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Zona Velha do Funchal: um museu a céu aberto fantástico

A ilha da Madeira é conhecida pela beleza das suas paisagens naturais, que conquistam o coração de quem a presencia. Mas quem visita este destino não se deve ficar por aí… Esta ilha tem uma vertente cultural a não perder!

Na zona velha do Funchal, “capital” da Madeira, vários artistas fizeram de portas antigas e esquecidas a sua tela. Mais de 100 portas enfeitadas, cada uma com uma forma única e diferente, formam um museu ao ar livre, proporcionando uma experiência fantástica a quem caminha pelas ruas da baixa funchalense. 

Este projeto, batizado de Arte Portas Abertas, foi criado e desenvolvido por José Zyberchema, que desejava dar uma nova vida a uma zona abandonada e degradada. O fotógrafo espanhol conta que aproveitou a inauguração do restaurante Dona Joana Rabo-de-Peixe, em 2011, para implementar uma ideia inspirada naquilo que tinha observado em Itália. Pediu a um amigo – Marcos Milewski – que pintasse a porta de entrada da nova tasca: este foi o pontapé de saída. “Depois disso, comecei a convocar artistas que conhecia, para contribuírem com a sua criatividade”, afirma Zyberchema, acrescentando que o único critério de seleção foi a vontade de partilhar arte.

Deixo aqui um pequeno roteiro que inclui as minhas portas favoritas e o processo por detrás da sua criação. 

Rua Dos Barreiros n.º 4

A obra Look Beyond The Happy Ending, realizada por Fátima Lopes, é especialmente adorada pelos românticos. É frequente ver-se casais, que, em frente à porta, posam para câmara reproduzindo o beijo que as personagens ilustradas partilham. “Já o presenciei várias vezes e estou sempre a receber fotografias… Na altura em que foi aprovada a união entre homossexuais, um casal dirigiu-se até a porta após o casamento e tirou lá uma fotografia—essa é a minha favorita”, revela Fátima.

Os meus pais contavam-me que, nos tempos antigos, os namorados não podiam ter contacto físico porque eram constantemente vigiados. Ainda assim, havia mulheres que engravidavam, porque quando se despediam do amante na soleira da porta surgia a oportunidade de se beijarem ou se envolverem. Conjuguei esta ideia com outras duas: o facto de haver muitos namorados na Avenida do Mar que aproveitavam os tempos mortos para desfrutarem da companhia do amante; a prostituição, frequente na Zona Velha.” 

Nesta pintura, o beijo – esse momento conjugado – é mais importante do que a história de amor que está por trás. Apesar dos tons de rosa e de uma imagem que apela à fantasia, o título relembra ao espectador de que há coisas mais importantes do que um final feliz.

Para a realização da pintura, Fátima utilizou esmalte aquoso – uma variante menos poluente do esmalte sintético, indicada para pintar em metal. Acabado o trabalho, acrescentou uma camada de verniz que permitiu que a arte ficasse em bom estado até hoje.

Na verdade, o desenho foi feito a partir da observação de uma fotografia de Fátima e o seu namorado na altura. A relação ficou eternizada numa porta de metal, que pertence ao restaurante Violino.

Rua da Santa Maria n.º 273

Esta pintura ilustra a figura de São Tiago Menor, o padroeiro do Funchal. O artista Roberto Correia misturou uma figura religiosa e elementos mundanos, estabelecendo assim uma ligação entre o profano e o sagrado. 

Eu fiz um esboço de São Tiago Menor no meu caderno, mas o resto – isto é, as figuras grotescas e as videiras – foi criado naquele momento”, afirma o autor da obra. A inclusão da vinha tem dois objetivos: simboliza o ato de beber e, assim, contribui para a concretização da intenção do criador; reflete o que está por trás da porta, ou seja, um armazém dedicado à venda de vinho. Segundo Roberto, a forma como desenhou a videira foi inspirada nos seus arredores, nomeadamente na composição das grades de ferro da varanda do edifício. 

