Moda sustentável no Instagram: seguir a linha traçada pelo compasso da economia circular
Nos últimos anos, as lojas de roupa em segunda mão têm proliferado na Internet, sobretudo no Instagram. Se muito murchou neste último ano, em que estivemos confinados por conta da pandemia de Covid-19, o mercado das roupas de segunda-mão no Instagram floresceu. Duas jovens que criaram as suas lojas durante a quarentena contam-nos como é gerir uma loja de roupa em segunda-mão no Instagram e como é que os seus negócios seguem a linha traçada pelo compasso da economia circular.
A indústria da moda foi vigorosamente impactada pela pandemia da Covid-19. As empresas de moda viram as suas vendas a cair por terra conforme as lojas fechavam, os eventos de moda internacionalmente conhecidos foram cancelados ou reagendados para um futuro próximo ou longínquo e a maneira como o consumidor comprava os seus bens mudou drasticamente. No entanto, fez-se luz nesta realidade sombria que a indústria da moda tem vivido. As lojas de roupa em segunda-mão no Instagram floresceram, respondendo a uma procura ecológica cada vez maior. Catarina Barbosa e Diana Gomes juntaram-se, assim, à contracorrente da sustentabilidade formada por milhares de pessoas neste mar gigantesco que é a moda.
Catarina Barbosa é uma estudante portuense cujo estilo pessoal é-lhe difícil de definir. “Eu já tentei muitas vezes, mas eu não consigo. É muito versátil, eu não consigo mesmo definir, porque um dia apetece-me ser clássica e eu sou clássica; num outro dia apetece-me ser desportiva e eu sou desportiva.” A primeira vez que enveredou pelo longo caminho da venda de roupa em segunda mão online foi há cerca de 3 anos atrás, mas, sem sucesso, desistiu. No ano passado, durante a quarenta, viu a oportunidade de voltar a criar o seu negócio. «Recentemente, vi que as pessoas estavam muito mais à procura da roupa em segunda mão e esta estava a ser muito mais procurada e usada, então decidi “se calhar vou criar outra vez outra loja, uma coisa assim mais gira, mais apelativa que se calhar as pessoas gostem e até compram.”»
Do seu lado, Diana Gomes lançou-se neste negócio há cerca de oito meses atrás, também durante a quarentena, e criou a loja Papillon_secondhand, no Instagram e no Facebook que desde então tem voado pelo mercado de roupa em segunda mão cada vez mais florido. Com um estilo mais vintage, Diana decidiu cortar o cordão umbilical que a ligava a ela e aos seus às roupas que perpassam gerações, tendências de moda e crises. “Vou sempre acumulando e os meus pais também têm imensa roupa por causa disso – de quando eles eram novos -, têm muita tendência a guardar a roupa, então eu percebi que nós tínhamos muita roupa acumulada que não usávamos. Usava muito pouco essa roupa e acho que mais valia estar a ser utilizada por outras pessoas.”
A indústria da moda é a segunda indústria que mais polui no planeta, sendo a indústria do petróleo a primeira. A preocupação ambiental tem impulsionado os consumidores a comprarem de uma forma mais ecológica. A sustentabilidade na moda, outrora apenas uma secção da moda, tornou-se numa indústria mais independente.
As complexidades e as ansiedades desta realidade pandémica em que vivemos permitiu-nos ressignificar os valores das coisas, sobretudo em relação à moda.
O PÚBLICO citou os resultados do relatório anual do site americano de artigos usados thredUP, mostrando que “o mercado de moda em segunda mão global alcançou em 2019 o valor de 28 mil milhões de dólares (cerca de 23,8 mil milhões de euros) e prevê-se que tenha o dobro do tamanho da fast fashion em 2029. Já o mercado exclusivamente online deve crescer 69% entre 2019 e 2021”.
No entanto, durante a quarentena, este processo vem acelerando, uma vez que o mercado de roupa em segunda mão ficou firme face ao abalo da desaceleração económica provocada pela crise – quer seja pelo facto de as pessoas usarem o tempo extra para destralhar as roupas do armário, por uma maior consciencialiazação ambiental e do consumo, quer seja pela busca de uma fonte de rendimento extra.
Catarina Barbosa, para além das mesmas razões acima citadas, também o faz para desocupar aquela cadeira encantoada no quarto, empilhada de roupa. Aliás, é desta tendência que surge o nome da sua loja. «Eu pensei “porque não ‘the messy chair’, estás a ver?” Roupa desarrumada na cadeira temos todos.»
