A Mulher à Janela: aguenta, Hitchcock!
Com uma produção atribulada e um produto final que deixa muito a desejar, A Mulher à Janela, de Joe Wright, fracassa após a sua estreia na Netflix, quando (aparentemente) tinha tudo para dar certo.
Estreou este mês, em pleno 2021, mas contava com uma data de estreia prevista para outubro de 2019. Este atraso no que ao lançamento diz respeito teve que ver com o feedback após várias sessões de teste e a produção decidiu tentar (leia-se: sem sucesso) contornar a situação. Escusado será dizer que estes dois anos de alterações e refilmagens de pouco ou nada serviram, sendo que o filme continua longe de uma produção cinematográfica ao nível dos profissionais que o assumiram.
A Mulher à Janela apresenta a história de Anna Fox (Amy Adams), uma psicóloga para crianças que sofre de agorafobia – um tipo de transtorno intimamente relacionado com ansiedade, em que a pessoa tem medo e evita lugares ou situações que podem causar pânico.- e, por isso, não larga a segurança das 4 paredes de casa há mais de 10 meses. Com doses alucinantes de medicação e sem conseguir pôr um pé fora de casa, Anna preenche a monotonia da sua própria vida através do consumo e observação de vidas alheias. Pela janela, a olho nu ou através de uma câmara, a protagonista dá por si (demasiado) envolvida em dramas que não lhe pertencem. O problema que se revela, obviamente, um dos pontos principais de toda a ação.
Anna Fox partilha o palco com a Família Russell, que se muda para o prédio em frente à janela da protagonista. De forma lenta e evidentemente suspeita, os membros da nova família do bairro vão criando situações de contacto com a protagonista e, como consequência, a sua obsessão pela vida de quem vive do outro lado da rua aumenta consideravelmente à medida que os laços se intensificam.
A primeira meia hora de filme é, honestamente, enfadonha. Com cenários escuros, visualmente pouco apelativos e com poucos diálogos ou material que nos deixe de olhos colados ao ecrã. No entanto, a cena protagonizada por Anna Fox (Amy Adams) e pela alegada Jane Russell (Julianne Moore) vem alterar o rumo da história e revela-se densa e cativante desde o primeiro minuto. Às tantas, envolvemo-nos na conversa destas duas mulheres intrigantes e rapidamente percebemos que aquele encontro “traz água no bico”. Sem aviso prévio, entramos em estado de alerta e, no que à relevância e densidade diz respeito, experienciamos aquela que é, na minha opinião, a melhor cena do filme.
Sem spoilers, pouco depois, Anna Fox testemunha um alegado assassinato que se revela o cerne de toda a ação. Gostava de poder acrescentar mais sobre o plot de “A Mulher à Janela”, mas não há literalmente mais nenhum foco de interesse ou acontecimento paralelo. Há um crime, uma testemunha e todo um enredo de mentiras e falsas alegações, onde a saúde mental é utilizada como arma de arremesso – nada mais.
Tendo em conta que a protagonista sofre de alcoolismo, depressão e vive com doses alucinantes de medicação, é óbvio que tudo o que diz é posto em causa e este alegado crime não é exceção.
Digo e repito: relacionar distúrbios mentais com manipulação, falta de credibilidade e vulnerabilidade é uma carta (mais do que) ultrapassada e, honestamente, em pleno 2021 é uma jogada desnecessariamente arriscada. Percebemos, desde o primeiro instante, que a palavra de Anna Fox vai ser posta em causa e o filme revela-se previsível e, acima de tudo, frustrante.
Posto isto, a questão do voyeurismo é estupidamente romantizada e, como quem não quer a coisa, A Mulher à Janela legítima a invasão de privacidade em prol de bens maiores. Novamente, não peca pela intenção, mas pela concretização.
O livro de A.J. Finn que serve de base e dá nome ao filme prima pelo ambiente denso no qual mergulhamos e do qual não queremos sair. O ritmo denso e lento que o caracteriza é fundamental para que se criem laços fortes e empáticos com as estrelas da história e incrivelmente necessário para que nos consigamos perder no (conturbado) psicológico da personagem principal.
Ora, na adaptação cinematográfica, com mão de Tracy Letts e direção de Joe Wright, não há tempo para conhecer intimamente esta personagem principal e, às tantas, a fraca contextualização da vida de Anna Fox e do seu percurso enquanto mãe e mulher solitária cria uma lacuna no que à empatia diz respeito. Como consequência, a nossa perceção desta (alegada) paranóia revela-se enviesada. Arrisco-me a dizer que, como consequência desta fraca relação de proximidade com a protagonista da história, ao longo do filme, estamos mais tempo perdidos do que interessados – o que, por si só, não é de todo um aspeto positivo.
O estado psicológico de Anna passa para segundo plano demasiado rápido e este mundo negro e solitário não recebe o destaque de que estavámos à espera. Passamos de um universo sensível para um autêntico episódio de CSI sem qualquer tipo de ponte ou transição gradual – o que acaba por denunciar uma fraca coesão ao longo de várias cenas do filme.
Metaforicamente falando, este prato cinematográfico tinha todos os ingredientes necessários para a confeção de uma autêntica obra de arte. No entanto, A Mulher à Janela é um alegado suspense psicológico que de suspense efetivo pouco ou nada apresenta.
Pela forte influência e referências subtis, rapidamente percebemos que este filme de Joe Wright é uma tentativa (falhada) de homenagear o mestre do suspense, Alfred Hitchcock, um diretor cinematográfico notável que trouxe aos Grande Ecrãs clássicos como Um Corpo que Cai (1958) ou Psicose (1960). Notamos ainda fortes influências do clássico Janela Indiscreta, ainda que sem o mesmo nível de thriller psicológico e suspense exímio. É caso para dizer: aguenta, Hitchcock!
Com realização de Joe Wright, adaptação de Tracy Letts e um elenco que conta com nomes como Amy Adams, Gary Oldman e Brian Tyree Henry, tudo indicava que estaríamos perante um trabalho notável e um filme de suspense à altura de manicures estragadas e batimentos cardíacos acelerados. No entanto, nem tudo o que parece é – e este filme é o exemplo perfeito de que os ditados populares raramente falham.
Segundo o trailer, é um filme promissor. Reduzido a meia dúzia de palavras de quem já viu, mesmo com mil e uma críticas à mistura, intriga e desperta uma ligeira vontade de perceber de que se trata. No entanto, para quem perde, no sentido literal da palavra, 80 minutos a acompanhar a história, é incrivelmente desconfortável, oco e previsível.
Pela lente enganadora da janela do prédio da frente e de uma mente visivelmente instável, nem tudo o que parece é – ou talvez seja – é ver para crer.
Artigo redigido por Bruna Gonçalves
Artigo revisto por Ana Sofia Cunha
Fonte da imagem de destaque: Rotten Tomatoes