O tempo que (não) temos
“O tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.”
Conhecem esta lengalenga? Certamente que sim. De facto, o tempo tem apenas o tempo que o tempo tem. Trocando por miúdos: um minuto tem 60 segundos – nem mais nem menos. A nossa percepção do tempo é que é variável, pelo que não é raro dizermos que o tempo passa mais depressa ou mais devagar, consoante a ocasião.
De há uns anos a esta parte, os arautos da desgraça têm batido às nossas portas – quais vendedores de enciclopédias – na tentativa (bem sucedida, diga-se) de nos venderem a ideia de que não temos tempo. É inquestionável o facto de que, nos dias que correm, o tempo é um bem escasso. Pois é, meus caros, o dia só tem 24 horas.
“O tempo voa” é uma expressão sintomática do estado da sociedade contemporânea. Vivemos em modo de piloto-automático, sem que disso tenhamos noção. Não paramos para pensar – esse acto tão intrínseco ao ser humano. Os afazeres do dia-a-dia absorvem-nos de tal maneira que pouco tempo resta para nos dedicarmos a certas actividades que exigem um maior grau de concentração, tais como ler um livro ou ver um documentário.
“Não temos tempo para nada.” Isto é mesmo verdade? Não. Se nos esforçarmos um bocadinho (o sacrifício é mínimo, acreditem), somos capazes de fazer algumas dessas coisas que os outros nos fazem crer serem impossíveis. Falo por experiência própria. O comodismo faz-me resvalar para essa atitude apática perante o stress do quotidiano, admito. Mas já experimentei forçar pequenas alterações na minha rotina e fui bem-sucedido.
Experimentem um destes pequenos exercícios (ou ambos, why not?):
Logo à noite, desliguem a televisão e coloquem o comando longe do vosso alcance. Depois, no sossego do vosso quarto, leiam meia dúzia de páginas (ou até mesmo um capítulo) de um livro. Quem vos disse que não têm tempo para ler?
Quando estiverem a procrastinar no bem-bom do sofá, a jogar Candy Crush, vejam um documentário (na televisão, no laptop ou no tablet; o dispositivo é indiferente para o caso). Já ouviram a teoria de que, hoje em dia, ninguém vê vídeos com uma duração superior a 30 segundos ou um minuto? É certo que a duração dos vídeos tem que se adaptar aos curtos intervalos que temos durante o dia (a pausa para o café, por exemplo). Actualmente, existe uma tirania para só se produzirem coisas curtas. Mas, em contraciclo, assistimos à emergência de projectos de altíssima qualidade que nos oferecem conteúdos audiovisuais de média e longa duração. A propósito, já viram o documentário “O que é isso de vida independente?”, da escsiana Vera Moutinho? Vejam porque vale mesmo a pena.
Assim sendo, coloca-se um desafio aos produtores de conteúdos: criar narrativas suficientemente apelativas que consigam arrancar o comum dos mortais do marasmo do dia-a-dia. Ora aqui está uma das tais janelas de oportunidade que a gíria empreendedora tanto aclama. Se temos tempo? Não temos muito, é verdade. Mas que o temos, por muito pouco que seja, lá isso temos.
O Marcos Melo escreve ao abrigo do Antigo Acordo Ortográfico.
AUTORIA
Diz que é o cota da ESCS MAGAZINE. Testemunhou o nascimento do projeto, foi redator na Opinião e, hoje, imagine-se, é editor dessa mesma secção. Recuando no tempo... Diz que chegou à ESCS em 2002, para se licenciar, quatro anos mais tarde, em Audiovisual e Multimédia. Diz que trabalha há nove no Gabinete de Comunicação da ESCS – também é o cota lá do sítio. Diz que também por lá deu uma perninha como professor. Pelo caminho, colecionou duas pós-graduações: uma em Comunicação Audiovisual e Multimédia (2008) e outra em Relações Públicas Estratégicas (2012). Basicamente, vive (n)a ESCS. Por isso, assume-se orgulhosamente escsiano (até ser cota).