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Informação local: resistir apesar de tudo

Meios de comunicação regionais enfrentam desafios que intimidam a existência das vozes locais. Novos projetos são semeados online, mas será que têm condições para colher frutos em terras com tendência para a despovoação?

A ascensão da nova era digital trouxe desafios ainda sem solução para os meios de comunicação. Um pouco por todo o mundo, as administrações têm assumido medidas drásticas de redução de custos e despedimentos coletivos. Ao longo dos últimos 20 anos, vários títulos históricos abandonaram o suporte físico, como foi o caso da prestigiada Newsweek, o austríaco Wiener Zeitung, um dos jornais mais antigos do mundo, e do britânico The Independent.

Em Portugal, onde os índices de leitura são inferiores comparativamente com os congéneres europeus, a situação tende a ser ainda mais grave. O processo da Global Media, que ameaça o despedimento de mais de 200 jornalistas e o fim de títulos históricos como o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias e a rádio que marcou uma viragem, a TSF, ou o jornal O Jogo, é um exemplo deste cenário. E à medida que a escala diminui, o problema adensa-se.

Com uma identificada dependência financeira das receitas das autarquias, na Imprensa local, o cenário é ainda pior. De acordo com os registos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em Portugal, existem 316 jornais, 330 rádios e 207 programas distribuídos exclusivamente pela internet. O estudo de 2022 “Deserto de Notícias Europa 2022: Relatório de Portugal”, do LabCom, unidade de investigação da Universidade da Beira Interior, refere o que conceptualiza como “um deserto de notícias”, onde não existe qualquer meio de natureza jornalística. O estudo conclui que mais de metade dos concelhos do país já é um deserto, semidesértico ou está ameaçada pela carência de notícias.

Mapa do Deserto de Notícias em Portugal
Fonte: Relatório da Portuga

Neste caso, estamos a falar nos 25% dos concelhos que não têm órgãos de comunicação social. Cerca de 50% estão num nível de risco, ou seja, só têm um órgão de comunicação e se esse meio fecha passam a ficar dentro do deserto de notícias. Depois deste estudo, em 2022, vamos repetir a investigação em 2024 para percebermos se há diferenças”.

Explica um dos autores do estudo, Pedro Jerónimo.

Embora Portugal mostre uma certa vitalidade nos meios de comunicação social locais em comparação com outros países europeus, muitas dessas redações enfrentam desafios e possuem uma estrutura frágil. “Fui jornalista na imprensa regional durante dez anos, prossigo o meu interesse na área desde então. Portanto, há 20 anos que acompanho este setor. Continuo a dizer que, em Portugal, é dos setores com mais experiência de viver em crise e dificuldades em todos os níveis, como escassez de recursos humanos, financeiros e técnicos”, considera Pedro Jerónimo.

Os meios de comunicação regionais tendem a mostrar-se empenhados em garantir uma cobertura noticiosa que represente a realidade local e vá ao encontro do serviço público. O valor-notícia da proximidade é o foco desta área do jornalismo: “Diria que os temas que mais interessam às pessoas, no fundo, são os que impactam diretamente o seu dia a dia.

A resiliência dos planaltos de Bragança

Fonte: Mensageiro de Bragança

Há 84 anos que os habitantes do distrito de Bragança recebem, todas as semanas e de forma ininterrupta, o jornal Mensageiro de Bragança. Propriedade da diocese Bragança-Miranda, o título tem, como refere António Gonçalves Rodrigues, diretor desde 2016, “atravessado diversas fases, quer na estabilidade financeira como na linha editorial. Algumas de pendor mais religioso e outras de maior intervenção social, como a que se encontra neste momento”.

Publicar um jornal semanalmente não é fácil e a saúde financeira deste meio tem refletido a conjuntura do país, do mundo e da região onde está inserido, uma das mais distantes da capital e que, de acordo com os Censos de 2021, só na última década perdeu 13 mil habitantes.

“No início dos anos 2000, o jornal viveu uma fase de grande pujança, mas a situação mudou depois da crise de 2008. Nessa altura, foi necessária uma reorganização do jornal de forma a adaptar os custos às receitas do momento”, descreve o diretor.

