Relações abusivas — “equações” difíceis, mas de solução leve
Todos nós somos diferentes, e não apenas em termos físicos. Todos temos as nossas próprias memórias, vivências, hábitos, gostos e formas de pensar. E que graça teria viver num mundo que não fosse assim? Nenhuma, penso eu. Daqui, destas nossas particularidades, advém a nossa personalidade. Esta é inerente a cada ser humano e, apesar de se moldar e transformar ao longo das diversas fases pelas quais cada um de nós passa no percurso de vida, tem a capacidade de ditar a nossa forma de agir e de contactar com o outro.
Criar laços e construir ligações são processos típicos do ser humano. Apaixonamo-nos, fazemos amigos, conhecemos novos colegas, contactamos com tanta gente, fixamos tantas caras, sorrisos, expressões e nomes. Cada pessoa deixa em nós um bocadinho de si. Se esse “bocadinho” for agradável e “delicioso”, como um pequeno chocolate que deixamos derreter na boca, não incomoda. É leve, feliz e confortável. O problema surge quando esse “bocadinho” não transporta a inocência e leveza que o diminutivo lhe parece conferir.
Como todos temos a nossa personalidade, além de termos diferentes formas de lidar com o outro, também nos deixamos afetar pela forma de tratamento do outro para connosco de diferentes maneiras. Se, numa conexão entre duas pessoas, há um elemento mais “frágil” e facilmente influenciável e outro elemento mais “forte” e com maior capacidade dominadora, haverá também, nesta relação, duas formas de agir (e reagir) distintas. E, geralmente, nestes cenários, um dos elementos terá de passar por uma experiência nada “doce” ou leve. Foi a leitura do livro Isto Acaba Aqui, de Colleen Hoover, que me fez refletir sobre este tema e querer deixar patente o meu ponto de vista.
Na verdade, este é um tema sobre o qual nós, enquanto sociedade, debatemos com alguma regularidade nos dias que correm. Conhecemos perfeitamente o cenário que anteriormente referi (quer por experiência própria ou de alguém próximo). Muitas vezes tentamos colocar-nos no lugar do “frágil” e perceber os motivos que o levaram a aguentar a dominação do mais “forte”. Outras vezes, porém, tentamos perceber o que vai na mente daquele que se consegue sobrepor a outro durante um tempo, de modo a “justificarmos” algum dos seus atos.
Ao refletir sobre isto, posso dizer, desde já, que ninguém é o elemento “inferior” numa relação por vontade própria ou porque se sente bem com isso. Penso que, na maioria das vezes, esta pessoa tem dentro da mente uma ilusão previamente criada da qual não se consegue livrar. Essa ilusão faz com que acredite ou se force, inconscientemente, a acreditar numa suposta perfeição. Apesar de, no fundo, saber desde o início que está presa e a ser manipulada como uma marioneta pela outra pessoa, a tal ilusão e idealização não a deixa reagir nem lhe dá forças para tal, acabando por “esquecer” ou “desculpar” um ato menos bom da parte do outro, vezes e vezes sem conta. O outro elemento da “equação” sabe que detém poder e influência sobre o primeiro, o que lhe transmite segurança e uma sensação de superioridade. Tem toda a força do seu lado para agir dessa maneira para com o elemento “frágil”, que apenas se limita a aguentar tudo em nome de uma falsa utopia da qual se convenceu e que quer deixar transparecer.
É com este processo que toda a relação se vai desgastando, à medida que aquele que sofre a dominação por parte do outro se deixa afetar cada vez mais e permanece imóvel e sem conseguir demonstrar aos outros (e até a si) que nada é idílico, leve ou confortável.
Conseguir sair de uma situação destas leva o seu tempo; exige preparação e força da parte de quem nunca a teve para encarar a realidade na qual, inocentemente, se deixou mergulhar. Todavia, quando se torna possível, é libertador. É como um renascimento interior. Um abrir de portas para o mundo, para a autodescoberta, para novas oportunidades de se ser feliz, para a vida.
É esta a minha reflexão. Foi isso que o livro me permitiu refletir. Foi isso que a experiência própria me ensinou.
Fonte da capa: Unsplash
Artigo revisto por Pedro Filipe Silva
AUTORIA
A Liliana tem 18 anos e está no primeiro ano da licenciatura em Jornalismo. A Liliana (Lili, como está habituada a ser chamada) era aquela menina que, em pequena, passava a tarde no quarto a escrever, a inventar histórias, a criar poemas. Adorava fazê-lo e era sempre elogiada pelos mais velhos, que admiravam esta sua capacidade. Até hoje, esse amor pela escrita não desapareceu e, por isso, está na Magazine da ESCS para fazer algo que sempre lhe deu muito agrado, aprender e, acima de tudo, divertir-se enquanto o faz.