“Já há algum tempo, a minha preocupação ambiental tem se tornado também mais frequente no mundo da moda, ou seja, enquanto antes eu era, se calhar, um bocadinho mais consumista e, pronto, deixava-me levar um bocadinho mais pelas tendências e tudo, como é natural, dependendo das idades, hoje em dia eu acho que já não sou muito assim, ou seja, não me preocupo tanto com aquilo que toda a gente está a usar e com as tendências que possam estar a acontecer, apesar de que, obviamente, somos todos influenciados pelo menos um bocadinho por aquilo que nós vemos e acho que não há mal nenhum nisso.”, diz Diana. Depois de ter ficado sem emprego durante a pandemia, viu a loja Papillon_Secondhand como uma forma de “ir poupando um bocadinho ao mesmo tempo que estou também a ter uma ação mais ambientalista e acho que se juntou um bocadinho o útil ao agradável”.
Catarina Barbosa, para além de estudar, também trabalha em part-time, mas a loja The Messy Chair “é um rendimento extra”.
As duas estudantes acreditam que não deixar a “roupa parada” e, ao invés disso, dar a outras pessoas que podem dar uso é uma mais-valia, tornando o ciclo de vida das peças mais significante e sustentável. Isto é o tipo de costura e acabamento da economia circular. Ou seja, o mundo da roupa em segunda mão quebra a, até então, longa relação do usar e descartar.
“É o mundo da roupa em segunda mão. Eu, muitas vezes, compro peças já em segunda mão, eu uso e a peça continua a estar nova, continua a estar boa, eu consigo vender essa peça e a pessoa ainda usar e provavelmente ainda vender ou alugar, porque as peças não se estragam de um dia para o outro e muitas vezes nós não damos esse uso às peças. Mais vale vender ou doar do que ter aqui parada em casa”, diz Catarina.
O Instagram é uma das plataformas que leva os internautas a consumirem muito mais, tornando-se num cruzamento onde o comércio online e a roupa de segunda mão confluem.
O feed do Instagram mudou drasticamente. Confinados em casa, passámos a ver a criatividade que reside nas fotos hiper mega decoradas ou minimalistas entre quatro paredes. Fotos cuidadosamente preparadas com espelhos vigentes ou vidros retros que refletem silhuetas com ou sem rostos com roupas bem conjugadas, manequins com proporções, cores, expressões com peças de roupa de segunda mão que piscam os faróis para chamar a atenção de possíveis futuros donos. Ambas as jovens escolheram o Instagram como rede social para lançarem os seus negócios por ser uma plataforma mais interativa.
Pouco depois de ter lançado a Papillon_Secondhand, Diana procurou seguir outras pessoas que já vendiam roupa em segunda mão, pessoas que já tinham lojas estabelecidas e um público já consolidado. Aprendeu mais sobre as técnicas de venda, ou seja, como apresentavam os produtos e a informação e como se comunicavam com os clientes.
Já Catarina pôde contar com uma amiga licenciada em ciências da comunicação que, para além de a ajudar a criar o nome da sua loja, também a ajudou a tirar fotos das peças que, tanto para Catarina como para Diana, têm de seguir critérios antes de passarem pelos cliques.
Catarina não gosta de ver “roupa parada” e a roupa ter esse estatuto já cumpre o seu principal critério de venda.
“Há roupas que, obviamente, se tiverem um defeito que não dê para utilizar com a mesma roupa, nunca vou colocar à venda e depois também tento manter um bocado um sentido, uma coerência estética, porque acho que também colocar tudo para lá, coisas que provavelmente não vou ser vendidas, não coloco, ou seja, tento ver roupas que acho que realmente possam ser utilizadas por outras pessoas”, assegura Diana.
Para além de se arrecadar muitos prós neste negócio, Diana e Catarina dizem, no entanto, que existem também contras, como lidar com os atrasos dos correios e, consequentemente, com a pressão dos clientes. É também um negócio trabalhoso que pede muito tempo e dedicação – é preciso selecionar as peças, tirar fotos, lavá-las e passá-las a ferro também.
No entanto, ambas acreditam que vale a pena, pois o feedback é sempre positivo “e isso tudo é muito enriquecedor, mesmo depois de o processo ser trabalhoso, portanto, lá está, eu incentivo muito a que toda gente procure fazer isto”, afirma Diana.
Para quem quer enveredar por este caminho e criar o seu negócio de venda de roupa em segunda no Instagram, que tem se mostrado cada vez mais fecundo, Diana ainda aconselha a que se tenha muita paciência, porque o processo é longo, mas “mais vale deixar circular”.
Visita a página The Messy Chair em https://www.instagram.com/the_messy_chair/ e a página Papillon Secondhand em https://www.instagram.com/papillon_secondhand/ .
Imagem de capa: Eco Warrior Princess
Artigo revisto por Inês Pinto
AUTORIA
Paula Suaila é uma estudante de jornalismo e redatora da secção Moda e Lifestyle. É semi-careca, é também a irmã perdida da Kelly Malcolm do Jurassic Park e tem quase a certeza de que, há duas vidas passadas, viveu na Dinastia Joseon. Quando não está a maratonar (#bingewatching) um drama coreano está a ler ou a ver algo relacionado com moda.