À entrada do ano 2024, o Mensageiro de Bragança conta apenas com dois jornalistas e dois correspondentes, um no Planalto Mirandês e outro em Mirandela. Uma média de 36 páginas, algumas naturalmente com publicidade, são concretizadas por quatro jornalistas. “Neste momento, o objetivo do jornal é transmitir o que acontece através de um olhar cristão, defendendo os valores católicos, mas a secção Diocese é apenas uma editoria, como existe a Política, a Cultura, o Desporto ou outras.” O esforço nunca é em vão. Este ano, o semanário de Bragança foi agraciado com o prémio Gazeta-Imprensa Regional, do Clube de Jornalistas.

Mesmo com um tecido empresarial fraco e muito sustentado em empresas familiares, os reajustamentos de há 12 anos parecem ter sido imprescindíveis para assegurar a estabilidade financeira. “Desde 2013 que o jornal tem sempre fechado cada ano com resultados positivos”, adianta. Enquanto a saúde financeira se mantiver estável e a diocese o permitir, os quase 123 mil habitantes que se mantêm em Bragança, além dos emigrantes da região e outros assinantes do jornal, continuarão a ler as palavras que os quatro jornalistas de semeiam no jornal, invertendo a tendência de “deserto noticioso”.

A sul, tudo de novo

A dedicação a tudo o que consiga dar visibilidade local expressa-se no Correio de Lagos, fundado em fevereiro de 1989, com o objetivo inicial de limitar a cobertura noticiosa ao concelho de origem. De imediato, o fundador percebeu que valeria a pena alargar o foco noticioso aos municípios de Aljezur e Vila do Bispo. Estes três concelhos integram hoje a Associação de Municípios das Terras do Infante, precisamente, a área geográfica abrangida pelo título algarvio, com periodicidade mensal. Trinta e cinco anos depois, o jornal mantém-se saudável, mas graças à resistência do fundador e diretor, Carlos Conceição, que resume a natureza do projeto:

A sobrevivência depende da simbiose entre profissionalismo e carolice. Afinal, o amor ao jornalismo, sempre em busca de novos colaboradores, mais anunciantes e, sobretudo, promover uma grelha de informação credível, rigorosa, independente e onde esteja presente a pluralidade.

O amor ao jornalismo pode não ser suficiente quando não existem condições para exercer a profissão. A maioria dos jornais locais têm de adaptar a periodicidade devido a fatores que impossibilitam a cobertura noticiosa diária. Os constrangimentos financeiros são sempre o maior problema. De acordo com o estudo “A Imprensa local e regional em Portugal”, desenvolvido pela ERC, a maioria das publicações de imprensa regional é mensal, representando 37,5% deste universo, posteriormente, os semanários e os quinzenários. Os títulos de imprensa regionais diários são apenas 18 (2,5%).

Por falta de condições, o Correio de Lagos teve de adaptar a periodicidade a mensal. “Os CTT, infelizmente, não cumprem com as suas obrigações para levar os exemplares às casas dos assinantes e outras despesas com pessoal são verbas elevadas. Contudo, temos a vantagem de ter parcerias com as câmaras municipais através de páginas de anúncios, tal como os editais tanto das autarquias como de notários e particulares que a lei obriga a que apenas sejam publicados em papel”, refere Carlos Conceição.

Fonte: Correio de Lagos

A necessidade de independência é posta à prova quando a participação da comunidade tem impacto na produção noticiosa, o que resulta em lidar com cidadãos indignados, agendas pessoais ou tentativas de obter publicidade gratuita. Diante deste cenário desafiante, é difícil ignorar o papel crescente que as tecnologias desempenham no panorama jornalístico atual. “Naturalmente que as melhores tecnologias potenciam um jornal local. Tentamos progressivamente evoluir e corresponder às expectativas dos nossos leitores e anunciantes”, conclui o diretor do Correio de Lagos.

