Blackout criativo
Por estes dias, a poluição visual em Portugal atinge valores máximos. Os culpados são os suspeitos do costume: os políticos. De norte a sul do país, não há uma única localidade (nem mesmo o lugarejo serrano habitualmente esquecido pela civilização) que escape à infestação de outdoors e de cartazes alusivos às eleições legislativas.
Por incrível que pareça, as campanhas eleitorais estagnaram no tempo. Os políticos comunicam hoje como comunicavam há décadas atrás. Numa era em que a comunicação é omnipresente, as agências concebem campanhas que ficam aquém das expectativas. O porquê é incógnito (essa discussão daria pano para mangas). Contudo, culpados à parte, uma coisa é certa: a criatividade não abunda.
Façamos um simples exercício: comparar um outdoor da actual campanha com outro de 1995. As diferenças são quase imperceptíveis. O que mudou? Basicamente, duas coisas: a cara e o slogan. A ideia continua a ser exactamente a mesma, sem tirar nem pôr: um político com cara de fotografia de passe e, ao lado, um clichê qualquer (confiança, rigor, transparência, etc.).
A presente campanha legislativa tem sido, desde cedo, pautada por episódios caricatos. O alvo do primeiro episódio digno de destaque envolve o PS. Os socialistas colocaram nas ruas o mediático cartaz new age – de muito mau gosto estético, diga-se –, que não tardou a ser alvo de chacota nas redes sociais, dando azo a inúmeras foto-montagens – essas sim, criativas. O circo foi tal que depressa o cartaz foi retirado de cena. A alternativa foi outro flop, isto porque parece que o partido utilizou, sem autorização, fotografias de pessoas associadas a frases que as mesmas não proferiram. Resultado: nova polémica. Todos erramos, é verdade. Mas a assessoria de comunicação do PS não prevê riscos que, à partida, nos parecem evidentes? Alguns dias depois, o alvo foi o PSD. Os sociais-democratas foram acusados de utilizarem fotografias de bancos de imagens. Neste caso, não compreendo o alarido. Como se sabe, o recurso a este tipo de bases é normalíssimo. Por isso mesmo, o assunto morreu em menos de nada.
Para além destes fait-divers, que fazem as delícias dos media, sedentos de polémica – para além da própria oposição, por razões óbvias –, tudo o resto é mais do mesmo. Os debates frente-a-frente são apenas um pró-forma, ou seja, acontecem porque têm que acontecer (quanto à sua eficácia junto do eleitorado, sou muito céptico). Ainda assim, esta campanha trouxe algumas inovações. As três televisões generalistas (RTP, SIC e TVI) juntaram-se para conduzirem o debate entre António Costa e Pedro Passos Coelho. Mas a novidade esgotou-se aí, isto porque o debate foi amplamente noticiado pelo seu formato a três mas pouco se falou sobre o essencial: as propostas de governação dos candidatos.
Posto isto, considero que as campanhas eleitorais são monocromáticas. As reacções da Internet, que acabam por lhes dar alguma cor, conseguem ser mais criativas e funcionar muitas vezes em prol dos candidatos (mas também contra), do que as próprias campanhas oficiais.
Por fim, fica a chamada de atenção: a criatividade está desparecida. Caso alguém a encontre, é favor contactar os partidos políticos.
(Artigo escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.)
AUTORIA
Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).