um dos seus mentores (Liam Neeson), desaparecido depois de chegar ao continente asiático com objetivo de espalhar a fé cristã.
Silêncio está longe de ser o melhor filme de Scorsese, e até mesmo o melhor filme do realizador nesta década, mas é definitivamente o mais íntimo, mais provocador e mais marcante – moral e esteticamente. É a contestação da fé e dos limites que traçam a natureza humana.
Call Me By Your Name (2017)
(Chama-me Pelo Teu Nome, de Luca Guadagnino)
Se ampliarmos a escala temporal desta lista para os melhores filmes do século, achamos que Call Me By Your Name se manteria fixo. Diferenças de idade incomodativas à parte, não há nada como o primeiro amor e um bom argumento construído à volta da descoberta da sexualidade, algo que é relativamente relacionável para toda a gente.
Pintado sob a tela das paisagens rurais arrebatadoras do norte de Itália – que se tornam, desde o primeiro fotograma, numa personagem tão importante como todas as outras – e ritmado ao som de uma banda sonora imprescindível, o filme tornou-se um marco, dando início ao fenómeno Timothée Chalamet e às infinitas piadas sobre pêssegos.
E aquele último plano… Tememos que seja esse um dos muitos significados da vida.
The Favourite (2018)
(A Favorita, de Yorgos Lanthimos)
À primeira vista, é mais um filme de época britânico. Mas, além dessa primeira camada, encontra-se um filme de Yorgos Lanthimos, o que significa que é uma epopeia salpicada por humor negro, uma atitude reprovável e muitas decisões controversas, como a de representar a Rainha Ana e a Duquesa de Marlborough como amantes – a narrativa do filme é fictícia. Todo o filme é uma luta desnorteante pelo poder de influência na Rainha, entre a Duquesa e a sua prima Abigail Masham.
É de louvar a decisão de usar apenas luz natural, sendo as imagens iluminadas apenas por velas completamente encantadoras. De entre as três performances principais, é difícil destacar apenas uma. Olivia Colman ganhou o Óscar pela sua iteração chorona da Rainha Ana, Rachel Weisz é uma força da natureza, cheia de garra e um olhar quase cegante, e finalmente, é uma maravilha assistir ao constante processo de maturidade e evolução de Emma Stone como atriz, aqui fazendo o papel de vilã manipuladora.
The Lighthouse (2019)
(O Farol, de Robert Eggers)
Num ano de injustiças, The Lighthouse ficou fora da luz do holofote da Academia. Apesar de ter conseguido arrecadar uma nomeação para melhor fotografia – a única que o estúdio A24 conseguiu, embora possuísse filmes como Uncut Gems e A Despedida –, ficaram de fora nomeações para Willem Dafoe, que tem aqui à mostra um dos melhores desempenhos teatrais da década, e cenografia.
Só vendo realmente o filme em si é que percebemos a sua magia. É uma narrativa onde nada que se mostre parece estar realmente a acontecer. De facto, nenhuma das explicações que possam ser arranjadas para a explicar parecem plausíveis, e é nisso que está a piada de The Lighthouse – está em passar horas a pensar em novas teorias, para as descartar imediatamente, por mais intrincadas que sejam. Nada faz sentido e, porém, tudo faz sentido, e é uma coisa linda de se ver.
Artigo revisto por Mariana Plácido e Mariana Coelho