Para pintar a porta, foram utilizadas tintas acrílicas.

Rua Santa Maria  n.º 39

A intervenção de Hernando Urrita foi um tanto diferente. Contrariamente à maioria dos artistas, optou por fazer uma escultura em vez de uma pintura. 

Há várias formas de interpretar a obra”, diz Hernando, explicando que esse é o efeito típico de uma escultura minimalista. O autor garante que a criação foi espontânea, motivada pelo trabalho em público. Então, o artista espanhol concebeu algo que vinculasse o mundo primário e atual, o sagrado e o profano, mas sobretudo a arte e o público. A escultura contém uns fios de aço grossos que as pessoas podem mover – deste modo o espectador tem um contacto direto com a obra, podendo, ainda, alterá-la. Assim, o público recebe a possibilidade de participar, também, no projeto. “O público é um co-autor da obra e eu sou apenas o mediador”, afirma o artista. 

De facto, a exposição na rua faz com que os curiosos percam o medo de apalpar a escultura. Além disso, se a intenção era criar essa conexão entre obra e o espectador, uma pintura não teria sido adequada. De qualquer modo, Urrita não planeava trabalhar com tintas. Queria fazer algo diferente, que incentivasse a expansão da arte contemporânea: “Do meu ponto vista, era necessário incluir uma peça destas. É importante levar a arte contemporânea ao público, porque cria uma evolução; porque é uma forma de dialogar com o ele e obrigá-lo a pensar.” 

A porta aparenta ser de ferro, mas, na realidade, é apenas madeira pintada através de um processo que envolve químicos perigosos e custosos. Quando Hernando se envolveu no projeto, já não havia portas degradadas por renovar. Então, Hernando ficou encarregue de embelezar uma porta nova: “Eu não queria estragar a porta, e, por isso, anexei uma placa de madeira.

Rua Santa Maria  n.º 127

Neste projeto houve muitas colaborações entre artistas. Eis uma colaboração icónica entre um artista profissional e outro amador, que com tintas de parede fizeram uma transformação que foi considerada uma das melhores pela TVI.

Hugo Monteiro, na altura um jovem inexperiente, envolveu-se nesta iniciativa e convidou o seu amigo Carlos, um artista que já havia colecionado alguma experiência neste campo, a juntar-se a ele. Celebraram, através desta pintura, uma memória de infância. Hugo cresceu na zona velha; lá perto, a praia ao lado do Forte de São Tiago acolheu-o muitas vezes. Foi precisamente a imagem de um forte junto ao oceano a imagem registada na porta de casa da mãe de Hugo. 

Tendo em conta que eram estudantes, logo sem possibilidades de comprar tinta acrílica que cobrisse uma porta daquela dimensão, os jovens tiveram de pensar numa outra alternativa. Hugo conta: ”Um senhor, amigo do meu pai, estava a remodelar um restaurante lá na zona e ofereceu-nos três ou quatro latas de tinta de parede. Tivemos de nos desenrascar com isso — misturamos cores para obter novas; no final tivemos de acrescentar uma camada de verniz.” 

Para saberes mais sobre este projeto e poderes decidir quais são os teus trabalhos favoritos, visita o site oficial. Mas ver as fotografias online, certamente, não se compara à experiência cultural, à criatividade e magia que um passeio pela Zona Velha do Funchal proporciona. Está na hora de comprares o teu voo para a ilha da Madeira! De que estás à espera?

Artigo revisto por Miguel Tomás

AUTORIA

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Daniela nasceu nos Estados Unidos, mas cedo se mudou para a ilha da Madeira, onde foi criada. Embarcar para a cidade de Lisboa é um primeiro passo para conquistar o seu sonho de criança: ser uma renomada Jornalista. Ambiciona criar conteúdos para grandes revistas turísticas, porque, para além da escrita, a sua paixão é viajar. São os pequenos prazeres da vida que a movem, e deseja partilhar esse olhar único sobre a vida.