O digital contra a desertificação noticiosa

A ascensão das plataformas digitais e das redes sociais trouxe desafios e alterou o paradigma do jornalismo, mas o online pode ser um balão de oxigénio no estado do jornalismo regional. O projeto Médio Tejo, que cobre 13 concelhos da comunidade intermunicipal que empresta o nome ao jornal online, é um exemplo de um meio digital que está empenhado em combater o deserto noticioso. Fundado em setembro de 2015 por dois irmãos jornalistas profissionais há mais de 20 anos, Mário Rui Fonseca e Patrícia Fonseca, o jornal surgiu exatamente pela falta de informação regional. Como explica Patrícia Fonseca, “era mais fácil um habitante de Abrantes ter acesso ao que acontecia em Nova Iorque ou em Cabul do que saber o que se passava em Torres Novas ou em Tomar”.

Fonte: Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo

Na Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, vivem mais de 250 mil habitantes, menos de metade da população da cidade de Lisboa. Patrícia Fonseca defende que o título que fundou é determinante para a autoestima das populações locais: “Estamos a realizar um trabalho que mais ninguém faz. Na pandemia, éramos os únicos que dávamos os números a nível regional, falávamos todos os dias com a delegada de saúde local. Para quem vive em terras pequenas, estar a ouvir a conferência de Imprensa da Direção Geral de Saúde (DGS) a nível nacional não adianta. As pessoas querem saber o que se passa na sua terra, com os seus vizinhos. Pode ir à rua ou não?

Em nove anos de existência, o jornal já recebeu várias bolsas, apoios e distinções, como o Melhor Órgão de Comunicação Regional, nos Prémios Sapo, em 2020. Mas esses reconhecimentos não sustentam nem cobrem totalmente as despesas do site.

Aqueles 5 euros por mês de subscrição podem fazer a diferença para um projeto desta natureza. Este ano, vai ser decisivo. Vamos para o décimo ano do jornal e ou isto vira e temos uma estabilidade financeira que não nos deixe sempre com o coração nas mãos ou, de facto, não tem viabilidade”, admite.

Mas como o caso do jornal online Médio Tejo, há muitos outros meios regionais ameaçados de fechar portas.

Lado a lado com as tecnologias

No caminho da esperança, a Região Centro passou a contar com cobertura noticiosa da Central Press. Com lançamento a 13 de dezembro de 2023, o projeto é ambicioso e pretende cobrir uma vasta área geográfica. “Temos sede em Coimbra e queremos ter delegações nos seis distritos da região. Neste momento, o site já conta com 20 jornalistas, mas pretendemos ascender a mais de 50”, refere Maria da Graça Polaco, diretora do site.

“Pretendemos, exatamente, combater a desertificação que alastra na comunicação regional. E não seremos a caixa-de-ressonância de press releases, mas queremos recuperar o espírito de contrapoder que existiu nas rádios piratas; um jornalismo com espírito crítico. E todas as peças são assinadas por jornalistas.

Graça Polaco

Se o maior problema dos meios de comunicação é identificar um modelo de negócio financeiramente viável, a Central Press parece já ter definido a solução a seguir: “A ideia é funcionar com o mercado regional, com receitas de publicidade e artigos fechados e assinaturas. É esse o caminho”. Este novo projeto promete empreender esforços para contrariar o chamado “efeito eucalipto” de minar toda a publicidade, “a ideia é estabelecer redes com outros jornais e rádios locais”, assegura Maria da Graça Polaco.

A forte componente multimédia será a aposta do novo projeto digital. “Queremos incluir várias valências e que estão em desenvolvimento, como seja o vídeo e o podcast.” No futuro próximo, revela a diretora, “iremos lançar uma televisão, com uma grelha de programação própria, que inclui programas informativos, mas também de entretenimento”.O objetivo de programas online de forte alcance geográfico podem ser, acredita Maria da Graça Polaco, “o impulso necessário para combater o deserto noticioso”.

O objetivo de programas online de forte alcance geográfico podem ser, acredita Maria da Graça Polaco, “o impulso necessário para combater o deserto noticioso”.

Fonte da capa EVN Report

Artigo revisto por Margarida Pedro

AUTORIA

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A algarvia Sara Silva nasceu e cresceu junto ao mar. É amante da arte de comunicar, seja através do movimento, da escrita ou da voz. Depois de acabar o secundário optou por ir estudar para a ESCS, a mais de 300km de casa. Neste momento está no 2.º ano da licenciatura em Jornalismo e não poderia estar mais satisfeita com a sua escolha.