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“Olhei à minha volta e comecei a reparar melhor nas mulheres” – Maria Lamas

De 26 de janeiro a 28 de maio de 2024, a Biblioteca de Arte Gulbenkian abre as portas, pela primeira vez em solo português, à obra fotográfica de Maria Lamas. Uma figura que marcou o século XX como jornalista, escritora, pedagoga, investigadora, tradutora, fotógrafa e defensora dos direitos humanos e cívicos, principalmente nos tempos da ditadura salazarista, onde a função de uma mulher se cingia ao cuidado do lar.

Além das Convenções: A Trajetória de Maria Lamas

Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas nasceu na freguesia de São Pedro, em Torres Novas, a 6 de outubro de 1893. Surge como uma das figuras portuguesas mais notáveis do século XX. 

Com apenas 17 anos, casou-se pela primeira vez com Teófilo José Pignolet Ribeiro da Fonseca, e enfrentou os desafios da vida conjugal e da maternidade enquanto o marido servia em missão militar em Angola durante a Primeira Guerra Mundial. No entanto, o enlace não resistiu e Maria Lamas regressou a Portugal com as suas filhas, enfrentando o estigma social do divórcio.

Laria Lamas em Torres Novas, regressada de Angola com as duas filhas (Mimi e Manuela, recém-nascida)
Fonte: Fascínio da Fotografia

Em 1930, esteve envolvida na Exposição da Obra Feminina, uma iniciativa que visava dar o devido destaque ao trabalho das mulheres em diversas áreas.

Durante as décadas de 1940 e 1950, Maria Lamas continuou a lutar pelos direitos das mulheres, enfrentando a censura do regime do Estado Novo.

Esteve presa três vezes, uma delas na prisão de Caxias, por co-liderar o MND (Movimento Nacional Democrático).

Maria Lamas
Fonte: Gerador

Após o 25 de Abril de 1974, a autora foi finalmente reconhecida e homenageada pelo seu trabalho. Tornou-se uma figura proeminente em várias organizações políticas e recebeu várias distinções, incluindo a Ordem da Liberdade. Nunca se cansou de lutar pelos direitos das mulheres e fê-lo até à sua morte em 1983, aos 90 anos, vítima de um AVC.

Uma voz pela Igualdade de Género

Além do trabalho pioneiro na área da fotografia, Maria Lamas foi uma das primeiras mulheres a exercer a profissão de jornalista em Portugal. Exerceu o cargo de diretora da Modas & Bordados, uma revista portuguesa fundada em 1912 como suplemento do jornal O Século. O início da carreira de Maria Lamas como jornalista marcou um ponto de viragem na sua vida. Dedicou-se a temas relacionados com os direitos femininos, tornando-se defensora da igualdade de género e dos direitos humanos. Através da sua escrita e do ativismo político, inspirou gerações de mulheres a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária.

Revista “Modas & Bordados”
Fonte: Gerador

Nas palavras de Jorge Calado, Maria Lamas “lutou para libertar as mulheres não como mulheres, mas como cidadãs e seres humanos”.

Maria Antónia Fiadeiro, jornalista e biógrafa de Maria Lamas, em entrevista ao jornal Médio Tejo referiu que “ela lutava pelo direito de igualdade das mulheres, entra nesta luta através do jornalismo. E sempre através dos livros e da leitura”.

Utilizando pseudónimos como “Tia Filomena”, respondia a cartas que as leitoras lhe escreviam, por vezes escrevendo apenas conselhos, outras vezes limitando-se a oferecer orientações. Tudo isto se desenrolava num período em que não era costume as questões femininas serem discutidas abertamente.

 Em 1930, Maria Lamas organizou a exposição Mulheres Portuguesas, que teve um papel fundamental na afirmação do movimento feminista em Portugal. O evento permitiu que se desse destaque às contribuições de mulheres em áreas que vão desde a literatura à ciência.

“As mulheres de Maria Lamas”

Fonte: Fundação Calouste Gulbenkian

A exposição, com curadoria de Jorge Calado, tem como foco a obra fotográfica de Maria Lamas, e permite ao visitante observar uma seleção de 67 fotografias, a maioria em formato vintage, capturadas ao longo da sua vida utilizando um “caixote Kodak”, emprestado pelo seu genro, empregado na Kodak.

Também é possível observar na exposição objetos pessoais de Maria Lamas e o retrato da mesma pintado por Júlio Pomar em 1954, juntamente com um busto em gesso esculpido por Júlio de Sousa em 1929.

Retrato de Maria Lamas, pintado a óleo por Júlio Pomar
Fonte: Arquipélagos 

Além do acervo fotográfico, a exposição também contém uma secção dedicada à contribuição literária e jornalística de Maria Lamas, com alguns exemplares de primeiras edições dos seus livros de literatura infantil, poesia, ficção, traduções, juntamente com algumas peças jornalísticas.

A obra pela qual é mais conhecida é a reportagem fotográfica de 470 páginas: As Mulheres do Meu País. Publicada em fascículos mensais, esta obra é o fruto de um trabalho meticuloso e exaustivo, realizado entre 1947 e 1950. Maria Lamas viajou sozinha de Norte a Sul do país e, através da sua lente, captou a vida das mulheres portuguesas.

Numa entrevista à revista, Jorge Calado recorda a primeira vez que teve contacto com esta obra de Maria Lamas, “Quando vi o livro pela primeira vez, tinha 10, 12 anos”. Revelou ainda: “só anos mais tarde, já no século XXI, é que olho para o livro e reparo que ela foi a autora de cerca de 150 fotografias, e são extraordinariamente modernas. Para ela, não havia o momento decisivo da fotografia, mas a mulher dona do seu corpo e do seu trabalho, e é essa frontalidade que transparece nestas imagens”.

Livro  As Mulheres do Meu País
Fonte: Fascínio da Fotografia 

Este projeto pioneiro combina métodos de investigação jornalística, sociológica e antropológica, permitindo obter uma visão profunda da condição feminina na época. As mulheres fotografadas por Maria Lamas não ostentam sorrisos. Os seus rostos são o reflexo de um dia de trabalho árduo.

De acordo com o curador da exposição, em entrevista à SIC,  “Não só aprendemos sobre as mulheres, mas também sobre os trajes, os costumes e os instrumentos de trabalho. Maria Lamas deu um grande contributo à etnologia portuguesa“.

“Trabalhadoras das minas de S. Pedro da Cova”, 1948-1950,  “As Mulheres do Meu País”
Fonte: Fundação Calouste Gulbenkian

Segundo a autora do livro “As mulheres que labutam de sol a sol na terra portuguesa costumam definir o seu destino com esta frase concisa e trágica: “A nossa vida é muito escrava”.

As suas fotografias, hoje reconhecidas como uma importante contribuição para o acervo histórico português, sobressaem devido à sua autenticidade e valor documental.

Fonte da imagem de capa: Fotografia tirada por Beatriz Lima na exposição As Mulheres de Maria Lamas

Artigo revisto por Mariana Sofia

AUTORIA

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Foi na natação que descobri o meu amor pelo desporto. O meu interesse pelo mundo desportivo foi evoluindo quando comecei a fotografar competições de taekwondo e de badminton. Atualmente estou no segundo ano da licenciatura de jornalismo e um dos meus sonhos é no futuro, trabalhar em algo relacionado com desporto, seja através da escrita ou da lente de uma máquina fotográfica. Vejo na Magazine uma oportunidade para estar mais ligada ao desporto.